Capítulo Oito

263 12 4
                                    

O sol já ia alto quando Emma finalmente acordou, ainda com os olhos inchados pelo choro que durou até que ela conseguiu pegar no sono, depois de muito pensar e lamentar. Isaac estava a esperando na sala, com um olhar de pena que irritou Emma pelo simples fato de ser dirigido a ela. Desviando-se dele, ela foi direto até a cozinha. Sentia uma fome que não experimentava desde a noite em que seu pai desaparecera, e inconscientemente, a primeira coisa que queria fazer era comer uma boa fatia de bolo de chocolate, que, ela sabia, Nora havia preparado para ela esta manhã, como sempre.

Chegando na cozinha, abriu o forno, e ficou desapontada ao perceber que o bolo não estava lá: Nora não havia trazido nada. Estava tão sensível, e se sentindo tão sozinha naquele momento, que poderia chorar por um simples bolo de chocolate, mas se recusava a parecer fraca demais, principalmente agora que sentia a presença indesejada de Isaac a contemplando da soleira da porta.

Pegou algo qualquer do armário, e fingiu comer, ignorando os olhares furtivos que o garoto lhe lançava, e, vez ou outra, desviando seus próprios olhos para a porta, para se certificar se ele ainda estava ali. Contra a vontade, hoje, especialmente, a presença dele a fazia se sentir menos solitária. Isaac não conseguia tirar os olhos de Emma, e desejava poder confortá-la de alguma maneira, pois via que ela estava extremamente triste, mesmo que tentasse com todas as suas forças disfarçar. Ele admirava a coragem que ela levava consigo, e até mesmo o orgulho que o queixo levantado deixava transparecer, mas ela era só uma menina, e devia se permitir desabar em algum momento. Infelizmente, ele sabia, por mais irado que isso o deixasse, que não, que ela, por ser quem era, não podia se deixar enfraquecer.

Emma o tirou de seus devaneios quando passou por ele como um raio em direção a porta da frente. 

- Onde pensa que vai?

- Vou iniciar as buscas. Estava pensando ontem à noite, e acho melhor envolver a polícia...

Ela foi interrompida por uma sonora risada vinda de Isaac, o que a deixou vermelha de raiva. O que ele havia achado tão engraçado? Será que ele realmente precisava rir da desgraça dela? Ela sabia que não era uma ideia brilhante, mas que outra alternativa tinha, se nem Nora queria ajudá-la?

- E em que você acha, exatamente, que a polícia poderia te ajudar? – soltou Isaac, ainda se esforçando para controlar o riso.

- Eu não sei, definitivamente não sei. Já que você está aí parado, sem me dizer nada de útil, acredito que qualquer outra pessoa, que possa fazer qualquer coisa, ajude mais do que você – Emma estava esbaforida, e queria pular no pescoço do garoto e estrangulá-lo ali mesmo.

- Emma, eu já disse, nós vamos encontrar seu pai, mas no momento certo.

- Ah, claro, muito reconfortante. E até esse “momento certo” chegar eu me sento e assisto ao meu programa de TV favorito, porque eu não tenho com o que me preocupar, já que um estranho invasor de propriedade privada me disse que meu pai vai aparecer instantaneamente, da mesma maneira que sumiu – Emma quase gritava agora, expelindo veneno em cada uma de suas palavras.

- Você se acha muito esperta, não é? Então porque não tenta ser sensata também, e me escuta. No fundo você sabe que eu sou o único disposto a ajudá-la. Mas se quer fazer as coisas do seu jeito, vá em frente, vamos ver até onde vai.

Emma foi até o sofá e se jogou em uma de suas guardas, cruzando os braços sob o peito, como que na expectativa de espera.

- Vamos lá, grande mestre, diga qual o próximo passo – cantarolou, ironicamente.

- Cale a boca – Isaac começava a ficar nervoso.

- Olha, eu não tenho tempo para seus joguinhos, então se vai dizer algo realmente útil fale agora ou então saia da minha frente.

Sem perceber, Isaac tinha se colocado entre Emma e a porta, impedindo sua passagem.

- Eu não vou a lugar algum – bateu o pé, teimoso.

- Então acho que vou ter que te tirar daí – Emma era ainda mais teimosa que o garoto.

Ela levantou-se e se aproximou, firme e decidida, com os braços para frente, como se estivesse pronta para derrubar qualquer obstáculo que aparecesse. Isaac achou aquela visão engraçada, mas se segurou para não rir. Quanto mais próxima Emma ficava, mais ele sentia vontade de puxá-la para si e segurá-la com a vontade que há muito tempo sentia. Então, de repente, ali estava ela. Bem na sua frente. Com os olhos azuis olhando diretamente para ele, grandes e irresistíveis olhos azuis, que agora estavam como o mar revolto em dias de tempestade. Isaac se lembrava desses olhos, lembrava dessa boca, do contorno bem delineado de suas sobrancelhas, dos cílios espessos e escuros, das bochechas redondas e coradas. Isaac lembrava-se de cada traço daquela garota, a garota que há tanto tempo ele conhecia e amava.

Emma por outro lado só queria tirá-lo da sua frente, e se lançou com todas as forças para cima dele, pegando-o de surpresa, fazendo com que os dois caíssem com um baque surdo no chão. Ali, nos braços de Isaac, Emma se sentiu estranhamente em casa, como nunca havia se sentido antes. E o pior: ela gostou da sensação. Então seus olhos encontraram os dele, e sua boca se abriu quase que instintivamente, enquanto ela sentia os dedos dele se espremendo por entre seu pescoço e cabelos. Uma onda de calor tomou conta de seu corpo, e ela sentiu que era exatamente ali que deveria – e queria! – estar para sempre. Enquanto o rosto dele se aproximava devagar, ela fechava os olhos, lentamente, como se para ter certeza que guardaria o máximo daquele momento. 

Então, quando ela já podia sentir sua respiração se embrenhando na dele, seus hálitos misturando-se, seus corpos se encaixando perfeitamente, como se tivessem sido esculpidos sob medida um para o outro, ele simplesmente a rolou para o lado e sumiu para a cozinha, antes mesmo de ela abrir os olhos novamente. Completamente envergonhada, e se sentindo a garota mais idiota desse mundo, ela levantou-se com sacrifício, como se aquilo fosse a coisa mais difícil que já havia feito até então. Ergueu os olhos bem a tempo de vê-lo voltando para a sala, com a boca aberta, pronto para dizer alguma coisa. Então, com um suspiro forte e desolado, ela passou por ele com os olhos marejados de lágrimas, e se trancou em seu quarto.

A Isaac restou apenas chamá-la, num sussurro, sentindo a dor aguda familiar novamente em seu peito: mais uma vez, ele tivera que afastá-la.

EternoOnde histórias criam vida. Descubra agora