Capítulo Seis

338 16 6
                                    

Aquele momento de ternura foi algo passageiro. Logo a garota lembrou-se o que estava acontecendo na vida dela, e todo o encanto se desfez. Emma não conhecia Isaac o suficiente para confiar nele, e se quisesse mesmo encontrar seu pai, precisava fazer isso sozinha, essa era a única certeza que tinha. Levantou-se num impulso, e sem dirigir uma palavra ao garoto parado em sua frente, aguardando desesperadamente que ela lhe dissesse qualquer coisa, caminhou até seu quarto, e trancou a porta por dentro.

Lá dentro ela se sentia segura: pra derramar suas lágrimas pelo pai que havia perdido, pra tentar reencontrar suas forças sumidas e erguer a cabeça como fez quando sua mãe se foi. Era difícil manter a esperança viva ainda, mas uma faísca dela que existia dentro do coração de Emma lhe dizia que Erick estava vivo, e esperando por ela. O que a menina não podia era ficar parada, aguardando o momento em que surgisse uma oportunidade de chegar até seu pai: ela ia lutar com todas as armas que tinha para trazê-lo de volta, e isso estava decidido.

Isaac não conseguia compreender a mudança repentina na atitude de Emma. Um segundo atrás ela estava frágil e sensível, recostada sobre seu peito, com lágrimas molhando seu rosto. Agora ela parecia novamente a garota determinada e fria que o acolheu quando adentrou esse mundo. Emma era um verdadeiro mistério para ele. Talvez fosse isso que o atraía: o desafio que a menina parecia ser. Ele só sabia que queria desvendar cada parte do céu infinito que eram os olhos daquela moça, descobrir porque ela se protegia tanto, e fazia questão de mantê-lo afastado. No fundo Isaac ansiava por chegar perto o bastante para poder entendê-la, mas isso se tornava cada dia mais impossível.

Quando Emma saiu do quarto, não lembrava mais a mesma garota: ela estava agora com os olhos desinchados, o rosto limpo e a expressão transfigurada num misto de coragem e medo do que poderia encontrar pela frente. Isaac se aproximou devagar, e estranhou quando ela não se desviou:

- Acho que devíamos começar a procurar por meu pai. Se quiser mesmo me ajudar, então deve seguir minhas regras.

Ele não acreditava no que estava ouvindo: ela não tinha a menor ideia de com quem ou com o que estava lidando, e mesmo assim mantinha-se orgulhosa o suficiente pra criar regras que nem sequer valiam no mundo de onde ele veio. Isaac não estava preparado para o gênio indomável da garota, e essa novidade o pegou de surpresa:

- Regras? Você vai me impor regras?

- Exatamente, e se quiser ir comigo é melhor obedecê-las à risca.

- Você não está entendendo. Nós vamos lidar com coisas muito maiores do que qualquer uma que você já enfrentou, talvez até mesmo que eu já enfrentei. Nós vamos arriscar nossas vidas, e você ainda pensa no seu orgulho idiota de garotinha mimada?

- Começamos mal. Vamos deixar uma coisa bem clara: eu não vou perder meu pai; vou fazer o que for preciso pra trazê-lo de volta, são e salvo, e estou te dando a chance de me provar que realmente posso confiar em você. E não me chame de mimada porque você não passou por metade das coisas que eu já vivi, não sabe o quanto as dificuldades te fazem crescer. Eu sou muito mais forte do que você imagina.

Falando assim, com essa autoridade, com os olhos cheios de uma confiança pura que Isaac jamais havia visto em outra pessoa, ele se sentiu tentado a acreditar. Confessou a si mesmo que talvez a estivesse menosprezando. Por um segundo pensou em aceitar suas condições, e ver até onde ela chegaria. Mas depois lembrou-se da sua missão: ele havia sido mandado ao mundo terreno para proteger aquela garota, e era isso que devia fazer. No mais profundo de seu íntimo sabia que faria mesmo se não precisasse.

- Vamos começar por Nora. Ela sempre sabe o que fazer e como fazer. Deve nos ajudar agora também – Emma falava com a maior consciência, como se já tivesse experiência em algo desse tipo – podemos procurá-la e dizer que precisamos de seus dons. Ela com certeza não se negaria. Me conhece desde menina e sempre me protegeu, vai fazer o mesmo pelo meu pai.

A voz da menina tirou Isaac de seus devaneios, e o trouxe de volta à situação:

- Que tipo de dons você acha que poderão nos ajudar agora?

- Todas forças que pudermos conseguir serão bem-vindas. Vamos contar a Nora o que aconteceu, podemos confiar nela, eu sei disso. Você disse que tem o caminho para me levar até meu pai, os dons de Nora vão nos fazer chegar mais rápido ao nosso destino.

- Ainda acho que devíamos ficar aqui e esperar segundas ordens.

- Você segue ordens, eu não. Não vou ficar parada enquanto meu pai corre perigo. Que tipo de filha eu seria se fizesse isso?

- Uma que valoriza a própria vida.

- Pois se quer mesmo saber, daria minha vida por esse homem sem nem pestanejar. Vamos.

Isaac não podia evitar. Admirava a garota que caminhava à sua frente na rua. Admirava o modo como ela conseguia amar tão profundamente a ponto de colocar em jogo seu mundo inteiro. Admirava o jeito com que ela falava de seu pai, como se nada mais importasse além de salvá-lo. Como se ele fosse a coisa mais valiosa que ela possuía. No fundo ele sentia inveja de Erick: daria qualquer coisa para ter metade do amor que Emma dedicava a ele.

Esse pensamento o fez vacilar. Ele não podia se confundir desse jeito, isso só atrapalharia sua missão. Mas como não se apaixonar por aquela menina independente e corajosa, que ao mesmo tempo o afastava e o trazia para mais perto? Como ele poderia se manter longe, se ela estava bem ali, na sua frente? Agora ele entendia porque seu pai havia ficado receoso ao mandá-lo, mas não tinha mais volta. E mesmo se houvesse, ele jamais voltaria atrás, não depois de conhecer Emma.

EternoOnde histórias criam vida. Descubra agora