Tokyo

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"Eu sinto falta de mim mesmo?
Eu sinto falta do seu rosto?
Se eu pudesse escolher meu sonho;
Só quero ficar bem ao seu lado."

Há dias em que levantar da cama parece mais difícil do que conseguir dormir uma noite insone. E não importa o quanto tentemos, a ideia de encarar o sol ardente é dolorosa diante da coexistente tempestade em nosso intrínseco. São em dias como este que NamJoon considera grandioso simplesmente abrir os olhos, quando tudo o que deseja é fechá-los para sempre.

O teto branco diante do seu fitar em nada combinava com o escarcéu abafado e distante fora daquele quarto de hotel. A magnificamente cívica Tóquio havia acordado há horas, não que em algum momento tivesse dormido, e ele sabia disso porque no torpor da madrugada, seus olhos estavam anexos, mas os pensamentos a turbilhar sua cabeça, levando-o para dimensões assustadoras, mesmo diante das várias tentativas de acalmá-los; nada parecia forte e habilidoso o bastante para dar uma rasteira em seus pensamentos que lhe perseguiam com uma faca em mãos, ansiosos por sucumbi-lo à sua própria ansiedade.

NamJoon piscou, desejoso de esquecer as horas quase intermináveis da madrugada. Levou a mão até o criado-mudo e apanhou seu celular, conferindo o horário para logo depois acessar suas redes sociais, as quais estavam lotadas de referentes daquilo que nem mesmo lembrava: o aniversário do seu debut.

O Instagram, Twitter ou qualquer outra rede social estava carregado por mensagens de toda a sorte de fãs; homenagens, projetos e grandes dedicatórias demonstravam o esforço e todo o amor depositado naquilo. NamJoon observou os seus fãs professarem estar felizes, emocionados, orgulhosos de toda a sua trajetória, não só como o rapper RM que leva milhares à loucura, mas como ser humano.

Vendo cada uma daquelas belas homenagens, o aniversariante em questão se sentiu como um primoroso navio a ser observado por quem estava a quilômetros de distância em superfície terrestre imaginando com convicção que as pessoas dentro do cruzeiro, qualquer uma delas, estavam felizes por estar ali, apreciando a viagem de primeira linha. Mas ainda assim não podiam sequer pensar que talvez, alguém, provavelmente o capitão, se sentia à deriva, em paradoxo com o seu belo navio, achado e certo de sua rota naquele oceano azul. O navio era a carreira de NamJoon, as pessoas; cada traço da sua fama, e o capitão; o próprio Kim NamJoon.

Então se questionou porque não compartilhava dos mesmos sentimentos que seus fãs. Onde estava a felicidade, o orgulho, a epifania e o amor? Por saber que nunca encontraria respostas para aquelas perguntas petulantes que ficavam rondando sua cabeça e sentidos em cores desconexas - ou essas cores eram somente reflexo do que via sempre que olhava ao seu redor -, se levantou da cama, mas não sentiu o fato lhe acolher, como se sua alma tivesse ficado ali, deitada e letárgica.

Prontamente vestido, NamJoon fitou seu reflexo bem arrumado e elegante no espelho do banheiro, contanto, não pôde evitar o pensamento que insurgiu sorrateiro "Farsa". Era uma ironia para ele estar tão arrumado quando seu interior se contorcia em bagunça. Tentou sorrir para o espelho, quis de verdade fazê-lo, mas quando o fez, o sorriso não chegou aos olhos, não passava de uma ação vazia e falsa. Falso como tudo o que existia sobre ele em lugares que não eram seu interior. Quis dizer palavras como "Hoje você está bonito", apenas para tentar se convencer de tal coisa, mas nem forças para isso tinha.

Se afastou do espelho e saiu do banheiro, fitando a luz artificial estendida pelo quarto, sobre o criado-mudo avistou o controle das imensas e pesadas cortinas, viu nele mais um pretexto para não sair do quarto. Apanhou o objeto e o acionou em direção às janelas; gradativamente a luz em feixe foi se tornando difusa, até o ponto em que as lâmpadas não faziam a menor diferença, não quando os raios solares invadiram o quarto com autoridade genuína, porque não importava a escuridão, a bagunça e o mausoléu em que NamJoon se encontrava, a luz era para todos, mesmo que nem ele próprio soubesse disso ainda. No mundo do outro lado da janela, o Kim enxergou as nuvens no céu praticamente cinzento, as pontas dos arranha-céus o convidaram a contemplar a sua grandiosidade, e por isso, passo a passo, a estrela vermelha* se aproximou da vista do décimo quinto andar daquele hotel exatamente no centro de Tóquio. Metros abaixo de si, NamJoon avistou a personificação do caos: as avenidas cheias de carros em inúmeras cores, as pessoas surgindo de todas as direções, o som distante resultante da amálgama de buzinas, conversas inaudíveis, lojas e restaurantes à todo vapor com seus clientes.

Mono: Monster No MoreOnde histórias criam vida. Descubra agora