Moonchild

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Ele havia colocado novamente toda a responsabilidade sobre si. É algo sobre os homens, acho. Carregar mais do que se pode aguentar para que quando a inevitável queda venha, não existam brechas para se pensar sobre o que poderia ter sido feito. E ele sempre fez tudo o que podia, eu era sua testemunha.

Observar talvez seja a forma mais egoísta de se aprender, mas eu simplesmente não conseguia ignora-lo. Durante todos esses anos nunca me foi tedioso acompanhar seus estágios, ele sempre esteve em constante mutação e mesmo nas fases incompletas, eu confiava em esperar pela próxima etapa. É algo que eu encontro em mim também, eu o reconheço como um igual.

Só o podiam ver com clareza quando todo o resto perdia o foco, não tão brilhante e quente quanto o Sol, mas ainda capaz de mover mares e mudar estações, e as crateras que mancham sua superfície nunca são esquecidas. Não se pode amar a Lua sem considerar todas as colisões que aconteceram nela, suas imperfeições são visíveis até no escuro.

Somos facilmente atingidos. Sem nenhum campo protetor, nossa forma era modificada na medida que recebíamos os golpes e eu pude vê-lo ficar pensativo, seu interior se parecendo com a minha superfície. Assim como abaixo da minha superfície também haviam rupturas. Não há nada no universo que esteja inteiro, mas ele me encara como se isso fosse o que existe de mais belo em mim.

Consigo ver seus olhos com marcas roxas, sempre nos encontrávamos, todas as noites sem nenhuma falta. Ele parecia achar conforto na minha permanência, considerando toda a mutabilidade das coisas ao seu redor. E a sua tristeza seria poética se não fosse comum, ele sabia disso, lidava com a sua falta de perspectiva com um olhar calmo e centrado, porque mesmo sendo novo, já havia entendido que a felicidade não vem por tentativas. Não existe nenhum estado eterno, todas as coisas, boas ou ruins, são efêmeras.

Essa inconstância do sentimento de felicidade é tão benéfica quanto a inconstância da tristeza. Ver como os humanos passeiam por esses estágios uma vez fez com que eu me sentisse distante, como uma espécie de deus, apenas observando as tentativas frustradas e os levantes gloriosos. Mas com o tempo que tenho gastado acompanhando sua curta vida, percebi que não existia honra em se sentir superior por ser inalcançável. Talvez por isso agora eu admire tanto a fragilidade humana, a ciência que todos tem dela e a forma que eles continuam insistindo em si mesmos. São filhos da mesma terra e sujeitos as mesmas paixões, altamente quebráveis e tristes na maior parte do tempo. Alguns vivem buscando o fim, alguns vivem apesar dele. Essa criança de olhos roxos vivia porque não haveria liberdade na morte.

Ele encontrava conforto na noite, eu o via escrevendo sobre telas em branco, as enchendo para depois joga-las fora, sei que seria mais fácil se ele estivesse tentando agradar a outras pessoas, mas seu maior crítico era ele mesmo. Quando abria sua janela e me olhava, parecendo aliviado pela cidade ter ido dormir e as luzes das estrelas finalmente terem seu espaço entre os arranha-céus brilhantes, sentia que ele me entendia também. Ele nunca pensou que eu ficaria para sempre como uma metade, ele sabe que eu sou completa, que a minha forma é maior do que a que eu as vezes mostro. Eu só queria que ele tivesse essa mesma visão sobre si mesmo.

Mas acho que faz parte da busca, eu aprendi a respeitar a necessidade o acompanhava. Alguns querem conquistar bens materiais, outros querem possuir pessoas e esses desejos são fáceis de obter quando comparados ao dele. Eu o vi tentando alcançar as pessoas da forma mais sincera que podia, ele queria que elas o ouvissem. Com o tempo eu também passei a desejar que isso um dia realmente acontecesse.

Quando o via entrar em seu quarto, iluminado pela minha luz enquanto diligentemente garantia a todos que estava bem. Seguindo seu ritual para noites como aquela, quando não se permitia sentir pena de si mesmo, ele via fotos, assistia vídeos antigos, colocava suas músicas favoritas e dançava. Arrastando suas meias no piso aquecido, tentando se lembrar das coisas que ainda valiam a pena, das que ainda precisavam ser cantadas.

Tudo o que me prendia como espectadora estava nos detalhes simples sobre ele. Nas coisas que as pessoas não notavam em primeira instancia, que alguns consideravam defeitos. Penso que se pudesse alcança-lo, pelo menos uma vez, lhe contaria sobre tudo o que eu vi, desde o começo, eu lhe falaria sobre o passado e confessaria que há tempos eu também tenho estado cansada. Que está tudo bem sentir isso. Eu diria que ele já está trabalhando o suficiente, que mesmo quebrado ele ainda era o ponto de apoio de muitos. Pediria que ele parasse de pedir desculpas.

Pois quando lembra de todos os seus piores momentos, nos tempos em que o Sol não podia tocar sua superfície para ilumina-lo, ele ainda chora como uma criança por quase não ter conseguido escapar da escuridão. Ainda se culpa por não saber de coisas que agora conhece tão bem, preso nos caminhos que já não pode escolher.

Mas ele tem aprendido mais a cada dia, sabe que existem todas essas pessoas que desejariam que ele apenas se retirasse, que calmamente fosse para o seu lugar de partida e permanecesse sem emitir nenhuma luz. Sabe também que existe muito amor que lhe é ofertado de forma despretensiosa, não apesar de quem ele foi, mas por causa de quem ele se tornou.

Namjoon, não há problema em ser gentil consigo mesmo, chorar pela sua própria dor e ministrar o perdão para si, da mesma forma que o ministra para os outros. Existe toda uma luz que permeia a sua existência. Mesmo no escuro ainda é possível te achar. Somos a visão noturna um do outro. 

Escrita por: Marveril

Revisado por: LuaInAHoodie

Capas e Arte por: LuaInAHoodie e pjmcoeur

Mono: Monster No MoreOnde histórias criam vida. Descubra agora