Badbye

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Monocromia. As ruas de Tokyo. O som pesado da minha respiração. As ondas de rádio oscilando ao meu redor. Tudo estava resumido a uma simples paleta de cores que começava e terminava em branco. Eu estava mais uma vez sentindo na derme todos os efeitos do verão japonês enquanto recolhia, vagando pelas ruas da cidade, fragmentos anteriores a lembrança de um adeus unilateral.
Se algum dia a minha história e de Louise saísse da minha cabeça para o papel, aquele pedaço de Tokyo representaria o nosso Marco Zero. Naquela época do ano, quando o calor infernal do fim de setembro nos obrigava a dividir uma lata de Mountain Dew entre o formigueiro humano que transitava apressado entre saguões da estação de metrô no coração da megalópole. Naquela época eu não entendia, e até hoje não compreendo perfeitamente, como os espirais amarelos cor de girassol oriundos da risada de Louise eram simultaneamente esplêndidos e tristes, mas Lou e seus infinitos cachos sempre assumiram essa natureza rara e efêmera aos meus olhos.
Naquele verão, no início de setembro, minha melhor amiga parecia irreversivelmente feliz enquanto desbravavamos a capital como nunca antes, eu não me dei conta de que Lou e seus sorrisos infinitos estavam se despedindo silenciosamente enquanto ela me retratava em incontáveis fotografias no festival da primavera daquele ano, sem nunca aparecer ao meu lado. Foram bons meses, enquanto um Namjoon adolescente caminhava de mãos dadas com a menina de pele dourada em uma calçada do centro histórico, ou quando Louise gargalhava e explodia em tons alaranjados enquanto empinava pipa na praia. Lou realizou suas próprias pequenas vontades naquela estação.
Ainda me recordo vagamente da sua imagem desfrutando de uma lata da sua bebida predileta e rindo ao meu lado em um vagão do metrô, quando todos os problemas pareciam simples na serenidade do seu rosto dourado e adornado por pequenos cachos. Eu dividi a lata de Mountain Dew sem perceber que aquele era o sabor mais precioso do mundo, porque fora a última na presença de Louise. Na manhã seguinte ela não estava me esperando na estação e em nenhum outro lugar da infinita e cinza Tokyo, também não estaria ao meu lado para observar as folhas do início do outono precipitando a favor da gravidade. E eu não direi a Louise que as folhas caem a cinco centímetros por segundo, nunca.
Desde a anunciação da ausência definitiva dos espirais amarelos na minha visão periférica, meu corpo entrou em um estado transitório de ociosidade, sem motivação para deixar a inércia que me consumia eu me transformei em uma máquina desativada, em uma mente incapaz de trabalhar, eu virei uma música que toca em uma casa vazia, sem ninguém para ouvir. Isso, todas essas coisas unidas à hiperconsciência da sua partida agora faziam parte dos fragmentos que compunham a minha figura perdida em uma bolha de solidão voluntária no coração de Tokyo.
Talvez essa fosse a motivação para voltar àquela cidade e vagar como um eremita lunático que conversa com outdoors até chegar ao marco zero e me encontrar outra vez naquela mesma estação em busca de uma fagulha de felicidade contida em lembranças consumidas pelos anos de negligência à figura de Louise. Embora a estação ainda guardasse o mesmo espaço e proporção gravados em minha memória, nada ali remetia a imagem distorcida que eu escolhi guardar de Lou. Tudo e todas as pessoas ao redor apareciam como caricaturas lo-fi, a lata de Mountain Dew estava restrita a um sabor artificialmente enjoativo e os ruídos da estação assumiam formas metálicas e cinzentas diante dos meus olhos, contrariando a máxima de que cinza também é cor. Nada seria igual, porque a risada amarela e estridente não estava mais ali e Lou, assim como todos que seguem por aquele caminho, seria gradativa e inevitavelmente esquecida a despeito da minha memória insana por fragmentos da sua antiga felicidade ensaiada.
De alguma forma eu precisava aceitar que ela não estaria mais lá, nem em lugar nenhum, mas Namjoon estaria.
Essa era uma das infinitas razões para voltar a Tokyo. O Namjoon de antes precisava fazer as pazes com o Namjoon de agora.
De alguma forma, voltar a estação me fez perceber que a presença imutável de Lou ao meu lado não estava mais lá e que as lembranças de felicidade que me atormentavam nunca seriam esquecidas. Por muito tempo eu senti culpa por ter sido cego, mas nada no mundo poderia trazer as risadas de Louise para o meu presente, há situações que não oferecem resolução, e a morte é uma delas.
Ela colocou um ponto final em sua própria história, mas eu precisava voltar a escrever e aproveitar cada segundo que o presente estava oferecendo, independentemente das cores que agora vagavam silenciosas pelo meu campo de visão.




Escrita por Poeira_de_Pollux

Revisada por Marveril e LuaInAHoodie

Créditos da arte para LuaInAHoodie e pjmcoeur.

Mono: Monster No MoreOnde histórias criam vida. Descubra agora