forever rain

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O som dos degraus rangendo sob cada passo seu, consumidos pela ferrugem que o tempo e a chuva trouxeram, servem de bom grado aos seus ouvidos e faz seu coração bater num ritmo acolhedor, logo, lhe trazendo simpatia ao sentir o calor das cores em seu mundo visionário lhe tocar na alma. O branco-saudade e marrom-do-passado se misturam em seus olhos e lhe presenteiam com o doce aroma que o tempo — com todas suas inesperadas tropelias — traz. Não são tão fortes como antes, mas ainda o faz lembrar o passado quando ainda chamava o apartamento alguns andares abaixo, de lar. Simples e barato, era como resumiria aquele lugar, se na época lhe perguntassem. Na época, não se orgulhava de suas condições, mas era o que a música podia lhe proporcionar e por hora bastava. No entanto, a vida parecia dar voltas e hoje só consegue lembrar do pouco fardo que carregava naquela época. 

Não se orgulhava do seu velho Namjoon, não mesmo. Mas também não se orgulha de quem hoje é. Gostava daquele cara que se perdeu entre o antes e o depois, que não resistiu ao durante. Sente falta de muitas partes suas, algumas que sequer se orgulha, mas não por isso deixou de, algum dia, amar a si mesmo, pois já fizeram parte do seu Eu e o ajudaram de alguma forma crescer. Ele já se amou, sendo que, hoje, ele não consegue ao menos sentir o que escreve.

A vida e a música não é apenas sobre escrever uma letra para canções qualquer, mas é sobre escrever emoções verdadeiras e vivê-las. E caso uma porta abrisse para ele entrar e encontrar o que tudo aquilo significa, o peso sobre os seus ombros de toda aquela responsabilidade parece lhe cegar. 

E chegar ao topo do prédio, seu destino, e sentir a brisa fria e melodiosa vir de encontro ao seu rosto, bagunçando alguns fios que dias atrás estavam descoloridos e ressacados — provas de outra transação — agora cai fios negros sobre seus olhos inexpressivos onde manchas habitam e uma barba rala cresce em seu rosto, permitindo sentir um pouquinho da vida naquela noite e também frio sobre suas bochechas avermelhadas causado pelo teor do soju correndo em seu corpo. E tudo por causa de só mais uma comemoração que acha boba e acréscimos de números que não fará diferença para o que sente dentro do peito e a escuridão em seu semblante.

Atravessou Seul de metrô, não se importando com a quantia suficiente para pegar um táxi, em seus bolsos. Preferia caminhar um pouco, enxergar um pouco, ter cautela a cada esquina e olhar para os dois lados antes de atravessar a rua, mas principalmente de levantar a cabeça e olhar para o céu.

Lembrou das histórias que seu avô um dia já lhe contou. Sobre os homens de hoje não saberem o que é olhar para o céu e ver com seus próprios olhos o clima ensolarado ou nublado; cogitar se iria chover ou decorar formas abstratas das nuvens que moldam o céu. Porque olhar para o céu parecia ser coisa de mais um louco sonhador e preguiçoso, e ser sonhador não parece se encaixar — mais uma vez — nos padrões do mundo. Mas o Kim gosta de ser um louco que gasta minutos olhando o pôr do sol e passar a noite contemplando aquela a quem tanto se comparava com suas fases, a lua; gostava de ser esse louco que o mundo comum demais parece, indiretamente, fazer alusão a ele. 

Mas se ser “louco” para o mundo o deixa se sentir um pouco mais vivo, então, louco será.

Olhou para aquele velho telhado abandonado dos seus cuidados, mas que em seu coração ainda é o mesmo velho e bom melhor amigo conhecedor de todas suas trágicas e também as boas, mutações. Um confidente, pode se dizer. Conhecedor até mesmo do seu real eu. 

E, bom, para Kim Namjoon, está ali, está mesmo valendo a pena ter abandonado sua própria festa de aniversário. Era por uma boa causa. Era por um bom amigo.

Deixa um suspiro pesado sair de seus lábios frios ao sentir minhas costas doerem e os calos em meus pés prestes a estourar, mas ainda sim, aliviado por enfim chegar ao topo de Seul e olhar para o céu naquela noite.

Mono: Monster No MoreOnde histórias criam vida. Descubra agora