mystère

450 29 39
                                    


*

O vapor quente do chá voava rapidamente a cada lufada de vento que entrava pelas janelas abertas, fazendo o tecido fino das cortinas dançarem e o cheiro doce do chá rodopiava até o pequeno narizinho de Louis, o fazendo sorrir. Era extremamente gostosa a sensação que acariciava sua pele nua toda vez que o vento fazia as gotas de chuva chegarem até ele, um arrepio que causava um pequeno tremor, fazendo seus pêlos eriçarem.

Ele segurava firmemente sua xícara com seus dedos enlaçados ao redor, sentado no batente da janela e esperando, trazendo aos lábios avermelhados pequenos goles de chá, que desciam morno pela sua garganta. Era uma boa sensação.

Como sempre, seu apartamento estava envolto na escuridão, contando apenas com as luzes da rua que entravam pelas janelas abertas, vez ou outra um clarão do céu iluminava tudo, mesmo que de forma um tanto quanto aterrorizante. Louis não gostava de muita luz, quanto mais escuro, melhor ele se sentia. Alguns pisca-piscas de natal costumavam iluminar seu apartamento durante as noites, penduradas em todas as paredes, por cima do varão da cortina, por cima de estantes e quadros, pelos armários aéreos da cozinha, boa parte pelos cantos do chão, envolto em algum pote que antigamente continha alguma planta viva, mas que Louis deixara morrer por falta de atenção.

Louis gostava de admirar os pequenos feixes de luz que os dias ensolarados traziam consigo e que insistiam em entrar pela fresta aberta da janela. O pó flutuava e parecia que dançava somente nessa luz amarelada, pelos dedos pequenos, Louis deitava no chão ou simplesmente com a cabeça para fora da cama olhando tudo de cabeça para baixo, em como sua mão recebia essa luz envolta de poeira. Isso era o máximo de luz que ele permitia adentrar, apenas pequenos feixes pelo seu quarto/sala, já que tudo se juntava em um pequeno kitnet, não tão pequeno assim, já que seu piano de cauda não dominou todo ambiente e ficara numa posição perfeita ao lado da grande janela onde Louis podia toca-lo enquanto olhava o grande jardim que se estendia do outro lado da rua e todo o brilho da cidade que ficava ao longe por de trás de tantas árvores.

Louis havia se mudado pra esse bairro mais tranquilo, um tanto afastado do centro da cidade e toda a barulheira que a mesma trazia, um pouco mais de um ano. O que o tinha ganhado fora a vista que sua janela no segundo andar o dava, todo o verde daquele grande jardim, os bancos de madeiras, os postes de luzes antigos, o grande lago e todas as grandes árvores que dominavam o lugar, as folhas caindo no outono e aquela palheta de cores que a estação trazia consigo.

Ele gostava de vistas, era uma sensação de liberdade que ele não sabia explicar. 

Aos fins de tarde, Louis sentava em sua sacada, um cigarro nos lábios e seu violão no colo, dedilhando alguma melodia inventada na hora ou alguma música que havia se impregnado na mente dele durante o dia, enquanto olhava as crianças que costumavam brincar após as aulas no pequeno parquinho colorido rodeadas por grandes pinheiros, pessoas que iam se exercitar ou simplesmente dar alguns amassos nos bancos, marcar seus nomes em troncos de árvores ou deitar sob uma sombra, lendo algum livro.

Sozinhas ou acompanhadas, cada um trazia consigo histórias e segredos que Louis jamais saberia.

O casal de idosos do primeiro andar, casados a sessenta anos, gostavam de juntar suas pequenas mãozinhas enrugadas e sentar no balanço em frente ao prédio, cumprimentando Louis e ouvindo as melodias que o garoto fazia sair de seu violão enquanto observavam a mesma vista que Louis. Em algumas noites, antes de dormirem, eles comentavam como as melodias de Louis eram bonitas, porém em sua maioria, melancólicas.

Louis não era infeliz, ele apenas se sentia perdido e ansioso em boa parte do tempo.

Desde sua mudança para sua nova casa, Louis convivia com a saudade de sua mãe que havia virado alguma constelação bonita no céu e a ausência de seu pai. Não que ele tivesse sido muito presente na vida de Louis desde que percebeu que seu único filho não gostava necessariamente de mulheres, não do jeito que a sociedade desejava que ele gostasse, pelo menos. A única coisa que ele recebia era silêncio, como se Louis fosse invisível, pelo menos até o dia que Louis foi pego aos beijos com o filho de um dos sócios de seu pai no quarto, após isso Louis sentia falta de ser invisível perante aqueles grandes olhos azuis e frios que o encaravam e o destruíam constantemente desde o ocorrido.

Petrichor Onde histórias criam vida. Descubra agora