001. Gēlenka

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Daenerys Targaryen, a Mãe de Dragões.
Jon Snow, o Lobo Branco.

Muito se passara em sua mente, ao momento em que atravessara o convés, a madeira rangendo sob seus solados, até alcançar a porta de símbolo Targaryen cravejado logo ao centro; o dragão de três cabeças emoldurado como os títulos que a autoproclamada Rainha dos Sete Reinos carregava consigo ─ sempre com enorme orgulho e pouca discrição, o que secretamente serviu como garantia ao julgo de Jon Snow perante a enigmática mulher. Ao decorrer dos seus anos, conseguira aprender que um indivíduo bem valorizava o que lhe tivera sido de árdua conquista, uma velada revelação da provável difícil caminhada da filha mais nova do famigerado Rei Louco através de um continente estrangeiro e arisco.

Havia alguma cantiga lá dentro, aquele dia, como em várias outras casualidades em que Jon aproximara-se dela. Muitas das vezes, não reconhecia nenhuma daquelas músicas. Não que fosse experiente, a arte da espada viera antes de qualquer outra proeza em que pudesse se especializar, mas algo em si o dava absoluta noção de que jamais chegara aos seus ouvidos uma combinação melódica, um sequencial de notas, um ajundar bonito de ornamentais sonoridades daquele gênero.

Daenerys cantava de acordo com seu humor, ele já tinha se apercebido. Ao chegar em seu recinto, cantarolava grogue e disfarçadamente, como se refreasse gasto de energia e cantasse para uma criança adormecendo. Na morte de um dos seus, os alcances eram dramáticos e baixos, de luto, como se a cor preta se tornasse de repente um som. Era comovente, e a necessidade de se aproximar intensificava-se em tanto, que ele já cedera a ela incontáveis vezes. Dany sempre o recebia bem, mesmo em seu cantar de tristeza. Em seu crescimento com os Dothraki, Jon deduzira, ela aprendera a conviver com a perda e a terrível incapacidade de demonstrar o âmago de sua melancolia. Havia algo pior no mundo, que não poder expor a amargura de dentro do próprio peito?

O simples tocar das juntas do indicador e médio de Jon na porta interrompeu o canto da Nascida da Tormenta, e ele tensionou a mandíbula em tímido arrependimento. Ouviu alguns passos, distantes de um para o outro ─ como ele bem sabia que rainhas caminhavam, jamais em pequenas passadas, mas em largas e decididas ─, a mente divagando em distantes pensamentos. A brisa soou fria, e ele sorveu o ar bem devagar. Suas mãos suavam, e o bastardo mordiscou o lábio com força demais. Rangeu-se a porta, e as duas orbes violetas que encontraram seu rosto eram capazes de atiçar brasas àquela embarcação inteira. Era escuro, a iluminação era medíocre e o chão não era tão regular. Mas Daenerys se apresentava, etérea, em curvatura de rosto, beleza e chama; em curvas do cabelo branco-prateado, descendo em cascatas à frente do couro escuro das tonalidades da casa que ela carregava no nome. Lábios, lábios desenhados que agora afastavam-se um do outro e expunham dentes perolados e um tanto da língua, afiada e macia como se não pertencesse verdadeiramente ao dragão que Jon sabia que residia dentro daquela mulher. Fogo feito carne, ponderou ele. Toque-a e queime-se, mas sorria dentre as fagulhas porque regozija-se de paixão.

Jon Snow. ─ seu nome no pronunciar da Rainha era precioso, com se o significado digno de repúdio de repente se tornasse um código de honra. Demorou-se na sensação prazerosa que fora escutar sílaba a sílaba de sua fala, a boca cantante diante dele o desfazendo em júbilo. Tardou a responder, sentindo o ar gélido doer no fundo da sua garganta como folhagens de menta. Engoliu em seco, inesperadamente, e olhou-a tempestuoso. ─ Vossa Graça.

Ela era curvilínea, como o ondular de fogo na lareira. Não tão alta, a figura da Rainha; esguia ela se apresentava, e o som no quarto era de fagulhas carboretadas advindas da fonte de iluminação do quarto ao lado de uma escura cama. Lânguido, Jon Snow sentia-se pequeno dentro do recinto. Tudo o que pudesse receber a face de um dragão, o tinha, com os dentes expostos e a formosura de uma poderosa besta como rubrica. Estatuetas, broches, até tecidos que associavam-se a duras escamas. Para todo os lados, sensual poderio. Em todos os cantos, imperialismo.

Valar Dohaeris 〃 G. of ThronesOnde histórias criam vida. Descubra agora