II

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Samara deixou o envelope sobre a mesa bem polida e decidiu tomar banho. Pelo restante do dia, fez um grande esforço para não pensar naquilo, mas era impossível. Decidiu ler. Não adiantou, porque seu olhar desviava da intensidade de Jane Eyre para o folheto.

"Eu me lembrava de que o mundo real era vasto, e que uma quantidade enorme de esperanças e medos, de sensações e emoções, estava à espera daqueles que ousassem sair por ele afora, buscando, em meio a seus perigos, o verdadeiro conhecimento do que é a vida."

Era o que dizia a página que ela lia pela quinta vez, buscando concentração. Num pulo, Sam levantou-se e foi vestir-se para ir ao tal museu. Afinal, que mal faria? Nada poderia lhe acontecer naquela pacata cidade onde todos se conheciam.

Quando chegou ao local, Sam nem pensou em descobrir sobre o que era a exposição ou quem a financiava. Ela foi arrebatada pelo tanto de cor que o ambiente abrigava. Tantas telas, formas, expressões! Tantas sensações despertando do seu âmago, tudo aquilo que ela já não sentia e sequer lembrava-se de que era possível! Tanta magia!

Samara ignorou as pessoas ao redor e os cochichos sobre os quadros e esculturas. Apenas seguiu para a obra mais perto dela, um quadro de um vaso com girassóis sobre um mesa. Seu coração martelava contra o peito, ao passo que sua cabeça estava calma, pela primeira vez em tanto tempo. Girassóis são alegres, coloridos, iluminados. Era como se toda aquela tintura amarela escorresse da tela apenas para aquecer a menina. Sentia-se como uma criança novamente, procurando a magia, o encanto. 

Seguiu para os outros quadros e viu bailarinas, monarcas, campos de trigo e flores. Muitas flores. Paisagens ribeirinhas, autorretratos, formas geométricas. Cada detalhe parecia colorir a jovem e transformá-la em sua própria tela, a mais bela. Estar cercada por Arte fazia Samara florescer como os botões de rosa no seu jardim quando a primavera chega.

Mas, de repente, a menina parou. Perdeu o ar e ficou estagnada no meio do corredor, esse menos tumultuado do que os outros. 

Do outro lado, encarando sua feição assustada e intrigada, A Noite Estrelada.

Antes que pudesse notar, seus pés se moveram até ela estar a centímetros do quadro. Seus olhos não desviavam das pinceladas expressivas e tão melancólicas. Por que alguém pintaria algo tão triste? 

Então, Samara lembrou-se. O quadro cinza. Os galhos secos, assim como o campo. A documentação da tristeza a fim de compreende-la. Seu projeto mágico.

Só percebeu que estava prestes a tocar a tela quando sentiu dedos finos e gelados enroscando-se, de leve, no seu punho. 

— Cuidado! — A voz pronunciou, baixo. 

Samara virou-se assustada. Era o carteiro. 

— Uma vez tocada, jamais é a mesma. — Ele disse, o sorriso parecia nunca deixar seus lábios. 

— Você… O que é isto? — Os olhos da menina tremeluziam. Cruzou os braços e virou de costas para a obra, tomando coragem de desviar o olhar das cores hipnóticas. 

— Ora, um quadro. 

— Pois isto eu vejo. Quem pintou? — Se não estivesse tão afetada, ela teria dado um sorriso ao velhinho pela sua tentativa de graça. 

— Você não sabe? — o carteiro expressa, pelo primeira vez na sua frente, algo que não é um sorriso. Está em choque, verdadeiramente. 

— Não. Eu…

— Você já deveria saber! — Ele interrompe, aturdido. — Algo está errado. Você precisa ir, srta. Revedance. 

O carteiro gentilmente busca pela sua mão, a fim de guia-la ao seu destino. No entanto, resgatando a menina que vive em si, Samara fixa os pés no chão e olha para o senhor.

— Como você sabe meu nome? — Assim que promuncia as palavras, se arrepende. Ora, pela carta! 

Srta. Revedance, todos nós de lá sabemos o seu nome. — Ele abre mais um doce sorriso. Sam está prestes a perguntar o que isso significa, onde fica esse "lá", mas o senhor a vira de costas, até que ela esteja encarando novamente o quadro, e então a jovem é arrebatada por um universo de azul. 

A última coisa que sente é a ponta dos dedos mergulhada em tinta.

Starry GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora