— Definitivamente não foi uma boa ideia. — Samara falou para si mesma, sentindo a grama macia, mas gelada, sob seus pés, assim como a terra levemente úmida.
Quando pequena, ela adorava ficar descalça no jardim de casa e brincar no meio das flores. Às vezes, sua mãe até brincava junto, embora nunca tirasse os sapatos.
A garota não queria partir para lugar algum sem ter sentido a terra em contato com a pele, ainda que, agora, o que ela menos tinha era os pés no chão.
Enquanto caminhava, pensava sobre a próxima Estrela que encontraria. Será que soaria da mesma forma? Saberia explicar para Samara o que estava acontecendo? Como tudo aquilo era possível? Seria ela quem lhe daria suas respostas? Não seria como June, certo?
— Realmente, não sou. -— Sam ouviu a voz rouca e baixa, quase como um sussurro. Olhou para cima e, de fato, lá estava sua parada número dois. — Sou Aphelion, srta. Revedance. O que faz com os pés no solo?
— Oi, olá. — Ela se atrapalhou, intrigada com o pouco brilho a sua frente e com o fato de Aphelion a reconhecer de cara. Bom, a notícia havia se espalhado. Dando de ombros, ela continuou: — A grama parecia macia.
— Aqui não é um lugar para se andar com os pés no chão, embora eu discorde.
Aphelion falava diferente. Baixo, de forma delicada e correta. Nada disso passou despercebido por Samara. A estrela sequer parecia uma, emitia a sensação e imagem de um garoto encolhido no cantinho do quarto. Se os seres fossem músicas, Samara pensou, Aphelion seria What I'm Becoming, de Cage The Elephant.
— Então, faça-me a pergunta.
No entanto, a garota permaneceu em silêncio. Analisava Aphelion e o local em que se encontrava, esfregando os pés um no outro a fim de tirar um pouco da sujeira. Samara podia ver a torre de uma igreja e algumas pequenas casas. Será que moravam pessoas ali? Será que poderiam ajudá-la?
— Sinto muito, srta. Há sim algumas pessoas ali, mas todas elas dormem.
— E por quê?
— Ora, aqui é sempre noite. Quem não é lembrado, não existe e, por isso, adormece.
— Mas por que não seriam lembrados? Por quem? E essa frase... ela... — Samara suspira e esfrega as mãos pela face, como se o gesto pudesse apagar suas dúvidas, enquanto pisa na grama, trilhando os mesmos passos e deixando marcas no solo.
— Nenhuma dessas é a pergunta que importa aqui, Srta. Não foi por isso que você veio para cá.
O sussurro soou quase preguiçoso. Pelo menos, em comparação com os gritos de êxtase de June. Samara observou Aphelion, intrigada. Como pode duas Estrelas que parecem estar tão perto uma da outra serem tão diferentes, quase opostas?
A jovem finalmente parou e cruzou os braços em frente ao corpo.
— Por que você é tão diferente, Aphelion?
— Você, de todas as pessoas, não gosta de diferenças, senhorita? — Não foi um ataque, mas uma pergunta honesta, de quem realmente não compreende e quase não tem coragem de fazê-lo.
Os olhos da menina quase saltaram do rosto.
—Não! Não é isso. Estou intrigada. — A garota franziu o cenho, tentando organizar os pensamentos. — Você é calmo, quieto.
— Eu disse que não era como Juniper.
— Eu sei, mas... De onde venho, as diferenças são cerceadas. Todos são apenas a essência.
— Bem, aqui as coisas são... paradoxais. As diferenças sempre existem, mas não significa que não há um pouco de vaidade em cada ser. Inclusive em mim e em você. *Não ter vaidades é a maior de todas, certo?
A menina pensou a respeito. De fato, todos eram compostos por vaidade, mas não unicamente por isso. Definir-se é limitar-se, mas como a menina poderia não determinar rótulos quando os próprios seres faziam isso, vestindo-se com um uniforme que nunca precisa ser mudado? Como poderia não limitá-los, quando eles mesmos já se habituavam dessa forma? Felizmente, a menina pensou, alguns existiam enquanto mais, existiam enquanto além. Ainda assim, vaidosos. Uniformizados, com mais de uma opção no guarda-roupa corporativo da vida.
Qual era a sua própria vaidade? Talvez já soubesse a resposta.
— Estou pronta para minha pergunta, Aphelion. — Samara sorriu, realmente confiante e corajosa pela primeira vez desde que adentrou aquele universo.
— Por favor, prossiga.
— Por que alguém escolheria a tristeza cinza quando existe a magia cheia de cores? — Seus olhos castanhos brilhavam, ansiando pela resposta.
— Porque todos vamos para o mesmo lugar, senhorita. Não importa se você pintou um arco-íris ou todos os tons cinzentos. — A estrela disse, a rouquidão na voz fazendo a frase soar quase engasgada. — Tudo acaba com o escuro, então qual é o sentido de colorir?
Samara quase não acreditou no que ouvia. Como Aphelion poderia pensar assim? Tão conformado e resignado. Como poderia ter uma existência feliz, pensando daquela maneira? Aquilo não poderia, jamais, fazer sentido na cabeça da jovem.
No entanto, decidiu focar em outra parte. Colocando as mãos na cintura, empinando o queixo e desafiando a Estrela com um olhar cheio de faíscas, Sam falou:
— E qual é esse lugar para onde todos vamos?
— Desculpe-me, senhorita. Você já fez sua grande pergunta, já lhe dei minha resposta. Preciso insistir que siga seu destino.
Aí estava essa palavra de novo! Destino... Pff, como esta estrela dócil poderia querer que Sam seguisse um destino quando havia acabado de dizer que de nada adiantará? De fato, aquele lugar era muito paradoxal.
E Samara se recusava a conformar-se, tal qual Aphelion. Fazer isso era desistir de tudo que pensava acreditar. Era desistir de documentar a tristeza para entendê-la. Não poderia ceder ao ceticismo, quando olhava para as pinceladas brancas no céu azul e via a magia cercando-a. Embora tenha ficado algum tempo perdida e vagando por um quadro cinza escuro, a garota havia se encontrado e sabia que se acreditasse naquilo, seria o fim da linha. E ela nunca soube lidar bem com finais.
Antes de partir, pensou em perguntar sobre a afirmação da Estrela quanto a razão da garota estar ali. No entanto, sabia que Aphelion não responderia. Além disso, talvez ela estivesse ficando animada com a ideia de descobrir as respostas. Afinal, se não fosse assim, teria um tempo miserável ali. Cinza.
Sam estava cansada disso.
Aphelion iluminou o caminho que os pés limpos e calçados de Samara trilhavam. Com um breve aceno e um olhar mergulhado em compaixão, a menina se despediu da Estrela cética, sabendo que, embora sua conversa tenha sido produtiva, ela não foi o que queria ouvir.
De fato, diversidades são apagadas e, possivelmente, todos vamos para o mesmo lugar. Entretanto, isso deveria ser motivo para querer colorir com elas, assim, permaneceriam vivas, existentes. Seria por falta de coragem que os diferentes sucumbiam àquela tintura? Essa era a única cor que o destino lhes apresentava, talvez? Mas que maldita coisa era esse destino que ninguém poderia burlar?
E como poderiam não ver todos os tons que os cercavam, como poderiam não documentar os encantos presentes? Samara não podia ser a única a enxerga-los. Não era, e ela sabia disso porque havia lido, visto, tocado em obras de arte cheias de tonalidades e palavras iluminadas pela magia.
Então... será que havia algo mágico no escuro melancólico?
×××
Se alguém ainda me lê, desculpa pelo capítulo simples e meio ruim. Eu precisava atualizar e esse foi o melhor que consegui agora. Aliás, obrigada quem ainda está aí. A história é pra Sam, mas ainda é a primeira coisa que publico... Enfim, faltam só mais duas Estrelas e aí o mistério vai ser revelado. Espero que ainda tenha algum curioso por aqui :)
*Essa é uma frase do Millôr Fernandes, escritor brasileiro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Starry Girl
RandomUma breve narrativa sobre a garota que abriga coragem, encantos, doçura e genialidade em cada pedaço que a constitui. Cercada de mistérios e questionamentos, ela parte numa aventura mágica a fim de documentar aquilo tudo que ainda não entende.