II. Quando você não estava aqui

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Hoseok

As cenas da noite anterior repercutiam com força em minhas memórias mais recentes, ainda era possível sentir o cheiro de pólvora que preenchia o beco em que Robin recebeu o tiro. Ou, ao menos, era o que havia acontecido em uma realidade alternativa.

Minha confusão era perceptível à medida que minha amiga de infância relatava sobre o relógio. Quero dizer, a ampla explicação não foi de uma ajuda absoluta; Robin se atropelava em suas palavras enquanto tentava disfarçar o espanto que acontecera outrora com ela.

Eu estou sóbria demais para te explicar algo sendo que eu morri em um passado por aí, está bem? Amanhã eu te busco no almoço. E, por tudo que for sagrado para você, não toque no relógio. — E, com tais palavras, ela me deixou em frente ao dormitório com sua caminhonete amarela desbotada.

Não só o relógio me deixou arrebatado, como, também, a súbita mudança de Robin. Tudo bem, há longos anos em que eu não a via; porém sua imagem juvenil desarmonizava com a atual. Seus fios dourados e longos costumavam ser de um castanho tabaco e de comprimento curto, assim como suas roupas escuras, que, antes, eram sempre compostas por cores vivas. Sua personalidade deixou de ser garrida e magnânima para ser tornar hermética ao ponto de eu não a reconhecer por um longo período.

Meus palpites acerca de seu caráter podem ser imensamente inverídicos, entretanto, conseguia ter convicção em minhas palavras quando eu mirei seus olhos cerúleos opacos, cujo véu cobria seus sentimentos translúcidos. Robin parecia ter uma manta cobrindo a pessoa que anteriormente sorria de maneira abrangente.

Muitas perguntas circundavam minha cabeça naquela manhã, em que eu acompanhei a alvorada laranja sentado em um dos bancos do refeitório enquanto examinava cada ínfimo detalhe do relógio. Agora, preso à aula de Cálculo Diferencial e Integral II, eu conservei a mesma postura ao brincar com a corrente dourada do objeto.

Como algo tão trivial poderia fazer algo tão grandioso?, questionei-me, cético. Parte de minha mente se recusava a aceitar que um simples relógio poderia causar algo assim. Estava comprovado de que voltar para o passado era humanamente impossível, a literatura deixava bem explícito em questão à potência necessária para realizar tal feito. O tempo é algo mais melindroso do que aparenta. Ele é relativo, tal como a distinção entre o passado, o presente e o futuro é uma ilusão que não pode ser medida através de um padrão para todos.

Eu ingressava em um paradoxo caótico. Acreditava veemente nas teorias impostas a mim durante um longo período da minha vida, contudo, ontem eu voltei no passado. Jung Ho Seok apertou o botão de um relógio e voltou no passado para salvar uma amiga de infância.

Impossível. A palavra abalroava em minha cabeça sem indulgência, fazendo-me crer de que tudo não passara de um sonho que imprimia a realidade com louvor. Mas há muito tempo diziam que era impossível o homem ir para o espaço., pensei através de um argumento. Agora, há o planejamento do homem habitar Marte.

Pintado de dourado, o relógio possuía sua proteção através de uma película de vidro, em que era possível a visualização das engrenagens se movimentado na moldura. Seus ponteiros eram tão finos que só apareciam pela sua cor azeviche, contrastando com os algoritmos romanos. Deslizando meu dedo sobre a superfície lisa, enrosquei meu polegar no botão do topo e tentei colocar em prática o que pensava ter vivido no dia anterior.

Eu estava prestes a pressioná-lo quando fui interrompido pelos materiais sendo chocados contra a mesa.

— Acabamos aqui por hoje. — A voz estridente do professor me acordou de meus pensamentos e sobressaltei sobre a cadeira quando a movimentação dos alunos se retirando da sala se fez presente. — Tenham um bom almoço.

ResfeberWhere stories live. Discover now