Fogo e gelo

365 54 40
                                    


  Eu era conhecida como a mais racional das minhas irmãs.

Me comparavam com pai Tin sem a parte ardilosa, mas aquilo não era real. Eu era uma explosão vulcânica por dentro, controlada a unha pela minha própria vontade ferrenha e tinha certeza mais do que qualquer pessoa na minha imensa família que ao saímos de um lugar tão acessível quando o castelo das flores seria ótimo para família e perfeito para mim.

Eu estava cansada das pessoas, na verdade.

E Irritada. Sem saber o porquê.

Mortalmente irritada até aquele segundo em que passei pelo corredor onde ficava a sala de treino geral e a enfermaria e ouvi a voz de pai Pete e doutor Jin tensos:

— Isso é perigoso, Pete. Não sabemos nada dessa jovenzinha, eu entendo de situações complexas, mas estamos para ir embora desse continente. Não devemos deixar rastros nem nenhuma ponta solta para trás. Uma foragida não é um bom rastro, eles podem vir atrás dela e consequentemente atrás de nós.

— Sim, eu sei.

Algo naquilo ganhou meu interesse. Eu não soube o porquê, nem a razão, mas eu fiquei com todos os pelos do corpo arrepiados, atenta, tensa. Então vi os dois saírem da sala e Dr Jin trancando o local – Algo que ele nunca fez na vida – E aquilo bastou para que eu soubesse que algo muito sério acontecia ali.

Algo que eles queriam longe da família.

Meus pés agiram sozinhos, contornei o local, saltei para a sacada mais próxima do cômodo pelo lado de fora, dali para a murada fina e, contudo, ainda pisável, que circundava aquela parte do castelo e acabei na janela da sala médica sem muitos problemas. Acabei sorrindo com o fato de Dr Jin ignorar que nenhum cômodo do castelo que tivesse janela, seria inalcançável.

Abri o trinco da janela com pouco esforço e invadi o local para ver sobre o divã macio e espaçoso do local uma garota. Uma garota negra, linda, de roupas que já viram dias melhores, em um sono pacífico e inerte.

O rosto era proporcionalmente elegante, como alguma estátua perdida do Egito antigo, aliás eu sentia em torno dela algo quase impalpável, algo que só sentia ao redor do padrinho e ainda raras vezes, quando ele acabava de vir para o nosso mundo.

Afinal meu padrinho não era do meu mundo, assim como o espelho mágico do meu pai Can.

Aquela sensação era como um pulsar de tambores muito, mas muito distante, onde o barulho já não podia ser ouvido, mas o pulsar sim. E era quase doloroso para a minha respiração.

Aquele pulsar afetava minha pele e meu raciocínio.

Imediatamente me recordou dos contos do padrinho há muitos anos...

"Em meu mundo, mais precisamente no mundo dos lycans, Roy, existe uma coisa que se chama companheiro e ele vem imediatamente da marca. O lycan, através do olhar encontra sua alma gêmea, então o nome dessa alma naquele mundo atual, naquela vida específica, é grafado na pele do lycan em questão. É um laço pela vida toda que não pode ser desfeito e você sabe, você sente quando acontece, mais do que a marca, mais do que o olhar, é algo de alma. É como se sua alma reconhecesse a outra como parte dela. É como lava rasgando o caminho que cruza, é como a inevitabilidade da morte. É profundo."

"E humanos podem sentir isso, padrinho? Quer dizer, eu não sou do seu mundo, mas um dia eu posso sentir?"

"Minha pequena filhote – E ele tinha me colocado em seus ombros na ocasião enquanto caminhava pela floresta – Não é preciso estar no três ou ser um lobo para isso. Quando a sua hora chegar e se ela chegar, você vai saber"

Irmãs PhiravichOnde histórias criam vida. Descubra agora