Capítulo #3

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Há duas noites que Iris não dormia. Ela já começou a perceber que algo estava errado logo no sábado, quando não havia nenhuma mensagem de Ana dizendo que chegou bem. Enviou mensagens e não foram recebidas. Ligou no celular e deu caixa postal. Ligou na casa e só chamou.

O domingo foi tenso sem notícias, e a polícia foi acionada logo cedo. Ela sabia que isso não era normal. Quando recebeu a informação de que a chave da casa de Ana estava no portão pelo lado de fora, caiu em prantos. Sentia pontadas no coração e uma dor que não sabia explicar.

Todos diziam "calma, logo ela vai mandar notícias", mas de alguma forma Iris sentia que não viriam notícias boas. Ela tinha essa sensibilidade, ainda mais com alguém com quem tinha ligações tão fortes como Ana.

Ela não vai voltar.

Segunda feira Iris não foi trabalhar. Suas amigas passaram a noite em sua casa, mas ela não conseguiu dormir. Comeu por insistência delas, pois sua garganta estava completamente fechada pela angústia.

O dia passou lentamente, cada minuto parecia durar uma hora, e a única informação que recebeu é que a bolsa de Ana foi encontrada em uma rua. Uma testemunha viu a bolsa ser jogada de um carro em movimento, achou estranho, pegou a bolsa e levou até a delegacia.

Todos os pertences estavam intactos. Carteira com dinheiro, cartões e documentos, celular, um livrinho, agenda, kit de maquiagem... Não havia sido assaltada.

A polícia passou a tratar o caso como sequestro. Interrogaram o motorista do Uber que havia sido a última pessoa que a viu, mas ele tinha álibi. Alegou que se ofereceu para esperar Ana abrir o portão, mas ela disse que estava tudo bem e ele podia ir atender outro chamado. Ele não estava mentindo, e se sentiu culpado por não ter insistido e ficado com ela até estar em segurança.

O fim da segunda feira começou a se aproximar, e Iris estava entrando em pânico. Após as 17h, Dê, Mari e Zozo apareceram para ficar com ela.

- Não sou uma boa companhia agora. Estou péssima. - disse Iris.

- Não se preocupe com isso. Nós viemos para ficar com você e te dar uma força. - salientou Mari.

- É que... eu só sei chorar e me lamentar... eu já fiz tudo o que podia e não consigo me conformar.

- Mas não precisa deixar de chorar nem nada. A gente trouxe lencinhos e chocolate. Chore à vontade, você não é de ferro! - disse Zozo.

Todas entraram trazendo sacolas de compras e coisas para tentar ajudar Íris.

- Eu fui muito burra, não devia tê-la deixado ir. Devia ter insistido pra ela ficar comigo.

- Não pense assim, Iris... - disse Mari.

Dê também se manifestou:

- É, a culpa não é sua, todo mundo está sujeito a esse tipo de coisa.

- A gente nunca pensa que vai acontecer com a gente ou com alguém próximo. - completou Zozo - mas seja forte, você vai passar por isso e superar, e logo a Ana aparece bem e tudo volta ao normal, você vai ver!

Ficaram juntas conversando, chorando e consolando Iris. As três tentavam pensar em maneiras de animá-la, mas não havia o que fazer. Ela estava inconsolável. Parecia estar sem esperanças.

Em um determinado momento, pediu para ficar sozinha no quarto. As três respeitaram o espaço de Iris, de modo que ela fechou a porta (não trancou por exigência das meninas) e se sentou em sua cama. Ela falou com Deus, com os anjos, com qualquer um que estivesse escutando para ajudar a encontrar Ana. Depois de muito pedir e implorar, simplesmente se deitou no chão em posição fetal, sobre seu tapete felpudo e macio ao lado da cama. Chorou como uma criança e, entre soluços, suplicou:

- Ana, onde você está? Por favor... volte para mim! Ana, não me abandone, volte para mim! Eu imploro - e o embargo em sua garganta tomou conta e nenhuma palavra mais saiu.

* * * *

Ela não sabia dizer há quanto tempo estava ali. Não percebeu quando foi que se deu conta de si mesma. As memórias estavam turvas, e ela ainda estava assimilando os últimos acontecimentos.

Veio à lembrança da noite das garotas, de um livro velho, dela indo embora, de um homem, um louco com uma faca, seus pensamentos finais...

Mamãe, eu vou te ver? Não te sinto.

Finem vitae, Exitus...

IRIS!

E foi essa lembrança que fez Ana recobrar a consciência de uma vez. O primeiro instinto foi conferir como estava seu corpo. Passou a mão sobre sua barriga. Ela ainda sentia as várias facadas, mas o sangue desaparecera. Tocou seu braço, seu rosto, seus cabelos... estava tudo lá. Mas as roupas haviam mudado. Ela agora usava um vestido azulado. Demorou a perceber que estava deitada. Só então notou o céu estrelado acima de si. Ela repousava ao relento, sobre um tapete de folhas. Parecia estar em uma colina. Sentou-se e começou a observar ao redor.

Eu conheço esse lugar.

Podia ver a cidade dali. Era sua cidade. As lembranças estavam voltando aos poucos. Lembrava o básico. Não tinha certeza se havia morrido mesmo, mas se lembrava bem de ter sentido sua vida se esvair.

Todo aquele sangue... o local das facadas... impossível sobreviver.

Ela quis chorar, mas não conseguiu. Não havia mais lágrimas. Ela precisava entender o que estava acontecendo.

Será que aquele ritual deu certo? Será que estou viva?

Ela não sabia explicar.

Um ser humano normal já teria entrado em pânico e saído dali para buscar ajuda, mas algo estava diferente. Era como se os seus sentimentos estivessem adormecidos. Não tinha medo. Apenas estava perplexa e muito curiosa. Ela queria entender o que se passava e que diabos ela tinha feito ao conjurar o tal feitiço.

Depois de refletir um pouco mais, ela sabia a verdade.

Não estou mais viva.

Mas uma dúvida cruel a consumia...

Será que eu morri?

Olhou para o céu e as estrelas. Isso ainda a fascinava. Sempre pensou que depois da morte ela poderia explorar cada canto de cada galáxia existente. Mas ela ainda estava ali, presa na Terra.

"Ana!"

Ela estacou. Esse não foi um pensamento seu. Era uma voz, uma que ela conhecia muito bem.

Iris?

"Onde você está?" - disse novamente a voz de Iris.

- Iris, eu estou aqui! - respondeu ela em voz alta, olhando para o céu. Não sabia dizer de que direção vinha a voz de Iris.

"Por favor... volte para mim!"

- Iris, eu vou voltar! Onde você está?

"Ana, não me abandone, volte para mim! Eu imploro!"

- Iris... Eu jamais te abandonaria. Eu sempre estarei com você!

A voz não falou mais nada.

- Iris... Iris??? IRIS!!! - Ela estava desesperada. Queria saber o que fazer. Tudo o que mais desejava agora era estar com Iris.

De repente tudo o que via, desde o céu, as árvores e a cidade, tornou-se um borrão. Tudo implodiu para dentro de uma pequena esfera que surgiu à sua frente. Ana se viu em um vácuo por um milésimo de segundo. Apesar do ínfimo tempo em que permaneceu neste vácuo, curiosamente, o tempo parecia congelar. Encontrou-se por aquele milésimo de segundo no centro de um anfiteatro. Viu espectros ao seu redor, mas não pôde definir quantos, quem ou o que eram.

A esfera permanecia flutuando à sua frente, emitindo uma energia densa, quase palpável.

Instantaneamente, partindo de dentro da mesma esfera, saiu outro cenário. Ela conhecia muito bem aquele lugar. Na mesma hora em que chegou notou uma pessoa muito familiar encolhida no chão, com o corpo sacudindo por conta dos soluços.

Ana estava no quarto de Iris.

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