Capítulo #4

3 0 0
                                    

Ver Iris naquele estado doeu em Ana, mas ela permaneceu imóvel, apenas observando a cena. Ainda não sabia bem o que estava acontecendo, nada fazia muito sentido.

A intensidade dos soluços de Iris começaram a diminuir, até que ela permaneceu imóvel, apenas respirando profunda e lentamente.

O cansaço a venceu e ela dormiu ali mesmo, no chão de seu quarto, sobre o tapete felpudo muito fofinho que Ana lhe presenteara há alguns anos.

- Iris? tudo bem? - alguém perguntou do lado de fora do quarto.

Tem alguém aqui com ela.

Era Mari. Como não obteve resposta, abriu lentamente a porta do quarto. Quando viu Iris deitada no chão, se assustou a princípio, entrando prontamente no quarto, mas se tranquilizou quando viu que ela apenas estava dormindo. Não quis mexer nela para não acordá-la. Ela precisava descansar. O tapete era muito macio, dava para dormir um pouco ali. Mais tarde ela a faria deitar na cama. Pegou um edredom e cobriu a amiga.

Mari saiu do quarto sem fazer a mais pálida ideia de que não estava só. Ana a seguiu.

- Como ela está? - perguntou Zozo.

- Dormiu no chão do quarto cansada de tanto chorar, tadinha.

- Nossa, põe ela na cama! - ordenou Dê.

- Eu não quero mexer nela. Faz três dias que ela não dorme nada. Está exausta.

Pobre Iris... tudo por minha causa. Peraí, ela disse três dias?

Mari continuou a falar, alheia ao espírito pensativo de Ana:

- Mais tarde a gente faz ela deitar na cama, melhor. E não precisam se preocupar, ela está em cima daquele tapete fofinho.

Como assim três dias? Explica melhor, Mari!

- Coitada da Iris... a Ana era como uma irmã para ela. - disse Zozo.

- "Era", Zozo? Credo, vira essa boca pra lá. - repreendeu Mari.

- Olha, eu jamais falaria isso na frente da Iris... Mas pensa só: Faz três dias que a Ana sumiu. A bolsa dela foi jogada de um carro na rua. A chave da casa dela estava para fora do portão. Ela nem chegou a entrar. Não foi assalto, nada de valor foi roubado. E se fosse um sequestro, qual o propósito se ninguém entrou em contato até agora pedindo resgate?

- E ela nem é rica para que queiram sequestrá-la em troca de dinheiro. - Completou Dê.

Zozo continuou:

- Em minha opinião, algum maluco psicopata pegou ela. Só pode.

- Credo... eu sei disso, mas quero manter as esperanças. - Lágrimas caíram dos olhos de Mari. - Eu sei que não a conhecia tão bem, mas é uma coisa horrível. Só pedir a Deus que não aconteça nada pior. Que ela esteja bem, viva, e que volte sã e salva.

Sinto tanto que isso não possa ser possível...

- Sim... eu sou muito realista, você sabe. Mas vamos torcer pelo melhor. - disse Zozo, passando carinhosamente a mão nas costas de Mari,

Ana sentia pena das meninas, principalmente de Mari, que tinha tanta esperança. Nem imaginavam que o pior já havia acontecido antes mesmo do amanhecer de sábado.

Horas se passaram, e Ana ficou lá, como uma boa "fantasma", escutando a conversa das meninas e tentando explorar seu novo estado de existência.

Será que consigo pegar alguma coisa?

Ela tentou tocar objetos, mas todas as tentativas foram frustradas. Eles atravessavam suas mãos.

Ela também refletiu sobre algumas questões que não entendia.

Por que não consigo chorar?

Por que não sinto as coisas da mesma forma?

Por que não vi a famosa "luz" ou algo assim?

Por que não vejo outros espíritos?

Por que demorei três dias para despertar nesse novo estado após a minha morte?

Como eu consegui me tele transportar para cá?

E várias outras questões sem resposta pipocavam em sua mente. E não ter a quem perguntar a deixava aflita. Mas depois ela resolveria essas questões. Queria permanecer ali com Iris por enquanto, mesmo que ela não a pudesse ver. 

Ela sentou-se no parapeito da sacada da sala. O medo de altura já não existia mais, e pelo jeito sua labirintite estava curada. Seu equilíbrio estava perfeito.

Olhou a cidade, cada um vivendo suas vidas com questões e problemas mais fáceis de resolver. Viu ao longe a colina onde despertara. Contemplou o céu, a lua e as estrelas.

Ela viu as plantas de Iris balançando suavemente com a brisa, e deu-se conta de que não conseguia sentir mais o vento em sua pele. Olhou suas mãos e pareciam quase normais, a não ser pelo fato de que não eram mais capazes de segurar nenhum objeto.

De repente, Ana estacou. Percebeu de repente algo tão óbvio que sentiu-se tola por não ter notado antes.

Eu sou apenas um espírito ou algo assim, tanto faz. O fato é que eu não consigo tocar nada com as minhas mãos, mas meus pés tocam o chão! Por quê? Se eu não fosse capaz de tocar nada, cairia através do chão até sabe-se lá onde. Talvez seja como naqueles filmes de fantasmas que eu assistia... só preciso treinar para conseguir.

Desceu do parapeito e de novo sentiu-se burra por não dar-se conta de que havia consegui subir lá.

Vamos lá. Quando não penso muito sobre o assunto, eu consigo.

Primeiro, ela ajoelhou-se no chão, e com a mão direita tentou tocar o piso.

Suas mãos tocaram o piso.

Mas o quê? - pensou, inconformada.

Respirou fundo (Por que eu respiro?) e novamente tentou. E tentou por diversas vezes, e sempre conseguia tocar o chão. Levantou-se e tentou agarrar a cortina. 

Suas mãos ultrapassaram. Furiosa, deu um grito inaudível para os humanos e socou o chão. 

E aconteceu. Seu punho ultrapassou o piso. E antes que tivesse tempo de pensar em algo mais, todo o seu corpo ultrapassou o chão e caiu no apartamento do andar de baixo. Confirmou assim que não sentia mais dor. Estava tudo escuro, certamente quem morava ali estava dormindo. Levantou-se e tentou voltar para cima pulando, mas não conseguiu.

Pelo jeito não consigo voar. Que droga de vida após a morte!

Foi até a porta do apartamento, e bem devagar, começou a ultrapassar usando as mãos. Conseguiu. Subiu as escadas e voltou para o apartamento de Iris, atravessando a porta fechada sem problemas.

As meninas ainda estavam dormindo na sala. Ela espiou Iris em seu quarto. Ainda dormia, agora na cama. Voltou para a sacada.

Muito bem, então basicamente eu consigo tocar tudo o que é sólido com os meus pés e atravessar com as mãos. Fácil. Mais ou menos. Preciso praticar mais. Ou encontrar algum fantasma mais experiente do que eu para me ensinar.

Ana ouviu Iris se movimentando na cama e foi até o quarto. Parou de pé, encostada na porta, olhando a amiga. Iris virava de um lado para o outro. Havia acordado e não conseguia mais dormir. Tinha sonhado que Ana havia voltado para casa e tudo estava bem. Mas havia sido só um sonho. Desejava com todas as suas forças que isso se tornasse realidade. Levantou-se e estacou de repente, olhando para a porta.

Ana viu os olhos de sua amiga arregalarem e a boca se abrir.

- Iris...?

Tanto Ana quanto as meninas se assustaram com o grito estridente de Iris.

Um grito bem típico de quem viu um... fantasma.

ExitusOnde histórias criam vida. Descubra agora