[04] Falhas.

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Afirmo com tranquilidade que papai estava muito mais nervoso do que eu naquela manhã do primeiro dia de aula. Nem se fala de mamãe, que já havia me ligado umas doze vezes só pra saber se estava tudo indo bem.

— Tá na hora de eu ir. — Falei olhando para a tela do celular e, em seguida, para papai, que soltou um longo suspiro. — É só uma escola nova, não é como se eu estivesse indo pra Coreia do Norte ou algo assim. — Me levantei da cadeira onde estava, juntando a minha mochila do chão e a jogando por cima do ombro. — Vou voltar no final do dia com ótimas histórias e amizades novas. — Estufei o peito, mesmo que não tivesse absoluta certeza em minhas palavras.

— Hm, eu sei. — Ele suspirou novamente.

Me afastei da mesa onde antes tomava café e respondia diversas mensagens preocupadas e curiosas, dando um beijinho na bochecha de Nah quando passei por ela na lateral do móvel, então fui até papai, atrás da ilha da cozinha, que beijou-me a testa.

— Boa sorte, garoto! — exclamou.

— Arranje um namorado rico! — Nah me incentivou quando eu já ia em direção à porta.

Eu até estava animado, sinceramente, mas, assim que coloquei os pés no lado de fora do apartamento, senti como se o meu corpo ficasse mais pesado. Uma voz repetia várias vezes em minha cabeça que tudo poderia dar errado, que eu podia me ferrar logo de cara.

Não é como se desse pra desistir agora.

Simplesmente me coloquei a descer os degraus o mais rápido o possível. A escola fornecia transporte pra quem quisesse e precisasse, e achei isso muito bom, afinal eu não teria mais de pegar metrô; era uma despesa a menos. O veículo passava às 07:15 em ponto, e não queria perder o horário.

Enquanto andava até o ponto de ônibus, dei mais uma olhada no caminho e em pontos de referência pra ter certeza de que tinha mesmo decorado tudo. Não gostava nada de a grande maioria de ruas japonesas serem estreitas, apertadas, me deixavam meio claustrofóbico.

Entrando em uma rua maior, na qual carros e motos passavam bem distantes de mim e da calçada, avistei o ponto do transporte. Era fechado e vi de longe a placa com um símbolo de wi-fi gratuito — como se os estudantes de Kiyotaka não tivessem internet no próprio celular. Ficava pertinho da estação de metrô.

Quando abri a portinha do local, ela fez um barulho extremamente chamativo, o que atraiu a atenção das pessoas que já estavam por lá. Eles me encararam brevemente, alguns até trocaram cochichos, mas logo voltaram-se para seus celulares.

Sentei em um dos bancos de estofado azul marinho dali, cruzando minhas pernas e deixando a minha mochila próxima de meus pés. Todos ali usavam Apple ou Samsung, os de última geração ainda, e eu fiquei tímido de pegar meu celular mais simples. Fiquei encarando o quadro de horários na parede.

— Ei. — Estava tão compenetrado na leitura dos horários que sequer notei que isso fora direcionado a mim. — Ei, você, loirinho!

Só então o percebi e segui sua voz com meus olhos. Ele era alto, tinha cabelo preto e usava um pequeno brinco azul na orelha direita; seu uniforme estava mal arrumado, amassado. Era bonito.

— Olá. — Sorri fracamente para ele, um tanto receoso.

— Nunca te vi por aqui. — Ele se sentou ao meu lado. — É novato?

— Uhum. — Positivei com a cabeça. — Eu cheguei de Londres há pouco tempo.

— É britânico? — perguntou.

— Sou sim. — Respondi.

— Eu passei alguns dias lá nessas férias enquanto meus pais estavam na França. — Me contou, despretensioso. — É bem bonito. Mas está gostando de morar no Japão?

— Sim, é bem agradável. — Mexi no anel que tinha em meu dedo para não ter de encará-lo.

— Como é seu nome, loirinho?

— Min Yoongi. — Vimos o ônibus estacionar diante do local. Peguei a minha mochila pela alça, sem ânimo de coloca-la nas costas, e o garoto fez o mesmo, andando ao meu lado.

— Yamazaki Kento. — Apresentou-se. Mostramos nossas identificações ao motorista, passando para a área de bancos. — Quer sentar comigo lá atrás? Meus amigos vão gostar de você.

— Ok. — Dei de ombros, o seguindo até os últimos lugares do ônibus.

Yamazaki? Só conseguia lembrar-me do filho de Yamazaki Siho, um importante CEO do ramo musical. Quando eu era bem mais novo, a família Yamazaki ficou nas manchetes mundiais por meses por vários motivos. Um deles era que Siho tinha nos apresentado Yana, a nova sensação da música pop japonesa; outro era que o CEO estava literalmente trocando sua atual esposa por sua amante. Soube mais tarde que o cônjuge dele não podia ter filhos, mas a amante tinha tido um menino algum tempo antes. Até onde eu sei, Siho ainda estava com ela.

— Então, que aula você tem no primeiro período? — perguntei quando o ônibus começou a se locomover.

— Ah, não sei. — Riu. — Hoje é o primeiro dia, ninguém se importa com nada. — Parou para pensar por um instante. — Quer dizer, sempre tem uns idiotas, não é?

Não respondi, apenas ri falsamente, espero que ele não tenha percebido. Eu era um desses idiotas de quem ele falou, estava querendo passar o primeiro dia responsavelmente.

— Hm. — Resmungou olhando para o celular, logo me encarando. — Meus amigos vão de carro hoje, vemos eles lá.

— Tudo bem. — Falei.

Eu não estava muito empolgado para conhecê-los, na verdade. Provavelmente ficaria um pouco isolado, considerando que eles iriam ter várias piadas internas e coisas para contar sobre suas férias fantásticas.

— Você quer carona depois, ou alguém vem te buscar? — perguntou e arregalei os olhos.

— O ônibus não traz a gente de volta?

— Traz, calma. — Riu. Ele tinha uma risada muito bonita. — Você não tem um carro ou um motorista?

Foi aqui que cometi o meu primeiro erro, e eu nem tinha pisado na escola ainda. Kento devia achar que eu era rico, talvez milionário — como eu suspeitava que fosse sua família —, e, por motivos óbvios, eu não queria que ele soubesse que não pertenciamos a mesma classe social. Por tanto, menti.

— Meu pai só me empresta um dos carros dele às vezes. — Tecnicamente, papai me emprestava sim o seu carro. — Diz que ainda sou novo demais pra ter um só meu.

— Pelo menos seu pai te deixa dirigir. O meu só me deixa sair com motorista.

Foi errado, mas é sempre bom estar um pé atrás com todos quando você não conhece ninguém de verdade. Primeiro devo descobrir se são realmente confiáveis.

Mas, oh, céus... Jesus alertou que o Diabo é o pai da mentira e cá estou eu, cuspindo inverdades.

— Bom, mas eu tinha perguntado se você ia querer carona. — Lembrou. — Retrô não mora longe de nós, e ele tem um carro.

— Retrô? — acabei rindo.

— Quando você conhecê-lo vai fazer mais sentido, juro. — Brincou. — Mas e aí?

— Ah, eu aceito.

Segundo erro. Nunca se aceita uma carona de alguém desconhecido.

devil's garden | yoonminOnde histórias criam vida. Descubra agora