Prólogo

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Coloco a última - e única - blusa branca em minha bolsa e a fecho em seguida. Passo a mão em minha testa suada e respiro fundo, viro-me em direção ao suspiro suave e cansado de Raven e encaro seus olhos amêndoas.

"Você tem certeza quanto a isso?", indaga-me preocupada. Dou de ombros sério e ela franze o cenho, solto um sorriso de canto e me aproximo da morena sentando-me ao seu lado.

"Ela é minha mãe", digo.

"Ela deixou você", rebate furiosa, reviro os olhos e coloco minha mão esquerda sob a sua, seus olhos voam em direção a minha tatuagem de andorinha.

"Ela era jovem, e estava assustada."

"Você não pode saber como ela se sentia", diz se lamentando. Raven olha-me e vejo a preocupação em seus olhos.

Nos últimos dezessete anos havíamos deixado de ser apenas colegas de orfanato para sermos irmãos e melhores amigos. Ela havia chegado quando eu ainda tinha doze, mas desde o primeiro instante em que a vi soube que seríamos inseparáveis, e eu sabia que ela sentia o mesmo.

"Não se preocupe, tudo ficará bem", digo pela milionésima vez, tentando acalma-lá.

"Você sabe que Rayn ficará arrasado quando souber que a única razão pela qual quis que ele te adotasse era para se mudar com ele para a cidade natal da sua mãe."

Suspiro e pressiono meus lábios em linha reta. Raven era minha melhor amiga, minha única família - além da que havia me deixado para trás -, mas ela era um tanto quanto protetora demais e alguns detalhes sobre a minha mudança com Rayn até Nova Jersey deveriam ficar mantidas em off por algum tempo.

"Rayn é um cara legal, nós ficaremos bem, e em menos de um ano você poderá se juntar à mim", digo. Ela olha-me atentamente procurando por falhas em minha afirmação, um dos tantos defeitos de Raven ligados aos seus traumas passados.

"Isso será legal", diz sorrindo minimamente.

A porta se abre e Lucien aparece, ele franze o cenho para Raven, pois pelo regulamento meninas não devem rondar a área dos meninos, uma das tantas regras que vivíamos quebrando.

"Ele chegou", diz Lucien com certo pesar em sua voz, olho para Raven e a mesma devia seus olhos dos meus, sei que antes mesmo que eu saia pela porta da frente ela estará se isolando de todos em seu quarto.

"Ok, vamos nessa", digo com um tom animado - e de fato sinto animação -, mas com tristeza, pois ao contrário do que poderia ser esperado, meus últimos anos no orfanato não haviam sido marcados por momentos de tristeza e solidão, ali eu havia feito uma família, uma que de fato valia a pena ficar, no entanto, a necessidade de conhecer minha origem era maior.

Levanto-me da cama de Gabe - meu colega de quarto e contador de piadas favorito - e pego minha pequena bagagem sobre a minha cama, ou melhor dizendo, minha antiga cama.

Olho para Raven e ela apenas mantém sua cabeça baixa, vejo lágrimas pingado em suas mãos e deixo passar o último abraço, pois sei que por mais ruim que seja a minha partida, eu irei voltar a vê-la.

Lucien se mantém encostado à porta, mas ao me ver caminhar até a mesma afasta-se para me dar passagem, engulo em seco e pisco repetidas vezes "Não há necessidade para lágrimas agora, Daniel", repito para mim mesmo varias vezes e aos poucos sinto que a ardência em meus olhos some.

Dou alguns passos pelo corredor e logo começo a descer os poucos degraus até o hall do orfanato, diferente do que poderia ser esperado não há varias pessoas esperando para se despedir de mim, eu poderia ser amigável é fácil de se conviver, mas desde que havia tido Raven comigo, não senti que devia ter mais alguém, afinal, quantidade nunca havia definido qualidade.

"Daniel!", grita Raven, me viro e a vejo correndo, ela desce de dois em dois os degraus e pula em meu pescoço, atrás de mim ouço o som da risada de Rayn, e ao meu lado Lucien revira os olhos, ele sempre havia nos achado dramáticos demais.

Aperto meu braço esquerdo contra seu corpo, já que minha mão direita segura com firmeza minha bolsa, e deixo que a mesma chore em meu ombro, minhas próprias lágrimas ameaçam cair, mas sou mais rápido e logo as afasto. "Não há necessidade para lágrimas agora!"

"Você promete?", indaga sussurrando, sorriu de lado, pois sei do que ela fala, aproximo minha boca de sua orelha e sussurro de volta.

"Eu prometo."

"Garoto? Precisamos ir", diz Rayn.

Raven afasta-se e limpa o rosto com o dorso da mão, ela me olha com seus olhos vermelhos e sorri, afago seus cabelos cacheados e lhe dou as costas encarando meu novo colega de quarto.

"Pronto?", indaga Rayn.

"Pronto", respondo-o sorrindo apreensivo, ele balança a cabeça em concordância e aponta em direção à porta.

Aceno para Lucien e ele apenas sorri de lado para mim, caminho para fora, dessa vez sem olhar ou esperar outra reação de Raven, passo pelo gramado mal cuidado e pela pequena portela do orfanato, Rayn indica que devo deixar minha bagagem na traseira da picape é apenas sigo sua ordem.

Adentro a picape logo em seguida e em poucos instantes estamos dando adeus a NY e toda sua vitalidade.

"Você irá gostar de lá, garoto. Vai ver que não é tão complicado assim viver com outros rapazes, será até bom para você depois de tantos anos apenas com aquela garota", diz Rayn.

Engulo em seco e seguro minha necessidade de lhe dizer que nunca precisei e provavelmente nunca iria precisar de outra pessoa além de Raven, éramos família, simples e fácil, porém ele agora era a minha família também, mesmo que de modo distorcido é temporário, e criar caso com ele por sua falta de compreensão quanto ao meu relacionamento com Raven era a última coisa que eu queria.

"Sim, será bom", digo desviando minha atenção para a janela apreciando a vista.

NY havia sido a minha vida, lá eu havia crescido e amadurecido, mas Nova Jersey era o meu passado, e eu esperava que fosse o futuro.

YoursOnde histórias criam vida. Descubra agora