Capítulo Doze: Daniel

23 4 11
                                    

Encaro a camisa branca de linho com dois botões a minha frente e franzo o cenho, eu definitivamente seria incapaz de escolher algo assim para usar, mas a caixa com a fantasia de pirata havia sido entregue em um horário apropriado - após a saída de Rayn para uma de suas corridas - e o bilhete dentro da mesma não me deixava escolha.

Esteja pronto para o seu primeiro trabalho. Festa Halloween. 22h.

Após jogar o bilhete no vaso sanitário dando descarga logo em seguida, sentei-me em minha cama e passei a encarar a roupa que me levaria até parte do meu propósito com Lucien, no entanto, apesar de distraído pensando como uma festa de colégio poderia ter ligação com o líder da Área 2, eu havia notado a figura alta de Gio parada a porta me encarando.

"Está pensando em ficar muito tempo aí?", indago suspirando cansado, olho-o e vejo seu sorrisinho de lado aparecer, ele entra em nosso quarto e se senta em sua cama de frente para a minha.

"Fantasia legal", diz como quem não quer nada, mais sei que como os demais ele está desconfiado.

Apesar de ninguém ter me visto pegando a caixa em frente à casa quando cheguei, todos acabaram notando o embrulho caro sob minha cama.

Dou de ombros evitando falar muito, afinal, mentir ainda não era o meu forte. Gideon estreita os olhos para mim e cruza suas pernas.

"Por quanto mais tempo vamos fingir que eu não sei que você está com raiva de mim?", indaga, ainda sorrindo. Franzo o cenho e fico em silêncio, ele revira os olhos e descruza os tornozelos colocando os cotovelos sob os joelhos. "Eu sei que me viu saindo do banheiro, e sei que você sabe quem estava lá", diz.

Procuro manter meu rosto sério, mas sinto meu maxilar travar, uma pequena ruptura em meio a máscara, algo que não passa despercebido pelos olhos astutos de Gideon.

"Eu não quero falar disso", digo. Levanto-me e caminho até a pequena cômoda onde guardo algumas peças de roupa, abro a primeira gaveta apenas para ter o que fazer sem precisar encarar meu irmão do meio.

"Eu fiz isso por você, a garota precisa acalmar aquela pequena fera que ela chama de irmão", diz com o tom de voz sério, franzindo o cenho me viro para ele.

"O que quer dizer?", indago. Ele reprimi um sorriso maior ao ver que sou incapaz de esconder meu interesse no assunto.

"Thomas e eu tivemos um momento difícil com o garoto enquanto você estava sendo surrado no subsolo", diz cruzando os braços, encaro-o e evito lembrar dos dias em que passei preso em uma jaula. "Ele queria voltar a Área 2, ameaçou contar nosso segredinho sujo para outros, e você já deve ter sacado o que acontece com quem fala demais."

Balanço a cabeça irritado e olho para o chão. Jeremy poderia com um único movimento tornar todo o meu sacrifício até aqui inútil, sem contar nos danos que Greta poderia sofrer com isso.

"Eu irei falar com ele", digo, voltando meus olhos a Gio, ele olha-me com incerteza, mas minha decisão já está tomada. "Essa noite."

Como havia imaginado Rayn pouco se importou com que roupas usávamos, o que para mim era excelente, afinal, apesar dos tons discretos da minha fantasia de pirata, um único olhar indicava que a roupa era cara, algo que eu deveria conversar com Lucien depois.

A caminho da festa Adam tomou conta do volante, ele se mantinha distante e calado - mais que o normal - desde que eu havia voltado do subsolo, Gio dizia que era apenas o jeito dele, mas algo me dizia que eu devia tomar um cuidado redobrado ao lado do meu irmão mais velho.

Ty por sua vez em sua jaqueta de couro e botas de combate parecia inquieto no banco ao meu lado, seus olhos corriam do celular até a janela, checando constantemente se estávamos próximos ao local, sua ansiedade me dava uma vaga ideia do que ele poderia estar armando, o que era ruim, pois se eu havia percebido, logo os olhos frios de Adam também notaria.

Gideon, no entanto, era o que mais me intrigava, apesar de seu humor nunca ser uma variável, ele havia tomado uma postura estranha ao entrar no carro, seu rosto sério e seus olhos vidrados à frente me indicava que algo não muito bom poderia acontecer, porém, o quanto eu sabia? Eu tinha uma missão hoje, algo que envolvia o preço pelo qual minha vida havia sido poupada na gaiola, e tudo que eu sabia até então era que a festa de halloween fazia parte do pacote.

"Vocês conhecem as regras", diz Adam ao sairmos do carro, bato a porta e o encaro confuso. O que ele queria dizer com regras? "Nada de bebidas ou drogas, esse esquema não é o nosso, mantenham os olhos em Thomas, o bastardo pode estragar tudo em questão de segundos".

Adam me olha e se aproxima, um vislumbre do que pode ser um sorriso aparece em seus lábios, isso não é bom, Adam não sorri. Nunca.

"Temos algo para hoje. Rayn precisa que encontremos um garoto em potencial, alguém bom para nos representar nos pesos menores", diz sério, mas com o pequeno sorriso ainda nos lábios, franzo o cenho e olho rapidamente para Gio, ele evita meus olhos.

"O que quer dizer com pesos menores?", indago, voltando a encarar Adam.

"É uma categoria junior, algo que fazemos uma vez por mês, eu já lutei, mas não tenho o peso ideal mais", responde-me Tyler, seus olhos evitam transmitir o medo que sente, mas eu o vejo ali.

"Por isso eu investiguei possíveis candidatos, mas nós precisamos vê-los em ação", diz Adam.

"O que quer dizer com ação? Vai colocar eles pata lutar em meio a festa?" indago irônico esperando que ele ria, mas tudo que recebo é o silêncio. "Isso não é engraçado, Adam", digo sentindo-me irritado.

"Eu nunca quis ser um palhaço para ser engraçado, irmãozinho", diz sorrindo. "Acho que está na hora de você começar a entender que há muito mais na Área 2 do que gaiolas."

Adam me da as costas e puxa Ty consigo, Gio encara-me com os braços cruzados, percebo que não gosta da situação, mas também não faz nada para mudá-la, ele apenas segue ordens, como Tyler.

"Como irão causar uma briga em meio a uma festa?", indago-o, ele da uma risada amarga e olha para trás, Adam passa pelos seguranças e entra em meio ao grande salão.

"Apenas fique longe das bebidas, Daniel", diz dando-me as costas e seguindo atrás de nossos irmãos.

Engulo em seco e o observo seguir as mesmas ordens que Tyler. Esse era o parâmetro, era isso que se esperava de um Jenkens - além da força bruta -, porém, algo em mim apenas me dizia que hoje não era um bom dia para seguir regras.

Caminho em direção ao salão, a mensagem de Lucien brilha diante dos meus olhos. Ele sabia sobre isso? Essa era a minha missão? Causar danos a mais vidas? Criar uma confusão imensa apenas para levar mais jovens para o meio sujo e sangrento da Área 2?

Quanto mais eu pensava em tudo isso, mais percebia que esse não era o plano original, havia algo ali que eu ainda não tinha entendido, era assim que as coisas funcionavam com Lucien, ele jogava o peixe e esperava que eu o pescasse em meio ao mar.

Passo pelos seguranças e entro no grande salão, a decoração escura e as luzes fortes atrapalham minha visão por alguns instantes, não vejo Adam ou Ty, mas o cabelo loiro de Thomas logo se torna meu foco, ele ri de algo com seu grupo de amigos, mas vejo a tensão em seu sorriso.

Gio caminha despreocupado ao redor do mesmo, ele mexe na mesa de frios atrás do loiro, e de forma simples e rápida pega algo do bolso do mesmo, por um instante até cogito a ideia de Gideon estar roubando Thomas, mas logo percebo que é apenas o começo do esquema.

Em questão de segundos Gideon abre um pequeno saquinho transparente e derrama o pó branco em meio ao ponche, ele mistura tudo e se afasta em seguida, fico tão horrorizado com o quão fácil ele faz tudo isso sem ao menos ser notado por outros além de mim, que mal registro o momento em que Jeremy ao lado de uma morena e derrama o líquido em seu copo, avanço em sua direção para o impedir, mas uma mão em meu braço me puxa, viro-me irritado e me deparo com os olhos gelados de Adam.

"Não há o que fazer Daniel, o jogo começo", diz sorrindo irônico, puxo meu braço de seu aperto e olho para Jeremy, ele já se afasta da mesa com o copo na mão, sua feição está normal e nada nele indica que está sob efeito de alguma substância, mas não era preciso muito para saber que em poucos instantes nada ali seria o mesmo.

YoursOnde histórias criam vida. Descubra agora