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Tristan e eu estávamos em um campo de lavandas, num final de tarde caloroso. Deitados entre as milhares de roxinhas que estavam ali.
-O que você vê, Linda? -Era o seu modo de me chamar.
Estou tão perdida nos seus olhos de bondade que, por um momento, esqueço de sentir saudade. Ele está ali comigo novamente e nada no mundo importa tanto como esse momento.
-No céu, sua boba.- Ele percebe minha distração. -O que você vê? -Tris diz, posicionando um dos braços por sobre a cabeça.
O sol começava a se esconder atrás do vale, e as estrelas despontavam cintilando acima de nós. Os derradeiros raios do dia iluminavam seu cabelo ruivo, e o fazia tão reluzente quanto seus olhos da cor da relva. O mais experiente dos pintores jamais conseguiria pintar cena tão magnífica.
-A constelação de Hártidus. -Começo a desenhar uma linha imaginária, ligando cada estrela formando, por fim, a estrutura de sua imagem. -Um olho. -Minhas palavras parecem ecoar dentro dele. Tristan agora olha com atenção. Sua imagem vai se dissipando e vamos nos afastando a medida que um som se aproxima.
Batidas solenes na porta de madeira me fazem despertar de um sonho que eu queria que não tivesse fim.
Abro-a e recosto-me sobre o vão.
-Aposto que ele pensa em você todos os dias. -Christopher diz. -Seu semblante é sério, mas o olhar reconfortante o preenche.
-Você consegue ver os sonhos das outras pessoas?! -Minha voz sai estarrecida e um pouco arrastada.
-Não. é apenas no que você está pensando agora. -Seus lábios se movem em um quase sorriso.
Minha mente não é mais meu lugar seguro. Não mesmo! Ele parece formular sua próxima defesa, mas logo desiste.
-Você não vai ceder para os seus dons, não é?
-Não acredito em fantasias.
-É hora de decidir, Melinda. Quem você quer ser.
-Eu já sou aquilo que deveria. -A convicção parece se esvair a cada palavra que sai de minha boca.
-Acredita tanto na mentira que os outros contaram sobre você, que isso virou sua única realidade. -Ele arfa sem demonstrar muita esperança.
-Minha realidade é aquilo que consigo ver, é aquilo que sei.
-Vejo o quão pouco é sua compreensão sobre si mesma.
-Então, me mostre. -Desisto da implicância. -Me faça acreditar em você, príncipe.
-Vou lhe mostrar além do que é, você vai entender o que pode se tornar. E então?- Christopher estende sua mão para que eu possa pegá-la.
Atravessamos um grande corredor, logo abaixo do primeiro onde meu quarto e os dos demais se encontram. Paramos em frente a uma porta, já no final, com os dizeres "Stanius cassina puderos". Não consegui reconhecer essa língua, e de fato, conheço quase todas. Ele parece perceber minha inquietude ou simplesmente ler minha alma.
-Essa não está nos livros. -Diz ao girar a maçaneta de metal. -Pelos menos, não nos da sua biblioteca, princesa. É a língua matriarca dos nossos antigos.
-O que significa?
-"Estais na casa, tens poder". -Um brilho quase que como fogo, passa por seu olhar. Aquilo me causa arrepios. Do lado de dentro, o cômodo parece menor e as paredes sustentam quadros do início do século. Uma mesa com livros empilhados ocupa um canto pouco iluminado por um candeeiro com pequena chama. Christopher senta-se na cadeira de madeira ao lado de sua escrivaninha e faz um gesto para que eu me sente no assento restante.
-Segure firme, ele é mais pesado do que parece.- Ele me entrega um pequeno livro. Perpasso os dedos pela sua capa de cedro, sentindo cada pedra no seus limites e no centro um nome em relevo chama minha atenção.
-Lapsius alminar.- O príncipe diz recostando-se na cadeira. Esse nome me faz voltar a um passado muito distante, a uma lembrança que eu sequer lembrava ter.
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O Som Da Meia-Noite
Mystery / ThrillerMelinda foi tirada de seu vilarejo e entregue para viver entre a realeza de Northern Snow. Um pacto que sua família fez há muito tempo mantém-na à salvo, mas os segredos e traições começam a vir e ameaçam destruir um reino aparentemente perfeito.