May POV
Eu estava sentada na borda de um chafariz. Era primavera àquela altura, e eu podia dizer isso principalmente pelo jardim à minha frente, repleto de camélias dos mais variados tipos e cores. Inspirei profundamente para sentir o cheiro de grama fresca. O sol dava ao clima uma temperatura agradavelmente morna, ideal.
Me sentia incrivelmente feliz e completa, e sequer sabia o motivo. Não me movi, com medo que aquela sensação me deixasse.
Diferentemente das outras ocasiões, eu sabia que estava sonhando.
Ao longe, vi uma pessoa. Mais precisamente uma criança, uma menina, talvez com seus oito anos de idade. Ela veio correndo até mim, e quando me alcançou constatei que não a conhecia. Mas algo nela chamou instantaneamente minha atenção.
Aqueles eram os olhos que eu mais amava. Eram de um dourado tão conhecido, tão perfeito, que não consegui deixar de olhá-los. Eram os mesmíssimos olhos de William.
Imediatamente me dei conta de que amava aquela menina mais do que qualquer coisa no mundo.
Olá. Qual é o seu nome? - Perguntei, desgrudando uma mecha de cabelos do seu rosto suado e colocando-a atrás de sua orelha.
Não tenho nome ainda. - Ela respondeu, e a voz me pareceu tão melodiosa quando um coral de anjos.
Estranhei aquela resposta.
Eu poderia estar sonhando com a filha de Ana, ainda não nascida? Isso explicaria os olhos da menina serem os de William, que por sua vez eram iguais aos da irmã.
Mas ainda assim, algo nela me atraía. Como um ímã.
Ela sorriu, e outra vez a lembrança de William veio forte demais. De alguma forma, senti que ela também me amava, mesmo nunca tendo me visto na vida.
Tudo naquele sonho era estranho.
Fui subitamente acordada por uma dor, essa bastante real. Tão forte que me perguntei como sequer havia conseguido dormir. Depois de algum tempo tentando voltar à realidade, completamente perdida, consegui identificar que a dor estava na minha cabeça. Identificar a parte do corpo que doía era um começo.Demorei alguns minutos para tomar a coragem de abrir os olhos. Quando o fiz, até mesmo a luz fraca que as cortinas do quarto de William filtravam foram o suficiente para transformar aquele pequeno momento em um inferno. Fechei os olhos muito rapidamente outra vez, tentando engolir, mas minha língua parecia feita de pano. Talvez alguém tivesse me espancado antes que eu caísse no sono, porque todos os músculos do meu corpo pareciam um pouco podres.
Girei a cabeça devagar para o lado só para constatar que Wiliam, como quase sempre, não estava ali.
Conjurando das profundezas dos meus músculos toda a força que havia em mim, sentei na cama ainda de olhos fechados. Infelizmente, o movimento foi rápido demais, então uma tontura desnorteante e um enjôo súbito me tomaram de imediato. Senti alguma coisa querendo sair de mim à força, e me desesperei ao constatar que, mesmo que conseguisse ir caminhando até o banheiro - o que não era o caso - eu provavelmente acabaria vomitando no carpete antes de chegar no meio do caminho.
Sem opção nenhuma, me curvei na cama, colocando a cabeça para fora dela e simplesmente deixando que um jato nojento saísse pela minha boca. Mas aquilo foi tudo que saiu. A ânsia vinha a
cada cinco segundos, mas meu estômago vazio não tinha nada para expelir. E cada vez que ela vinha, vinha com tanta força que minha cabeça parecia a ponto de explodir, me fazendo implorar silenciosamente por um desmaio.
Senti uma mão na minha testa, dando apoio a ela. Não precisei me virar ou abrir os olhos para saber quem era. Quando as ânsias de vômito começaram a ficar menos frequentes, fui relaxando e respirando melhor. Abri os olhos devagar e dei de cara com uma bacia, posicionada estrategicamente no chão para que eu não sujasse o carpete. Wiliam sabia que aquilo aconteceria, e fui grata a ele por ter sido cauteloso.
Levantei o corpo, sentando na cama muito lentamente. Minha cabeça girava, fazendo com que tudo ficasse um pouco embaçado.
Calma... É assim mesmo.Ouvir a sua voz me tranquilizou um pouco. Abri os olhos e o vi à minha frente com um olhar de compaixão. Imediatamente lembrei da menina no meu sonho, e então tudo se tornou muito óbvio. Tão óbvio que eu não sabia como podia não ter entendido antes.
Aquela menina era minha filha. Minha e de Wiliam. A filha que não tínhamos, mas que meu subconsciente criou. Conhecer Julia e Lilly provavelmente havia despertado em mim um instinto maternal inédito.
Está melhor?
Sacudi positivamente a cabeça em resposta, mas me arrependi na hora. Meu cérebro parecia chacoalhar dentro do crânio. Eu teria respondido em voz alta, mas sabia que isso também faria com que minha cabeça doesse ainda mais.
Vamos ter que ver o que o seu estômago aguenta. - Ele disse, indo até o criado mudo e voltando com um copo que parecia ser de água e uma colher de sopa. Ele pegou um pouco do líquido com a colher e trouxe até a minha boca. Notei que não era água, mas sim soro, o que me ajudaria a não desidratar tão rápido.
Felizmente, meu estômago conseguiu aceitar as três colheres oferecidas, sem que eu tivesse que cuspir tudo de novo na bacia ao lado da cama.
William me carregou para o banheiro, servindo de apoio enquanto eu tomava banho. Fui eternamente grata a ele por ter noção e não tentar me tocar de formas inapropriadas, embora tivesse total acesso ao meu corpo. Quando meu banho já estava tomado e meus dentes escovados, ele começou um processo de enfermagem que imediatamente fez com que eu me sentisse mal por estar dando tanto trabalho.
Aproveitei o fato de que, agora, eu conseguia falar.
Desculpa por ter vomitado seu banheiro ontem e quase ter feito isso de novo no seu carpete.
Nosso banheiro e nosso carpete. E não se preocupe com isso.
Deitei outra vez, me sentindo melhor aos poucos.
Nunca mais me deixe beber...
Tenho que admitir que você bêbada é interessante.
Ele olhou para mim de forma esquisita e sorriu. Por algum motivo, fiquei ansiosa. Eu ainda não tinha parado para tentar lembrar o que exatamente havia feito depois de encher a cara.
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