nostalgia

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• 21 de fevereiro de 2008

pode-se dizer que eu estou num estado líquido, que se adequa a qualquer meio. pouco me importo com a realidade atual e presencio uma realidade fictícia que crio em meus pensamentos, eu passo mais tempo nessa versão do mundo do que na qual eu existo realmente.

o meu nome, é o que eu mais gosto em mim, Yukimera, todos os significados possíveis se encaixam perfeitamente em mim, é algo que pertence a mim e mais ninguém. minha mãe que o escolheu mas não é só por essa razão que eu gosto desse nome, eu realmente o admiro, não só pela maneira de como soa mas como eu disse, seus significados arrebatadores.

há 2 anos e 8 meses, em 6 de junho de 2005, minha mãe tirou a própria vida. eu não sinto raiva dela por isso, se ela não queria mais viver e de alguma maneira estava sentindo dor, não cabe a mim obriga-lá a viver uma vida da qual supostamente estava farta.

[...]

Angeline, minha mãe. ela deixou de existir um dia após o seu trigésimo quarto aniversário, eu tinha 10 anos naquela época pois meu aniversário de 11 anos seria somente em 16 de dezembro daquele ano. eu a encontrei sem vida dentro da banheira, havia diversos frascos desprovidos de comprimidos sobre o piso cerâmico do banheiro. assim que entrei, eu percebi que ela estava sem nenhum resquício de vida, até me esqueci de qual razão eu estava a procurando. seu cabelo curto estava num tom rosa escuro por estar molhado. a coloração azul-celeste do esmalte em suas unhas estava desbotado e a pulseira que lhe dei de presente no seu aniversário do ano passado estava no pulso como sempre esteve, ela nunca tirou. me aproximei diante de seu corpo gélido da qual sua alma não o habitava mais, segurei sua mão pálida e fria, pude sentir minha lágrimas salgadas escorregando pelo meu rosto, lágrimas de uma profunda e intensa dor, gritos no vácuo e o apagão de qualquer iluminação ao meu redor. e foi assim, de fato, eu nunca mais veria minha mãe com vida, tudo que me restaria seria apenas memórias borradas.

no dia anterior, ela estava repleta de felicidade, transbordava alegria. estávamos dançando sem rumo na parte superior da minha cama ao som de Maps da banda Yeah Yeah Yeahs, colocamos a música para repetir 7 vezes e quando a última chegou ao fim, jogamos nossos corpos sobre minha cama, nos entreolhamos e rimos por nenhuma razão concreta. os refrões daquela música me assombram todas as noites até hoje.

na madrugada do dia 6 de junho, escutei o rangido da minha porta, eu sabia que era minha mãe pelo reflexo de si em meu espelho que refletia a imagem da entrada de meu quarto. ela entrou e caminhou tentando não emitir nenhum tipo de som pra não me acordar apesar de eu já estar acordado. ela colocou um caderno de anotações, em cima da minha escrivaninha. logo em seguida, permaneceu me observando, nesse momento me permiti fechar meus lumes e cair num sono profundo.

o que dizia na capa, versão azul, escrito em letra cursiva. na primeira página, estava grafado "eu não faço ideia do que estou fazendo".

assim que li esse título do suposto diário de minha mãe, me recordei de quando eu estava no jardim de infância. a professora requisitou uma tarefa para casa aos alunos, que fizessem um desenho demonstrando suas emoções. eu tinha aproximadamente uns 5 anos, porém, ainda me lembro nitidamente do ocorrido.

cheguei em casa eufórico, já retirando da minha mochila meu caderno de desenhos e abrindo-o na primeira página em branco. no momento que tive em minha mão o lápis, foi como se eu estivesse deslizando um pincel com tinta numa tela, a sensação de escorregar tão facilmente e de uma maneira tão delicada, nem sequer pensei, foi apenas espontâneo.

eu desenhei uma cerejeira denominada Kawazuzakura, igual a que minha mãe tinha a imagem tatuada em si, num traço fino e em ótima condição. ao lado da cerejeira, eu me empenhei em desenhar um coração, eu ilustrava e apagava, fiz 9 tentativas e nenhuma me agradou.

minha mãe se aproximou e perguntou a mim se poderia me ajudar a tentar desenhar, eu apenas assenti com a cabeça e a observei desenhar um coração tão bem detalhado como se fosse a coisa mais fácil do mundo para ela.

e para finalizar ela o preencheu com a cor do lápis azul-celeste, sua tonalidade favorita de azul. porém, eu não havia entendido a razão de minha mãe preencher o coração com aquela cor, naquela época pra mim, coração deveria ter a tonalidade vermelho, até que ela me disse: "azul pode aparentar que apenas simboliza a solidão e a depressão, mas azul também é a cor da esperança reascendida, assim como o amor, nem sempre o amor está bem mas ele ainda sim tem a profundidade do oceano".

🦋

nostalgia, é delicado, mas potente. em grego, "nostalgia" significa literalmente "a dor de uma ferida antiga". é uma pontada no seu coração muito mais poderosa do que apenas uma lembrança - uma sensação de um lugar onde desejamos ir novamente.

                                          !!

Angeline nasceu na primavera do dia 5 de junho de 1971 e faleceu 34 anos depois no dia seguinte da data comemorativa de seu aniversário.

Yukimera nasceu no outono do dia 20 de dezembro de 1994.

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