Como um som insuportável de um sino badalando, o despertador do celular me trás a realidade. O som normalmente era baixo e delicado, mas a dor dilacerante em minha cabeça parecia intensificar todo a qualquer ruído.
Com a cabeça enterrada no travesseiro, estico a mão para alcançar o aparelho, abrindo somente um dos olhos para checar os dados na tela. Enruguei a testa ao notar três chamadas perdidas de Dylan, registradas na noite anterior.
“Será que Calvin mencionara algo? Droga! Eles são amigos. Se existe alguém à quem Calvin confidenciaria alguma coisa, esse alguém seria o Dylan!”
Me ergui, finalmente deixando a cama.
“Mas ele não viu nada, certo?” – Ainda ponderava a possibilidade. “Será mesmo que é sobre isso que Dylan quer falar?” – Não ligaria para ele de volta, nem muito menos mencionaria o assunto. Com o mínimo de forças restante em meu corpo, me arrumei e desci as escadas.
– A ressaca te pegou de jeito, não foi? – Karen analisava a minha fisionomia nada amistosa enquanto depositava um pouco de leite em uma xícara.
– Juro que nunca mais bebo na vida! – Massageava as têmporas imaginando o quão agonizante será meu dia de trabalho.
– Diz isso até chegar a próxima saideira! – Ela ri – Mas bem que você merecia um puxão de orelha, chegou em casa mal se aguentava em pé, Maggie!
– É que eu sou fraca para bebida, é só isso!
– E aquele cara? Se eu não aparecesse na varanda, parecia que vocês iriam…
Senti minhas bochechas esquentarem.
“Que diabos ela acha que eu iria fazer na varanda?” Só podia estar exagerando.
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Os barulhos de passos, somados aos murmúrios e toques de telefone estavam me enlouquecendo. Mal pisei os pés na editora e já queria retornar à saída. Ao menos não tinha ninguém me enchendo ainda mais os ouvidos. Depois da morte de Francine, havia me tornado a pessoa mais excluída de todo o corpo de funcionários da revista. Até o Nelson, que não sai da portaria, parecia mais entrosado com as pessoas que no dia a dia trabalhavam ao meu lado. Por mais incrível que pareça, uma das poucas pessoas nas quais ainda trocava algumas palavras, era aquela que mais julguei que não me aproximaria. Isso mesmo! A editora-chefe, Lena Collins. Pelo seu jeito durona, minha chefe não parecia ser de muitos amigos. Estabelecia uma determinada distância dos outros funcionários, que a viam como uma pessoa difícil e autoritária. Se portavam ao lado dela, não sei se com temor ou respeito. No entanto, Lena conversava comigo em momentos oportunos, ainda que poucos, até me oferecera um analgésico. Em algumas ocasiões percebia uma certa tristeza em seu olhar, o que me fazia recordar de quando me ajudou e mesmo com seu jeito rígido se manteve ao meu lado. Contudo, nunca me atrevi a questioná-la o que lhe sucedera.
Fui até a bancada da secretária para entregar-lhe alguns documentos. Scott estava em reunião, tudo o que deveria passar por ele era para ser deixado com Beth, a recém contratada para ocupar o lugar de Francine.
– Já estamos com o modelo de alguns projetos prontos, organizei por páginas… – Dylan estava em frente à bancada, explicava alguma coisa para a moça.
– Bom dia! – Depositei os papéis na mesa.
– Bom dia! – respondeu seco e continuou a falar com a secretária – Peça para o Sr Belmont verificar esse em especial, é do catálogo do nosso investidor mais importante, ele empreendeu uma série de recomendações.
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Vai me dar seu coração?
Mystère / ThrillerAté que ponto a mente humana é capaz de chegar para suprimir a dor de uma perda? O cérebro humano as vezes consegue mascarar lembranças pesadas, para se proteger da dor que elas causam. Mas elas sempre buscam uma forma de mostrar que ainda estão lá...