Kasumi sentiu o metal frio contra seu pulso e abriu os olhos devagar. Alguns pares de olhos o encaravam ansiosos.
— Waka-sama, sente-se bem? — a voz pertencia a um homem de meia idade com cabelos parcialmente grisalhos e um óculos de armação pesada. Ele pressionava o estetoscópio no pulso de Kasumi.
Ele não conhecia o médico, mas a mulher gentil que lhe trouxe o café da manhã estava ali com uma expressão de preocupação.
— Bem. — respondeu, tentando se levantar, mas o médico pôs as mãos em seus ombros e o segurou.
— Deve ficar de repouso até depois do almoço, você teve um colapso por fadiga. — explicou.
Kasumi olhou envolta e viu que estava no mesmo quarto que acordou. Aquele era o quarto do protagonista do jogo, haviam algumas missões para serem feitas ali na primeira fase.
Um tanto impotente, ele assentiu. Precisava dar um jeito de sair desse jogo o mais breve possível, ele não sabia o que podia acontecer já que esse desmaio por fadiga não estava no script. Fadiga? Fadiga que nada! Kasumi estava apavorado e desmaiou para não ter um infarto. Era melhor pensar assim.
A porta de correr foi aberta delicadamente e revelou o rosto de um homem na casa dos quarenta. Ele usava um kimono com os mesmos bordados que Kasumi havia visto mais cedo, seus longos cabelos loiros estavam presos em uma trança lateral.
Kasumi sabia quem era ele.
— Shou-dono[1]. — a mulher falou assim que ele entrou e fechou a porta em suas costas.
— O que aconteceu? — ele se abaixou junto dos outros dois ao lado de Kasumi. Ele tinha os mesmos olhos de Kasumi e um sorriso delicado que era um misto de preocupação e gentileza.
— Pelo visto foi apenas fadiga, recomendo o repouso até a hora do almoço e depois está livre para fazer suas atividades. — respondeu o médico.
Estendendo a mão para colocar o indicador na testa de Kasumi, Shou assentiu.
— Como se sente?
— Chichi-ue[2], eu me sinto bem. — respondeu na esperança de aliviar a tensão das pessoas a sua volta.
— Fico feliz em saber disso. — sorriu. — Sensei, precisa de alguma vitamina?
— Não será necessário Shou-dono, apenas o descanso é o suficiente. — o médico se virou para o pai. — Eu preciso ver outros pacientes, então peço sua licença.
— Claro, muito obrigado por sua visita. — Shou se levantou e fez uma breve reverência para o médico que continuou curvado mesmo quando o outro se levantou.
— Não precisa agradecer. — com um sorriso nervoso, o médico fez outra reverência e saiu pela porta do quarto.
Estando apenas Shou e a mulher de nome ainda desconhecido, Kasumi ficou mais confuso ainda. Isso definitivamente não estava no roteiro do jogo!
A única solução que ele tinha era continuar vivendo e fazendo as tarefas que lhe eram pedidas em esperança de que fossem "níveis do jogo" e que pudesse sair dali logo.
— Yoshiko-san, será que pode nos dar licença? — Shou perguntou gentilmente e a mulher de levantou em silêncio, curvando-se brevemente antes de sair.
Shou olhou para Kasumi por alguns instantes antes de falar.
— Eu sei que pode ser difícil se adaptar aqui, mas tente por favor, sim? — suspirou. — Como já te disse antes, o líder das tropas faleceu de doença e seu filho está no lugar agora. Ele é muito competente e cuidou dos assuntos aqui para mim enquanto estive fora durante o ano passado, mas eu preciso que você se prepare pois eu não vou estar sempre aqui.
Kasumi sentiu um aperto no peito e a melancolia atingi-lo em ondas incessantes. Então era esse o sentimento que as pessoas teriam ao jogar o jogo desenvolvido por ele?
— Sim, chichi-ue. Entendo perfeitamente. — falou em tom baixo. — O que posso fazer para ajudá-lo? — quando se deu conta, já havia falado. Era como se sua boca estivesse se movendo por conta própria.
Shou sorriu levemente e cruzou as mãos no colo.
— Primeiro quero que saia para conhecer o han[3], depois que estiver familiarizado, vou designar algumas plantações para visitar e supervisionar. — disse.
Kasumi permaneceu sério, fitando o rosto do homem mais velho. Até então, não parecia nada muito difícil. Quem não conseguiria conhecer um han e depois supervisionar algumas plantações?
Como o arroz era a base da economia, Kasumi nem ousava perguntar plantações do quê eram, estava óbvio.
— Claro, eu posso fazer isso. — disse.
— Sei que consegue. — Shou assentiu, levantando-se. — Ouça o sensei e fique em repouso até o almoço, mas depois deveria sair do castelo para pegar um ar, mas não fique fora por muito tempo pois o inverno não foi embora totalmente.
Com um leve sorriso, Shou deixou Kasumi sozinho no quarto mais uma vez.
Ele sentou-se, puxando as cobertas até sua cintura e tomou a decisão de viver ali por enquanto. Aquele jogo tinha sido criado por ele, mas estava óbvio que sua entrada bugou algumas partes da trama. Mas não era nada que ele não pudesse resolver, sabia exatamente cada coisa que aconteceria e cada caminho que podia tomar.
Pensando melhor, não.
Kasumi não sabia mais de nada. O que aconteceu até agora não estava previsto na trama do jogo.
Ele apoiou o dedo no queixo, mas ao menos conhecia os personagens e a personalidade de cada um. Se servisse de consolo, ele sabia quem poderia machuca-lo ou não.
Mas uma coisa havia deixado-o muito intrigado. O líder das tropas de Samurais era o melhor amigo de Shou Mizuwa, — seu pai? Bem, ele era o protagonista do jogo agora então poderia chamá-lo assim. — Fuukei. A morte dele não estava prevista, e um filho muito menos. Os acontecimentos estavam cada vez mais confusos e Kasumi apenas queria descobrir como aquilo aconteceu e sair logo dali.
Ele tinha um plano.
Esperava sinceramente que desse certo, porque não havia possibilidade de plano B e nem ninguém que pudesse pedir ajuda. Sua intuição de gamer e criador dizia-o para fazer tudo que precisasse como o protagonista, ir visitar as plantações, explorar o han e reunir coisas e informações que fossem úteis por mais simples que parecessem.
Kasumi estava acostumado a jogar.
Ele preferia os jogos de aventura onde precisava repetir uma fase várias vezes até que conseguisse passar. Com base nessa admiração, ele passou um bom tempo criando um jogo e tinha a possibilidade de ficar rico com ele.
Mas ele nunca imaginou que as coisas fossem virar de cabeça para baixo e acabasse lá dentro como protagonista.
Vendo aquela confusão se desenrolar diante de seus olhos, Kasumi deitou-se novamente, sentindo toda a sua energia ser drenada com aqueles pensamentos. Uma vez que estava confortavelmente deitado no futon, ele fechou os olhos e caiu no sono. Lá em seu interior, ele tinha a esperança de que abrisse os olhos e tudo aquilo não passasse de um sonho.
Quando despertou pela terceira vez naquele dia, Kasumi viu ninguém além de Yoshiko, a mulher que sempre estava por perto quando acordava.
— Y... Yoshiko-san? — sua garganta estava seca mais uma vez e sua voz um tanto áspera.
— Aqui está. — ela segurava um copo d'água e Kasumi sentou-se rapidamente, aceitando-o e bebeu em um só gole.
— Obrigado. — secou os cantos da boca com a manga do kimono e olhou para a ansiosa Yoshiko a sua frente.
— Está com fome? — perguntou.
— Faminto. — respondeu.
Ouvindo aquelas palavras, Yoshiko pôs a bandeja mais uma vez no colo de Kasumi. O cheiro da comida estava tão bom que ele sentiu o estômago se contorcer em protesto.
— Espero que seja de seu agrado. — ela disse, passando-lhe um par de hashi de bambu e levantou-se. — Se precisar de alguma coisa, me chame por favor.
— Espere... — ele esticou a mão na direção dela. — Yoshiko-san, você me conhece?
A mulher manteve sua expressão calma e sorriu delicadamente enquanto balançava a cabeça de forma positiva.
— Claro, te conheço desde que nasceu. — respondeu.
— Desde que eu nasci? — Kasumi pôs um pouco do arroz na boca mas se manteve atento as respostas de Yoshiko.
— Sim. Waka-sama não se lembra de mim por ser muito pequeno, mas eu era serva pessoal de Risako-sama, eu esteva ao lado dela durante o seu parto. — sua voz ficou mais baixa no final da frase e seu rosto estava escuro com o pesar. — Quando Risako-sama se foi... Eu fiquei desolada, mas não podia quebrar minha promessa com ela, então permaneci aqui.
Kasumi engoliu o nó que se formava em sua garganta e olhou para Yoshiko de novo.
— E qual foi a promessa que fez a minha mãe?
A ternura iluminou os olhos de Yoshiko mais uma vez e ela olhou para as mãos.
— Ele segurou minha mão e me pediu para cuidar de você até que pudesse fazer isso sozinho. — olhou para Kasumi. — Aqui estou eu, 18 anos depois, esperando para cumprir a promessa que fiz a Risako-sama. Mas se preferir, pode escolher um outro servo para te ajudar.
Kasumi mastigou e engoliu rapidamente, pronto para dizer a Yoshiko que estava tudo bem.
— Não, está tudo bem com você Yoshiko-san. — ele disse.
— Claro, se waka-sama deseja assim... — ela se curvou, sorrindo timidamente.
— Obrigado, Yoshiko-san.
— Não precisa me agradecer. — ela saiu do quarto ainda com a expressão feliz e fechou a porta em suas costas.
Então o nome da mãe dele era Risako? E Yoshiko era sua serva pessoal e por isso cuidava dele com tanta dedicação. Talvez ele estivesse começando a entender alguma coisa, e se precisasse sabia que poderia perguntar qualquer coisa a Yoshiko-san sobre o passado. Mas Kasumi não achava que ela soubesse de algo que fosse realmente ajudá-lo a sair dali. A não ser que a chave do mistério estivesse no passado de sua mãe e seu nascimento.
Nenhuma possibilidade poderia ser descartada.
___________
[1] どの, dono: honorífico usado nos tempos dos samurais, mais respeitoso que o "sama".
[2] 父上, chichi-ue: jeito respeitoso de se referir ao pai, também muito usado nos tempos dos samurais.
[3] 藩, han: feudo, terras. Mas preferia manter assim ao invés de traduzir.
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一日三秋 || One day, three autumns {pt-br}
Ficción histórica一日三秋 || One day, three autumns • Um dia, três outonos. Títulos alternativos: Impatiently waiting, Esperando impacientemente. Autora: 笹木優気 - Sasaki Yuuki "Quando foi que encontrei seu verdadeiro eu?" Faltando pouco para o prazo final da entrega de se...