NAORI III - A PEQUENA CHAMA DA LOUCURA

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"Como essa criança come", Naori pensou alto. A mulher brilhante jazia no mesmo lugar onde fora colocada já fazia dois dias, exatamente da mesma forma. Já seu bebê... O chamado "pequeno Bola de Pelos" era tão travesso que a garota tinha medo de deixá-lo na caverna, então o levava escondido para a cabana da mãe de Haukea todos os dias e rezava para ele não fazer barulho. Após pensar muito e testar, descobriu que ele poderia ser alimentado com frutas maceradas e sucos, principalmente bananas e os azuis brilhantes usados para tingir roupas. "Parece que eles têm uma outra utilidade", Naori riu enquanto o pequeno bebia sozinho sua papinha.

Por mais que fosse perdendo um pouco dos pelos ao longo dos dias e tomasse cada vez mais a aparência de um humano, com certeza aquela criança era um ser mágico. Seu desenvolvimento rápido, sua pele brilhante e transparente como a da mãe e as orelhas pontudas já indicavam tudo. Era provável que se tratasse de um menehune, um dos seres protetores da floresta. Quando era criança, a garota pensava que eles não existiam; o pai de seu pai contava inúmeras histórias sobre seus encontros com humanos, mas tudo aquilo fora para ela outrora surreal demais. Não era. Eles realmente tinham a pele da cor do luar, olhos de folhas e coroas de flores na cabeça. E de acordo com as lendas também, eles sabiam como fazer construções como ninguém.

Se a existência dos mehehunes era real, o que garantia que a dos outros seres mágicos também não fosse? Naori só sabia que os angelicas e fays andavam pelo mundo – afinal, já encontrara com eles antes – mas e os mo'hos, apukohais, seirens do Oeste e ulvmanner do Norte? Antes, para ela, tudo não passava de lendas de mercadores, mas agora a existência deles parecia muito possível. Tudo isso excitava a curiosidade da garota, que queria conhecer mais, saber mais sobre o mundo onde vivia. Tinha quase certeza de que aquelas informações estavam nos livros que encontraram, que estava próxima de saber da verdade e ao mesmo tempo longe... E continuaria com suas divagações se o bebê não tivesse falado:

"Bo'a pe'o"

"Huh?"

"Bo'a pe'o! Bo'a pe'o!", ele falou mais alto e riu, jogando o copo para cima e derrubando sua comida no processo.

"É, você é uma bola de pelos", Naori respondeu. Apesar da bagunça que fez, a garota não conseguiu ficar brava com a criança. Pegou-o no colo e o jogou para cima como Likeke fazia quando brincava com as crianças no povoado; ele gargalhou e por alguns instantes o mundo da garota ficou amarelo de felicidade. "A bola de pelos está no céu!"

"Bo'a pe'o! Bo'a pe'o!"

Rodou-o até ficar tonta e cair de costas no chão. Doeu, mas o pequeno Bola de Pelos estava seguro, sem ferimentos e rindo sem parar, então Naori estava contente também, e ela se perguntou se não era aquilo o amor que Haukea lhe dissera. E tudo aquilo teria durado mais se ela não tivesse sentido subitamente algo enrolando suas pernas e seu pescoço e se tornando difícil de respirar e doía, como doía. No seu campo de visão, sua mãe olhava para ela com aquela expressão de nojo que fazia quando a espancava por ter feito alguma coisa de errado. "O que fiz dessa vez?", a garota perguntou com o pouco ar que lhe sobrava. Piscou os olhos; era a mulher brilhante quem estava na sua frente. Tomou um pouco de ar e sussurrou "me ajude...".

"Nã, ma! Bo'a pe'o!" e tudo ficou escuro. "Bo'a pe'o!"

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