NAORI V - A PISCINA DE LÁGRIMAS

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"O que, afinal, significa ser um Demonica?"

"Significa que agora a floresta é minha e que eu trabalho para um Diabla."

"E o que tu fazes nesse trabalho?"

"Protejo a floresta"

Uma semana havia se passado desde que Laka contara a verdade a respeito da criação do Mundo. Depois daquilo, ela também contou outras coisas a Naori, como o modo correto de fazer algumas poções e traduziu todos os livros dali. Com um "tu me compraste", a garota resolveu dar uma trégua em sua desconfiança, mas ficaria atenta se a Demonica um dia sequer insinuasse atacar humanos. Um dos livros, um sobre as feras, mais especificamente, dizia que apenas Diablas e Demonicas de maior escalão conseguiam mentir, logo era quase seguro afirmar que Laka fora sincera durante todo o tempo. O guia não afirmava, porém, se eles podiam omitir informações ou não, mas segundo ele, Bola de Pelos – ou melhor, Lakahan – era realmente um mehehune.

"E no que isso difere de tua função anterior?"

"Eu tomo conta da floresta e expulso os inimigos de Frelyl."

"E quem é Frelyl?" Bola de Pelos, ou melhor, Lakahan tentava morder o nariz de Naori enquanto bagunçava seus cabelos vermelhos. A garota sempre gostou dessa sua característica, que a diferenciava das demais garotas de cabelos alaranjados e amarelos do povoado. O seu era de um intenso tom de escarlate e sua pele, da cor da terra. A criança já tinha perdido quase todos os pelos, sobrando apenas nos braços, pernas e barriga, de modo que não fazia mais sentido continuar chamando-o como Naori gostava. Todavia, ele ainda se referia a si mesmo como Bo'a Pe'o ao invés do nome dado por sua mãe.

"Diabla daqui. Lembra-te que eu falei deles outro dia? Fenrir do Norte, Selene no Oeste, Adhair no Leste..."

"Ah... Agora me lembro", a garota respondeu e ergueu Bola de Pelos acima de sua cabeça. Ele agora estava pesado e tinha o corpo de uma criança de oito colheitas de trigo, mas brincar com ele dava uma sensação agradável demais que fazia todo o esforço físico empreendido no processo suportável, ou seja, ela poderia fazer isso o dia inteiro sem reclamar. Ao notar esse fato, o pequeno passou a exigir que Naori brincasse o tempo todo, mesmo que ela estivesse cansada e pedisse uma pausa. "Não podes ser permissiva assim o tempo todo.", Laka a advertira.

"Eu sei, mas eu não consigo dizer não a ele" foi a resposta. "Frelyl... Eu acho que ouvi este nome em algum lugar..."

"É provável. Depois de realizar tantas proezas, seu nome merecia ficar gravado na história. Enfim, temo que não poderei desfrutar de tua hospitalidade por mais tempo. Ao que tudo indica, logo terei muito trabalho a fazer."

"E o pequeno Bola de pe.... Lakahan?"

"Ele vai aprender a se virar sozinho", Laka sorriu.

"Fique ao menos mais um dia ou dois. Não fará mal"

A Demonica suspirou. "Tudo bem. Afinal, meu filho gosta de ti."

Naori deixou-os em sua caverna e foi para casa. Já escurecia e era muito difícil enxergar o caminho, mas ela já o fizera tantas vezes que se lembrava até das pedras nele. Sua cesta trazia, além dos frutos, algumas poções que fizera com Laka para aplacar a dor dos idosos do vilarejo. Conseguira assim curar alguns casos de doenças mais simples, e as pessoas passaram a não mais depender apenas do xamã. Se precisassem de cura, procuravam Naori. E ela se sentia contente com isso. O líder permitiu que ela parasse de tecer roupas e se dedicasse em tempo integral às suas pesquisas com ervas medicinais. Naquela noite, fizera também o parto de uma criança. Diziam que ela tinha o dom da cura, e por isso deveria também ser a parteira – as mães não sofreriam das dores e os filhos nasceriam saudáveis. Isso sendo verdade ou não, ela atingira certo prestígio na região onde morava, chegando a influenciar em decisões do líder.

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