| Capítulo 3 |

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Olho o meu reflexo no espelho e sorrio enquanto termino de escovar os dentes

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Olho o meu reflexo no espelho e sorrio enquanto termino de escovar os dentes. Meu Deus, eu nem estou acreditando que hoje é o meu primeiro dia de aula na universidade! Quase não me lembro mais como é conviver com tanta gente saudável da minha idade ao mesmo tempo.

Senti falta disso.

Eu acho que foi uma atitude drástica demais da minha mãe me afastar completamente de tudo por tantos anos. Poderia ter intercalado o tratamento com a escola quando eu não estava internada; poderia ter saído mais de casa, como muitos pacientes com esta doença fazem.

Não precisamos viver em uma redoma de vidro.

Em 21 anos, passei a maioria dos meus dias enfurnada no quarto estudando ou hospitalizada.

O que antes era uma preocupação dela se tornou uma obsessão quando peguei uma infecção forte aos 14 e minha função pulmonar despencou.

De 71% até essa idade, foi caindo, caindo, caindo, até atingir os 49%. Atualmente, estou com 57%. Consegui aumentar devido à atividade física intensa e regular. Por isso ela é tão importante para nós.

Se chegar aos 30%, um transplante de pulmão é indicado para garantir a sobrevida do paciente. O problema é que a fila de espera é enorme, e aqui no Brasil pode chegar a até 3 anos: tempo que alguns não possuem, devido às complicações que surgem com a imunidade baixa.

Ela fica lendo pesquisas, participando de fóruns, e o desespero só aumenta.

Esse é o motivo pelo qual não a julgo. Cada um age da forma que acha certa para cuidar de quem ama. Minha mãe pensou que evitando contato com outras pessoas e o mundo externo seria mais difícil eu piorar.

Não penso nos "poderia" que já passaram, mas também não quero viver com esse medo agora. A crise pode chegar do mesmo jeito, do nada, porque a fibrose cística é assim.

Que memórias terei da vida se não me arriscar? Doença? Parede branca de hospital? Não, eu mereço e quero muito mais que isso. Vale a pena a aventura.

Esperei pacientemente ficar estável e ser maior de idade para poder escrever uma nova história.

Quero ter a oportunidade de errar e acertar sozinha, de me descobrir além dos rótulos de uma pessoa doente.

O despertador toca e olho para trás, guardando rapidamente a escova para desligar o barulho irritante. Não posso acordar as meninas, é muito cedo. Sigo até o guarda-roupa em seguida e retiro a caixa de tratamento escondida no meio dos cabides.

Passei o domingo organizando todas as minhas coisas no quarto. Ele é pequeno, mas aconchegante. Coube uma estante pequena de livros, a poltrona de leitura e a mesa de estudos. De decoração deixei a minha cara, com bastante cor.

Sento na cama e pego da caixa tudo que preciso para a rotina matinal.

Para não esquecer nada, programei meu dia com alarmes no celular. Dona Adriana morre do coração se eu não fizer isso direito; é a maior preocupação dela com a distância.

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