Chapter 1

1.2K 71 26
                                    

— Hoje fazem exatamente dois anos que estou na Nova Zelândia, cursando minha tão sonhada faculdade de engenharia, e também fazem dois anos que eu mal falo com meu pai... Eu sei o que você vai dizer: "Você é egoísta" Mas não é isso. Ele passou muito tempo vivendo pra mim, se privando de uma vida por causa do filho, e agora eu só penso que dei esses dois anos longe de mim como presente, ele merece viver um pouco sem meu peso em suas costas não acha?

O silêncio se instaurou, com o final de minha fala respirei fundo. Era uma coisa que mesmo colocando pra fora continuava ali, eu não sou o cara que se condena e se auto despreza por sua deficiência, não não. Eu me amo assim como sou, passei por tantas coisas que mereço uma parcela de amor próprio. Ainda sim me sentia mal por meu pai e todo tempo que perdeu cuidando de mim. O amo por isso o amo muito, e agradeço todos os sacrifícios que fez, aquela era minha vez de sacrificar.

— Todd? — Chamei, estranhando os cinco minutos de silêncio no quarto. Meu amigo não costumava ficar quieto daquela maneira. — Todd, não começa com suas brincadeiras idiotas.

Após exatamente cinco segundos, ouvi o barulho da descarga do banheiro. Levei a mão ao rosto, suspirando pesadamente. Desabafei com as paredes.

— Falou comigo?

Sua voz se aproximou e balancei a cabeça negativamente.

— Deixa pra lá, bobagem. Eu nem ouvi você sair, poderia ter avisado.

— Ah, para. Vou ficar avisando toda vez que for no banheiro?

— Toda vez não, mas pelo menos agora para que eu não ficasse falando sozinho. Afinal, você tem um amigo cego.

— Cego, mas não burro. Era só prestar atenção nos sons, não é isso que você faz? Audição apurada. Falou sozinho porque quis.

— Não, não tenho uma audição apurada. Apenas tenho uma maior percepção dela pela falta da visão, é normal.

Soltei uma risada rápida. Já não me vejo mais sem o Todd na minha vida. Melhores amigos são para essas coisas. Bocejei brevemente, sentindo a cama afundar, indicando que ele havia se sentado ali novamente comigo.

— Onde está o baseado?

— No cinzeiro aí.

— Mas você apagou?

— Não, só coloquei para ir ao banheiro. — Ele mencionou como se fosse pouca coisa. Talvez por estar um pouco chapado, não estava raciocinando direito.

— Então onde está?

— Eu já disse, no cinzeiro.

— Você estava com o cinzeiro nas mãos. Como vou saber onde colocou? É difícil te aguentar chapado. Ao invés de relaxar, fica um porre.

Ouvi a movimentação e passos pelo quarto, logo o peso do cinzeiro estava sob minhas mãos, segurei o baseado levando até meus lábios, era o que fazíamos para tirar o estresse de saber que a Segunda-feira estava chegando. Joguei meu corpo para trás deitando na cama. O silêncio da república tinha que ser aproveitado antes que fosse apenas uma lembrança boa. Soltei a fumaça por entre os dentes após a segurar alguns segundos dentro de mim e voltei a me sentar inquieto na cama criando coragem para levantar, minha barriga roncava indicando a fome devido estar desde as 5 sem comer. Pela lateral da cama de casal cheguei até o criado mudo onde tateei procurando o celular, minha mão logo esbarrou sobre o retângulo grande, pressionei o botão de iniciar e ouvi a característica voz de mulher robotizada.

São 19:20 Da Noite

Largando o celular novamente no móvel de madeira, estiquei os braços me espreguiçando e lentamente comecei a movimentar meu corpo pelo quarto frio vagando até a porta, deslizei a mão pela maçaneta ouvindo seu suave rangido, me virei para dentro do cômodo na direção que eu presumia estar Todd.

— Vou descer, você vem? Estou com fome

— É, acho que vou sim, mas você vai fazer algo pra mim comer também? Afinal, o baseado foi por minha conta nada mais merecido.

— Você é tão chato, vamos de uma vez.

Conhecia a casa de cór e salteado, o que me permitia andar por ela sem a Bengala tranquilamente. Sai do quarto tocando as paredes e iniciei a descida pela escadaria ouvindo sempre os passos do meu amigo atrás de mim, sozinhos na república, eu e ele. Além de nós moravam a Kiara sua namorada, Dominic, Nádia e a Mia. Era difícil haver desavenças entre nós, sabíamos viver em paz. Passei pela sala diferenciando os ambientes por suas temperaturas, a sala era mais fria do que os demais cômodos. Um barulho atrás de mim fez meu corpo saltar com o susto repentino, parei ouvindo a risada alta de Theodore em seguida.

— Que houve?

— Acho que meu celular acabou de quebrar infelizmente, já temos compromisso para amanhã, compra um celular novo comigo?

— Quebrou a ponto de comprar outro? — indaguei sem muito acreditar, estava para nascer alguém que quebrava mais celulares do que o Todd, se minhas contas estavam certas era o terceiro do ano. —

— Parece que sim a tela esta toda estilhaçada.

— Não sei, pensarei no seu caso e verei minha agenda. — Sorri bobo.

No momento minha preocupação era comer, já começava a ter uma dor de cabeça levemente forte do lado direito. Arrastei meus pés até a cozinha segurando no balcão de mármore gelado, ouvi uma das banquetas que ficavam no chão serem arrastadas por Todd que começou a batucar com as mãos no balcão. Me desloquei pela cozinha já decidido do que iria comer, levantei a mão tocando o armário de cima e abrindo o mesmo passei as mãos brevemente procurando a caixa de cereal, era a maior e eu adorava pois tinham uns relevos de braile na caixa, a puxei deixando sobre o balcão e fechei o armário.

— Eu quero também, faz pra mim Dy?

— Ah não Todd me deixa estou montado na preguiça hoje, não vê? É só um cereal, por Deus.

— Não seja ruim, se você fizer hoje amanhã é meu dia. Se essa amizade não tem nenhum valor pra você...

— Tudo bem!!—  O interrompi antes de iniciar seu característico drama. Mas só se você prometer ficar quieto, estou com dor de cabeça.

Tínhamos essa relação conturbada de amigos sempre jogando farpas, era nossa natureza. Nunca havia tido uma amizade que continha uma ligação tão grande quanto a nossa. Abri a geladeira e na sequência ouvi a voz do Todd:

— Segunda prateleira a esquerda.

— Obrigado.

— Vou pegar as tigelas e talheres, assim não tem como dizer que não fiz nada.

Soltei uma risada falsa enquanto curvei meu corpo pegando o galão de leite, já estava tudo sobre o balcão e ouvi os estalos das tigelas se encontrando na superfície, puxei a primeira Tigela com a mão esquerda e com a direita abri o lacre do cereal despejando em tudo.

— Nossa Dylan você coloca o cereal antes do leite, você pode ser preso a qualquer momento com uma atitude dessas. 

— Você nota cada coisa inútil. O importante é comer e outra, se você coloca o leite primeiro quando for por o cereal vai cair para todos os lados. — Dei de ombros — É só um cereal quer comer ou não?

Após, abri também o leite deixei um dedo na tigela colocando-o, assim, sentia quando o líquido chegasse a borda. E na que faltava coloquei o cereal, empurrei uma na direção da voz, e dei a volta me sentando pronto para comer.

— Onde está o talher?

Não obtive resposta nenhuma mas senti minha mão ser pega e levada deixando sobre o talher, agradeci com um aceno de cabeça começando a comer, e finalmente o silêncio estava entre nós mais uma vez.

Love Isn't Blind, It's RetardedOnde histórias criam vida. Descubra agora