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Você foge disso desde que se entende por gente

Foge disso como o diabo foge da cruz

E você se culpa

Se culpa por ser tão fechada

E por não deixar ninguém fazer parte

Mas esse peso todo não deveria ser só seu

Você lembra que ficava acordada com sua mãe até as três ou quatro da manhã esperando seu pai voltar do trabalho

Mas ele não estava lá desde às seis da tarde

Você lembra de ouvir sua mãe gritar quando ele passava da porta da frente com algum recibo de motel no bolso

Se você fechar bem os olhos agora, vai conseguir lembrar da sensação de se jogar no meio das brigas

Você poderia até sentir o aperto no peito e as lágrimas ardendo nos olhos.

Aliás, você odeia seus olhos

Da mesma maneira que odeia lembrar dos momentos legais que teve em família

Porque no final eles são algo distante demais

Você consegue numerar a quantidade de itens femininos que já encontrou no carro do seu pai, certo?

E você também pode afirmar que nenhum pertencia a sua mãe

Você era tão pequena

Você era realmente tão pequena

Não é sua culpa crescer em um corredor pintado de qualquer coisa que não seja cor alguma

As lágrimas da sua mãe não são sua culpa

O homem que deveria ser seu herói foi embora

mas não está longe

E nada disso é sua culpa.

Você acorda às três da manhã toda maldita noite.

E você não precisa fechar os olhos pra sentir o velho aperto e as velhas lágrimas.

Mas

Não é

E nunca vai ser

Culpa sua

Soffocato Onde histórias criam vida. Descubra agora