III

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As narinas de Jo se dilatavam a cada respiração dada, bufada, ou qualquer outra coisa que saísse de seus pulmões como uma máquina que só queria deixar tudo se esvair, escapar - e deixar com que a noite cuidasse do restante.

Mas a noite era apenas noite. Inerte, somente existia. Não faria nada para ajuda-las.

— Acho que Lind vencerá novamente – a voz tranquila de Eira aguçou os ouvidos de Jo, e seu coração disparou no peito inflamado. A jovem a olhou de esguelha sem ceder à tentação de virar completamente o rosto; precisava manter a raiva dentro de si. Mesmo que durasse mais alguns segundos.

— Ela sempre vence. – murmurou Jo, o queixo apoiado na mão, os cotovelos debruçados na sacada de mármore detalhado em dourado da Sala de Jogos. A brisa deu a ela o presente de um beijo no rosto quente.

— Ao menos ela está se distraindo com algo.

Desta vez Jo virou o rosto à menina, franzindo as sobrancelhas diante às flores e insetos bagunçando em seu estômago com a imagem dela.

— Eu estou me distraindo com alguma coisa. Isso aqui -Jo apontou para a sacada, para a noite. – É distração.

Eira revirou os olhos e soltou uma bufada exasperada. Ela era pequenina comparada à altura da própria Jo, como uma matrioska, os cabelos curtos negros e lisos como a escuridão além, a pele como a pálida luz da lua, as bochechas volumosas rosadas pelo calor lá de dentro da sala. O temperamento de Eira deixava Jo tanto desajeitada quanto irritada, tudo ao mesmo tempo – e bagunçava seus nervos.

Como a Canção do Pássaro, Eira era difícil de transcrever. E linda ao mesmo tempo.

Só que Jo ainda estava irritada.

— Sabe que não adiantará ficar frustrada com a decodificação. – os olhos azuis como as águas que refletiam os céus no verão de Eira observavam o reino adiante. – Lágrimas, desespero, frustração... Não trará nada para nós. Nada para Dryna. – ela fitou Jo.

Jo trincou os dentes, desviando do olhar de reprimenda da menina à noite outra vez.

— Deveria estar com as outras para dispersar as angustias, Joann. – Jo notou, de soslaio, Eira olhar por um momento para trás, para as janelas abertas, onde se escutava a voz de Dryna resmungar com alguma jogada de Lind ou de Florence, o calor do cômodo dando tapas nos ombros de Jo como se dissessem "escute o que ela diz. Venha perder a paciência com o triunfo de Lind, como todas as outras vezes."

Com um suspiro, Eira deixou Jo, voltando à sala. Ela se virou, as costas úmidas no tecido do vestido recostadas à sacada fria, observando a jogatina das meninas. Lind estava com seu sorriso confiante como em todos os jogos, anunciando que tinha, como sempre, sua peça barganha, por longas rodadas, no mesmo jogo – e a mais nova só mudava algumas táticas para não ficar tão monótono ou previsível demais.

Jo franziu os lábios ao ver o entretenimento das companheiras, suas amigas. Todas ali, exceto por Jo, mascaravam suas preocupações com tanta maestria que ela não conseguia fazê-lo, não com tanto êxito, mesmo em cenários tão extremos. Ruinosos.

Mortíferos.

Era uma habilidade que Jo não tinha em comum – nem mesmo para resolução da Canção.

Um movimento crepitante, tremulante como um anuncio, surgiu no canto da visão de Jo – e ela se virou devagar para ele. Ao longe, na longínqua estrada branca em direção aos portões do palácio de Ravaryn, chamas iluminavam o caminho da cavalaria da Guarda Real e seus mensageiros.

As Três Damas da Rainha - um contoOnde histórias criam vida. Descubra agora