Capítulo 1

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   É impossível evitar resmungar enquanto desço as escadas da mansão. Os gritos que parecem vir da sala estão aflorando a minha dor de cabeça.
   – Eu não vou cair na sua conversa afiada, eu sei muito bem o que você está tentando fazer!
   Eu ainda estava há uns bons metros de distância, mas mesmo assim conseguia ouvir pelo tom altíssimo da minha irmã.
   Linne é muito petulante quando quer. Além disso, tem mania de querer controlar absolutamente tudo. É uma bendita maníaca por controle. Um bom exemplo disso é que, mesmo com apenas quinze anos, quer cuidar das finanças no meu lugar.
   Esfreguei as têmporas, exausta por tudo. Então fui até ela, e a encontrei com o nosso advogado, George.
   – George?
   – Olá, Júlia. Bom dia.
   – Bom dia. Algum problema? – se o meu secretário não marcou uma reunião e mesmo assim George estava ali, sim, eu estava encrencada.
   A risada aguda de Linne que veio do nada me assustou.
   – Ele veio tirar tudo o que temos, Júlia! Veio nos roubar, é esse o problema!
   Se aquilo fosse verdade, seria um problema e tanto. Mas eu sabia que o meu advogado nunca faria isso.
   E eu estou ciente de que a recente morte da mamãe afetou quase que completamente o psicológico de Linne, mas eu não poderia aceitar que ela acusasse George de roubo. Ele é praticamente parte da família!
   – Não estou roubando vocês duas, Linne. Apesar de compreender a forma como reagiu, preciso que se acalme e escute o que tenho para dizer até o final.
   – Prefiro que ela não escute absolutamente nada, na verdade – me dirigi a George, mas em seguida encarei a minha irmã – eu não vou permitir que você acabe piorando a situação pelo seu estado atual. Lin, por favor, vá para o seu quarto e nos deixe a sós.
   – Só... só resolva isso – ela disse e logo em seguida me obedeceu.
   Apesar de não entender o porquê de toda aquela discussão, sei que não se trata de qualquer coisa. E mesmo tendo essa noção, me mantenho calma.
   Talvez seja apenas o remédio que venho tomando desde a morte da mamãe fazendo efeito (ele evita que eu acabe pirando), mas ainda assim me sinto surpresa pela minha maturidade. Isso foi a única coisa que restou da pessoa que eu era.
   O meu advogado me encarou. Ele parecia aflito e receoso com o que estava prestes a falar.
   – Desde... bom, você sabe... – balbuciou. Falar sobre a partida da minha mãe ainda é doloroso para todos que a conheceram.
   – A morte da minha mãe? Tudo bem, não precisa ter todo esse cuidado. Eu estou ótima e já aceitei a fatalidade que foi aquele acidente. Lin é quem está fragilizada – digo com ar de superioridade. Eu me sinto péssima falando desse jeito, mas não posso fraquejar. Tenho que ser (ou parecer) forte. Então eu venho maquiando a verdade para as pessoas desde a morte dela.
   Mamãe faleceu devido a um descontrole enquanto estava no volante. O carro dela capotou, e é tudo o que eu sei, porque qualquer informação além dessa seria demais pra mim.
   – Desde a morte dela, tudo vai de mal a pior, Júlia.
   – Como assim? – questionei.
   É muito confuso falar com George. Eu nunca entendia se ele se referia a algo sentimental, econômico, problemas jurídicos ou o que quer que seja. E depois que a minha mãe se foi, qualquer coisa que me digam parece muito confuso pra mim. É como se nada mais fizesse sentido.
   – Eu percebi algumas movimentações, Júlia. Percebi que algo de errado estava acontecendo, mas quando eu finalmente percebi já era tarde demais. E me desculpe por isso, eu falhei. Estava ocupado demais resolvendo o testamento da sua mãe e preenchendo papeladas, pra perceber qualquer detalhe pequeno como o que eu me deparei ontem.
   Como assim algumas movimentações?
   – Eu estou ficando preocupada, de verdade. Mas George, você é um bom advogado e eu sei que conseguirá resolver. Posso pagar mais, se esse for o caso.
   – Não é isso, Júlia – ele disse até eu o interromper.
   – Eu e Linne somos completamente diferentes, caso não tenha percebido ainda. Talvez ela tenha surtado à toa porque você pediu um aumento, mas eu não vou surtar. Eu sei que você tem trabalhado muito, então, apenas diga quanto quer.
   Às vezes ele é meio orgulhoso, então eu realmente preciso forçar a barra. Não quero que ele se sinta obrigado a se adequar a um salário razoável só por gostar de nós.
   – Vocês foram roubadas de fato, Júlia!
   – O quê? – questionei com espanto. Ao ouvir essas palavras, o sentimento que senti na noite da morte da minha mãe me assombrou novamente.
   – Mas não por mim, é claro – se apressou em dizer – eu sei que é tudo muito confuso, mas preciso que me escute e se acalme.
   Me acalmar? Tudo está desmoronando bem na minha frente e você pede para eu me acalmar? – quis dizer, mas ao invés disso eu apenas digo:
   – Ok.
   – Lembra da casa de praia que sua mãe comprou antes de falecer?
   – Lembro, claro.
   E como poderia esquecer? Era a favorita dela.
   – Ontem eu resolvi checá-la, mas só como algo rotineiro, não estava a procura de nada. A questão é que, quando a procurei em uma de suas propriedades, não a encontrei. Não encontrei nada!
   – Mas como? Como tudo sumiu? É impossível, George. Cheque de novo! – ordenei.
   – Eu fiz isso cerca de mil vezes, Júlia. Fiz milhares de ligações, mas nada foi capaz de resolver. Tem algo muito sombrio por trás da história toda.
   – É claro que tem, nós fomos roubadas!
   – Não acho que isso tenha sido um roubo comum, exige muito trabalho e com certeza só pode ter vindo de alguém que já conhece o seu patrimônio, alguém que o conheça o bastante para burlar o sistema sem deixar rastros. As informações que o ladrão usou eram muito específicas.
   – Como você sabe de tudo isso?
   Eu não estou duvidando dele, claro, mas acho bom que não me restem dúvidas. Eu estou num momento delicado e, no mínimo, preciso ficar a par da situação toda. Ele com certeza não ficará ofendido depois de tudo o que Lin já falou.
   – Como já havia dito, fiz milhares de ligações. Um contato de anos conseguiu um IP, mas infelizmente nada do que tenho é prova suficiente para incriminar alguém. Eu sinto muito.
   Como assim não existem provas? Aconteceu um roubo bem debaixo do nosso nariz e não existem provas?
   – Nós não podemos simplesmente entrar na justiça alegando roubo e conseguir tudo o que era meu e da minha irmã de volta? Ou então podemos falar com o seguro! – sugeri. Era uma boa ideia, afinal.
   – Por enquanto não – negou prontamente – porque como já disse, o ladrão utilizou informações muito pessoais. Se a justiça investigar, dirá que foi você quem deu um fim nas propriedades, e eu a garanto, só vai agravar ainda mais a situação. Você pode até levar um processo do seguro.
   – Eu estou arruinada, George. Como isso pôde acontecer? Quem faria uma coisa dessas?
   Quando o encarei, percebi apenas pelo seu olhar que para ele não haviam dúvidas quanto a isso.
   – O seu pai, Júlia. Tudo o que tenho o indica como culpado, e o conhecendo tão bem, ele não hesitaria em tirar tudo de vocês duas se tivesse a chance. Vocês estavam fragilizadas, e eu sobrecarregado. Essa foi a oportunidade perfeita e ele a agarrou.
   – Desgraçado! – gritei.
   Eu não havia chorado desde a morte da mamãe. Linne estava fazendo isso por nós duas, e eu sentia que só precisava apoiá-la. Mas agora? Agora era diferente.
   Linne acabaria sem sanidade mental e sem um teto sobre sua cabeça. E agora nós não temos a mamãe para nos proteger. Nós só temos a mim, e que diabos eu irei fazer para nos tirar dessa quando nem o nosso advogado faz ideia?
    – Eu posso tentar reverter a situação, Júlia. Deve haver algo que posso fazer por vocês duas.
   – Não podemos pagá-lo, George. Mas eu o agradeço por oferecer os seus serviços. Eu irei sentir sua falta – irei sentir falta de todos os funcionários.
   Além de tudo, é inútil. O meu pai idiota não deixaria rastros, seria muita ingenuidade. E como todos que o conhecem já sabem, não existe nada de ingênuo nele.
   – Vou fazer o possível mesmo assim – ele falou e sorriu para mim. Mas no meio da situação, isso não suavizou nada – então é isso, querida... irei manter contato com as duas, e não hesite em me pedir qualquer ajuda. Sabe que estou aqui por vocês, não sabe?
   – Sim, eu sei. E sou grata.
   – Antes que eu vá, preciso que saiba que você precisa deixar essa casa. A qualquer momento alguém pode aparecer e alegar ser o proprietário, porque a essa altura, o seu pai ou quem quer que seja o ladrão, já deve estar vendendo suas propriedades e pegando todo o dinheiro que conseguir. Vou ajudá-la com a mudança e com qualquer outra coisa que seja necessário, eu faço questão. E não se preocupe com isso, iremos resolver.
   – Obrigada – dei um sorriso fraco e toquei o seu ombro.
   Quando George fechou a porta anunciando sua saída, evitar o choro foi impossível.
   Porque eu não posso e não consigo evitar. Eu nunca darei conta disso sozinha.

O contratoOnde histórias criam vida. Descubra agora