Capítulo 3

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   – Está entregue – disse enquanto estacionava.
   – Puxa, obrigada! – sorri – você não quer entrar e comer alguma coisa?
   – Não quero incomodar, sério.
   – Você não vai. Além disso, ainda está cedo e seria legal ter companhia. Posso te apresentar a minha irmã.
   Você sabe como a Linne é, quer mesmo assustar o pobre coitado? penso instantaneamente, mas dou de ombros. Estou pouco me lixando, e se ele não gostar da minha irmã, está fora da minha vida antes mesmo de entrar nela.
   Ele estava prestes a responder, mas o seu celular começou a tocar.
   – Merda – cuspiu.
   – Problemas?
   – São os canalhas do escritório, o que dá no mesmo – ele disse, e em seguida atendeu o celular. Eu precisei colocar a mão na boca para evitar o riso – sim?
   Me acomodei no carro e esperei que ele terminasse sua ligação.
   – Não, Victor, eu não irei voltar para este lugar – elevou o tom – e acho que nem você deveria, pra ser sincero. Sua mulher te espera em casa, meu querido – ele apenas respondia o homem do outro lado da linha e fazia algumas caretas.
   Naquele momento, eu ouvi algo que não gostaria de ouvir. O tal Victor perguntou o por quê de Nicolas ter ajudado a tirar a vadia do palco. E a vadia a quem ele está se referindo sou eu.
   – Vá se foder, Victor. E é melhor nem aparecer no escritório amanhã, considere-se demitido! – Nicolas respondeu, e em seguida desliguei a ligação.
   – E então? – perguntei meio tímida e assustada ao mesmo tempo.
   – Me desculpe por isso... eles queriam saber onde eu estava, só pra me enlouquecer mesmo. Nada demais.
   – Você o demitiu por isso?
   – Eu... já estava meio cheio dele – mentiu.
   – Hum. – respondi.
   Ele estava tentando me proteger ao não me contar? É compreensível... Eu agiria da mesma forma se fosse a Lin no meu lugar.
Até porque, o que os olhos não veem o coração não sente, não é?
   A atitude dele me faz sorrir discretamente. Levando em consideração tudo o que aconteceu esta noite, Nicolas aparentemente é alguém por quem se vale a pena lutar.
   Lute, algo me diz, e eu pigarreio, tentando afastar o pensamento. O quero como um amigo. Só isso.
   – E aí, vamos pedir uma pizza? – sugeriu.
   – Lin adora!
   – Maravilha – ele sorriu.
   Nós dois já estávamos entrando na casa, e só então percebemos que Linne não estava sozinha.
   – Oi! – eu disse ao entrar.
   – Oi, Júlia. Como foi hoje no trabalho? Voltou cedo – minha irmã perguntou enquanto mascava um chiclete.
   – Muito bom – menti para não preocupá-la – quem é o seu amigo?
   Talvez eu estivesse com ciúmes e um pouco brava, mas com toda razão. Lin tem quinze anos, eu a deixo sozinha em casa por algumas noites e ela convida um garoto sem a minha permissão?
   – Davi. Nós estudávamos juntos.
   – Ah.
   – É um prazer – ele disse com um sorriso.
   Eu iria o responder, quando Lin resolveu se antecipar:
   – E o seu amigo? – piscou para mim.
   – Ouvi muito sobre você – Nicolas estendeu a mão e Linne, felizmente, aceitou o cumprimento – me chamo Nicolas e... – ele estava prestes a dizer que iria me ajudar no caso, e eu não podia deixar que Lin soubesse de nada.
   – Ele trabalha comigo – falei, do nada.
   – Trabalho? – ele me olhou desesperado.
   Improvise – movimentei os lábios disfarçadamente. Espero mesmo que ele consiga fazer a leitura labial.
   – Ele é o dono da boate que eu mencionei, lembra? – acabei dizendo.
   – O gay?
   Droga! Não lembrava de ter falado sobre a sua sexualidade.
   – O próprio. Bom... continuem a conversar, nós iremos até a cozinha pedir uma pizza.
   Lin não estava entendendo muita coisa, mas consentiu.
   – Gay? – Nicolas questionou rindo assim que chegamos a cozinha.
   – Desculpa, eu deveria dizer que você simplesmente era um garçom. Nunca falei sobre nenhum para ela, seria mais fácil.
   – Por que não podia ter dito quem eu sou de verdade?
   – Porque se ela descobrir que nós dois iremos tentar recuperar o que foi roubado, vai criar esperanças. E eu não quero que ela tenha esperanças, você entende? Não quero que ela se decepcione. Ela já está passando por tanta coisa...
   – Não se preocupe, eu entendo você. Vamos resolver isso – ele disse com aquela voz calma de novo. Era bom ouvi-la.
   – Obrigada.
   – Não precisa agradecer por nada.
   Eu estava em silêncio, porque não tinha o que responder. Mas a realidade é que eu tinha que agradecer muito a ele. Tudo o que ele tinha feito naquela noite era só me ajudar.
   – Alô? – disse quando a pizzaria atendeu.
   Pedi duas pizzas de frango com catupiry, tamanho família. Talvez eu tivesse exagerado um pouco.
   – Minha favorita.
   – É bom saber – sorri.
   – Você está bem? – perguntou – não parecia muito à vontade quando a gente entrou.
   – E não estava mesmo. É esse tal de Davi, não faço ideia de quem seja, Linne nunca falou dele e pra piorar ela nem pediu permissão para convidá-lo. Tem algo muito suspeito aí.
   – Quantos anos ela tem?
   – Quinze.
   – Ah, não precisa se preocupar tanto. Não me diga que na idade dela você não tinha algum namorado? – ele parece meio incomodado ao questionar isso. Esfrega os polegares nas têmporas e volta a me observar.
   – Não! Eu estava ocupada o bastante estudando. Enquanto isso, tudo o que ela faz é evitar a escola. Dá pra acreditar? – ri.
   – Júlia, preciso que me responda algo muito sério – eu estava imóvel só em ouvir aquilo – como você é a dançarina de pole dance e não a sua irmã? – ele perguntou dando risada.
   – Idiota – dei um tapinha no seu ombro.
   – Você é certinha demais. Tem certeza que está confortável no seu ambiente de trabalho? – ele até parecia preocupado, mas não dava pra chegar a tanto só me conhecendo a sei lá, uma hora?
   – Pra falar a verdade, confortável não é a palavra certa.
   – Então por que continua lá?
   – Eu já falei, necessidades.
   – Tudo bem, mas acho que você não deveria estar num lugar onde não deseja. Ninguém deveria.
   – Assim que eu puder sair, eu vou. Só preciso aguentar um ano,  é um período que passa rápido.
   – Te fizeram assinar um contrato?
   – É, fizeram.
   – É só procurar uma brecha, sabe? Não deve ser tão difícil.
   – Eu aguento um ano. Tá tudo bem.
  Sorrio para ele em gratidão.
   – Júlia, pode vir até aqui? – Linne gritou da sala.
   Quando nós chegamos lá, ela estava sozinha.
   – Cadê o seu amigo? – perguntei.
   – Ele já foi, só veio passar o tempo. Eu queria saber se posso ir até a casa dele amanhã?
   Olhei para Nicolas que estava no outro sofá. Ele parecia se divertir com a cena.
   – Você tem aula – respondi.
   – Depois dela, claro. Por favor, Júlia! Nós só vamos ver um filme.
   – Só você dois?
   Lin estava prestes a responder, mas Nicolas resolveu se meter.
   – Não tem nada demais em assistir um filme com um amigo, tem? – questionou.
   – Não, mas...
   – Mas nada, Júlia! Nós só vamos assistir um filme – Linne disse, insistindo para ir.
   Eu tenho a certeza de que eles não vão apenas assistir um filme, mas se ela estiver interessada nele, é melhor que eu saiba. E pra isso eu preciso que ela confie em mim.
   – Tudo bem, você pode ir. Mas eu quero que me conte todos os detalhes depois – pisquei.
   – Eu vou buscar as pizzas – Nicolas disse, provavelmente para nos deixar conversar a sós.
  Quando isso aconteceu, Linne me encarou séria por alguns segundos, mas logo começou a sorrir. Ela não sorria para mim desde a visita da tia Núbia. Só então percebi que estava prendendo a respiração, e agora estava aliviada.
   – Obrigada por tudo o que vem fazendo. Eu sou grata, mesmo que não pareça.
   Eu nem estava acreditando que ela estava mesmo cedendo, mas precisava aproveitar para amolecer ainda mais o seu coração.
   – Só me diz que você vai, pelo menos, tentar aceitar a nossa vida agora.
   – Eu vou.
   A abracei forte. Era bom estar em paz com ela de novo.
   – Pizza! – Nicolas entrou na sala segurando as duas caixas enormes.
   – Acho que a gente exagerou um pouquinho – acabei dizendo.
   – Imagina, eu como uma dessas sozinho – Nicolas respondeu.
   – O que você é? Um animal? – Linne perguntou enquanto gargalhava.  Ela pareceu simpatizar com ele.
   – Tipo isso – ele disse.
   Estávamos num momento bom, apenas curtindo. Eu estava aproveitando para conhecer Nicolas melhor, e falando sério, eu até confiava um pouco nele.
   Ele foi solidário comigo, ofereceu ajuda e tratava a minha irmã bem. Ele não tinha obrigação de nada disso, mas estava ali. E eu apenas sorria ao vê-lo por perto, porque ele, sim, é uma boa pessoa.

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