Corações petrificados - Parte 2

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   O garoto derrepente estava lá, no chão, desacordado. A sua pele estava branca como a neve e seus olhos obteram uma estranha coloração roxa. Do nada, todos perceberam a situação e foram socorrê-lo, sem entender o porquê da queda tão brusca.
   A professora imediatamente ligou para os paramédicos, que vieram correndo olhar o garoto. Aly me abraçou forte, pressionando sua boca em meu pescoço, e então disse baixinho nos meus ouvidos:
   -Não se preocupe, ele... vai ficar bem. Eu sei o que ele tem.
   Os paramédicos chegaram em seguida, olharam o garoto desacordado. Eles o analisaram cuidadosamente, e olharam um para o outro, em um aparente sinal de desaprovação. Viram então que ele estava usando outra blusa por baixo, a tiraram rapidamente, se olharam de novo. Um deles se virou pra professora e a disse suavemente, com um falso sorriso:
   -Ele vai ficar bem, acordará em breve.
  A professora balançou a cabeça em consentimento, e ele foi levado pro hospital. Eu realmente fiquei curiosa pra saber o que aconteceu, mas sabia que Aly definitivamente não iria me dizer, com receio de me preocupar. Eu não sou a pessoa mais inteligente do mundo, porém tenho certeza de que eu sou capaz de racionalizar o que pode estar acontecendo com aquele garoto. Eu sou dona de investigar as pessoas em redes sociais.
  Investigando, eu tive um completo fracasso. Não há postagens com legenda, compartilhamentos de posts, quase nada. Só uma foto, de quando ele era um pouco mais novo. E, afirmando com toda certeza, ele estava muito mais gordo que quando eu conheci. Eu decidi ir até o hospital, definitivamente não sou capaz de esquecer isso e fingir que nada aconteceu.
   Troquei de roupa, arrumei meu cabelo, e fui:
   -Olá, gostaria de visitar um paciente.
   -Qual a data da entrada? - A recepcionista disse em tom baixo.
   -Hoje, pela manhã.
   -Qual o nome do paciente?
   -Astro.
   A mulher me olhou nos olhos reciosa:
   -Ala 26, sala 31. Seja breve, por favor.
   Eu me dirigi lentamente ao local indicado, e ao olhar o vazio daquele lugar...eu me sentia mal. O clima melancólico dali me deixava em calafrios. Até onde alguém que passa vários dias numa cama de hospital é capaz de sorrir? Continuei andando na direção da sala que me foi descrita.
  Eu cheguei, bati na porta três vezes e então entrei. A cena que se passava diante dos meus olhos era a mais remota possível, e nunca teria passado pela minha cabeça.
  Astro estava no leito com um soro na veia, e, ao seu lado, com um suéter preto de mangas longas e uma calça jeans colada, estava Aly, em pé parado e com suas mão no queixo em análise mental do que via à sua frente. Ele se virou pra mim, com expressão de contida surpresa.
  -O que está fazendo aqui? - me indagou.
  -Pergunto o mesmo, mas que bom que está aqui.
  Eu ainda me perguntava os motivos de Aly pra estar ali, mas a presença dele me confortava muito. Eu o abracei aliviada.
  -Mas me diga, o que faz aqui? - Perguntei.
  -Eu vim entender porquê esse acéfalo passou mais tempo do que deveria sem se alimentar... aliás, isso eu já entendi antes que vc interrompesse a explicação dele, o que eu não entendo é o motivo pelo qual ele acredita que nós não íamos nos importar com o fato dele desmaiar do nada na nossa frente.
  Foquei meus olhos em Astro, ele não estava mais pálido como quando desmaiou, mas notei algo que me norteou rapidamente. Olhando o corpo dele, percebi que estava bem menos gordo do que quando o vi pela primeira vez.
  -O que aconteceu com você? - perguntei.
  -Por que fala como se importasse? - Ele respondeu ríspido, mas com uma lágrima nos olhos.
  -Eu vim aqui por minha própria vontade pelo simples fato de me importar, não é suficiente?
   O silêncio o tomou por alguns instantes, sua expressão facial deixou bem claro que seu orgulho havia sido derrotado.
   -Hipoglicemia...
   -E porquê vc ficou tanto tempo sem se alimentar?
  Digo com certeza que nem os mais proficientes construtores seriam capazes de imprimir uma martelada tão forte quanto a que minha consciência sofreu com as palavras que saíram da boca de Astro nos momentos seguintes...
  -Porque eu estou cansado!! Cansado desse corpo, cansado de ser olhado com nojo, cansado de provocar olhares de pena e desprezo por onde ando!! Estou cansado de ser comparado com mamíferos marinhos, com objetos redondos e enormes, de ser taxado como feio, preguiçoso, ridículo, anti-higiênico, eu tô cansado de tudo!!
  Seu olhar odioso e triste me penetrou alma adentro, seu gelo congelou meus sentimentos a ponto de me sentir com uma pedra dentro de meu peito. Sua pele ficou pálida e espessa no mesmo instante, e seus olhos ficaram novamente roxos, eu abracei Aly com força, o mesmo me acolheu entre seus braços.
  -M...me desculpe... Por favor... - olhei quase a chorar
  -Não se preocupe, se vc conseguiu dar pra esse cara sem se apaixonar... eu consigo ser magoado sem levar pra vida toda.
  Naquele momento, Aly foi completamente tomado por uma tensa, surpresa e amedrontada expressão:
   -C...Como você sabe disso??
  Astro pareceu estar bravo consigo mesmo como se tivesse falado mais do que queria falar:
  -Bem, vocês vivem grudados, dá pra saber que já tiveram algo além de amizade.
  Aquilo não me convenceu de jeito nenhum, era bem óbvio que ele havia descoberto aquilo de algum jeito. Eu não nego, eu fiz isso mesmo, e não me arrependo, o Aly é o garoto mais excitante que eu já conheci, e só de pensar naquele jeito frio e sexy eu ja fico realmente molhada. Eu perdi a virgindade com ele e foi ótimo, ele sempre me deixa segura com tudo. O detalhe é que não tinha nenhum jeito de Astro saber daquilo tudo apenas pelo tempo que já havia lhe sido dado pra nos conhecer. De qualquer forma, eu já havia descobrido por quê ele estava ali e nosso tempo de visitação já havia acabado. Sendo assim, apenas nos despedimos e fomos embora, Por estar muito tarde, Aly me levou até em casa. Eu dei um abraço nele, ele me olhou bem nos olhos:
   -Acho que precisamos daquilo de novo...
   -Concordo.
  Ele me abraçou de novo e foi embora. Hoje foi um longo dia. Eu preciso mesmo descansar.

 

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