Prismas rumo á escuridão

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Após recuperar suas forças, Aly lembrou-se finalmente de que temos aula hoje, e então ligou pra seu motorista e ordenou que levasse apenas seu uniforme pra escola no horário de costume, já que o mesmo aproveitaria a oportunidade pra usar as roupas que compramos ontem.
Aly sempre foi vaidoso, na verdade até demais. Ao me perguntar porquê ele sabia o que Astro tinha quando desmaiou, e também o motivo de ser um dos primeiros a chegar no hospital, lembrei-me de que ele também emagreceu com uma facilidade incomum, nas férias do ano retrasado. Aly nunca desmaiou por um motivo que desconheço, mas tenho certeza de que as inseguranças dele e de Astro são por motivos parecidos.
A verdade é que hoje em dia as pessoas fazem loucuras pra se encaixarem nos padrões de uma sociedade cruel e doentia. Sociedade essa que prega a felicidade como algo alcançável apenas para os que se encaixam em altos padrões de estética, riqueza e classe social.
O Aly consegue ignorar opiniões sobre praticamente tudo. Moral, atitudes, amizades, etc. Mas o chão fica mais embaixo pra ele quando se trata de sua aparência.
Após sair do banheiro já tendo tomado banho e trocado de roupa, fui então e me arrumei logo após, e fomos pra escola.
As aulas da minha escola são de fato interessantes, mas isso perde a graça quando os professores tentam dar aula pra gente como se fôssemos universitários e nos tratam como os seres mais inteligentes do mundo. Me matricular na escola particular foi uma das coisas mais acertadas que meus pais fizeram, mas eu preferia estudar numa escola pública se isso significasse passar mais tempo com eles. Eu realmente sinto falta disso.
Ao terminarem as duas aulas antes do almoço, fomos liberados pro intervalo. Aly estava bem animado hoje, dentro, é claro, das suas comuns características. Astro estava mas quieto que o habitual, porém sem estranhamento por parte dos professores, já que não se espera muita animação de alguém que acabou de tomar alta de um hospital.
Eu estava andando normalmente pelos corredores, até que a cordenadora Jannet me parou no corredor:

-Seus pais precisam falar com você, vamos até a coordenação.

Me senti naquele momento realmente preocupada, já me perguntando se algo que eu fiz teria agora me gerado consequências. Acompanhei então a mesma até a coordenação, e, chegando lá, vi os dois sentados, com uma aparência sorridente, o que me aliviou bastante, livrando-me de boas preocupações:

-Oi, meu anjo! Estava com saudades! - Meu pai exclamou, Alegre por me encontrar ali.
-Oi, pai! Também estava com muitas saudades... - o abracei forte, muito feliz de reencontrá-lo.
-Oi, querida, você está bem?
-Sim mãe, estou, senti saudades! - a abracei em seguida.
-Mas por quê vocês vieram até aqui?
-Nós vamos nos mudar, amor. O seu pai recebeu uma proposta muito grande na cidade ao lado. Viemos aqui iniciar seu processo de transferência.

Aquilo realmente tirou meu chão, e o dia que até então estava interessante derrepente virou um pesadelo pra mim. Eu dificilmente me adaptaria a viver e em outro lugar, e, ainda mais, dificilmente me adaptaria a viver sem Aly.
-O quê? Como assim?! Vocês já não estão ricos o suficiente? Passam o tempo todo fora de casa, e agora ainda querem modificar ainda a minha vida atrás de mais dinheiro?
-Seu pai se tornou um dos médicos mais disputados desse país, Akyra!! Que motivos você tem pra esperar que ele não esteja sempre ocupado?
-Ah vai saber né... eu jurava que o fato dele ser meu pai devia indicar que ele precisa de tempo pra passar comigo!!
-Akyra...
-Não, pai. Isso realmente é decepcionante.

Comecei então a me decair em lágrimas, saindo daquela sala e deixando todos ali plantados. Isso realmente não importava pra mim. É ridículo o modo como o os pais simplesmente decidem ignorar os sentimentos e necessidades da própria filha. Eu fui então correndo procurar o Aly, e não o encontrava em lugar nenhum.
Fui então à biblioteca, e o encontrei procurando um livro. Eu o abracei forte, e ele retribuiu meu apertado abraço, sem dizer nada. Eu apenas chorava em seu peito a me perguntar se eu tinha feito algo cruel ou egoísta o suficiente pra ter que derrepente abandonar todos os meus amigos e ir pra outra cidade.
Após me acalmar, Aly se sentou numa cadeira da biblioteca e me pôs em seu colo, e, me abraçando, me perguntou porquê eu estava tão chorosa. Eu respirei fundo e dei a ele a notícia.
Uma lágrima caiu de seu olho, sua expressão de decepção despedaçava ainda meu coração já partido, mas o mesmo mantinha a calma, buscando ser o melhor pra mim, e me tranquilizar, como ele sempre faz.
Eu o olhava e passava minha mão em seus lisos fios de cabelo com tristeza, e limpava de seu rosto as poucas lágrimas que saíam de seus olhos. Aly me perguntou então quando eu de fato me mudaria, e se isso era permanente. Eu disse a ele que não fazia idéia, apenas sabia que eles tinham ido na escola iniciar meu processo de transferência.
O mesmo conhecia as regras da escola como poucos, e apenas balançou a cabeça num contido e pequeno alívio, e me puxando para seu colo novamente, me abraçou forte, me olhou entre lágrimas e disse calmamente, com um leve sorriso:
-Se acostume, nessas próximas três semanas eu vou me grudar em você e aproveitar sua companhia como se não houvesse amanhã.
  Eu dei uma leve risada enquanto limpava com a manga de meu casaco mais uma lágrima que descia do rosto do mesmo:
-Não se preocupe, meu demoniozinho, vão ser as semanas mais felizes de minha vida!

O abracei confortávelmente, e ele me deu um leve selinho.
Eu ainda estava profundamente decepcionada com aquela situação, mas os braços de Aly aqueciam até as partes mais internas de mim, e me tranquilizavam como poucas coisas e pessoas no mundo.
Eu ainda tinha bastante a descobrir sobre essa mudança, mas as despedidas seriam a pior parte, e acho que Aly era o melhor pra ter comigo nesses momentos.

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