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"Eu nunca fiz nada com moderação"

| MODERATION, Florence and The Machine |

Ellie

A tinta respingou na minha camisetinha. Eu tinha escolhido uma roupa velha e feia para pintar a parede da sala, porque não queria estragar nenhuma peça legal. Ainda pensei que minha calça de moletom e pés não sairiam sujos, mas eu conseguia ser mais desastrada que uma criança. Depois de passar o rolo apenas duas vezes na parede, a tinta roxeada saltou direto para meu pescoço e escorregou antes que eu pudesse tirá-la com a mão — embora tivesse certeza que sujaria bem mais desse jeito.

Pelo menos eu estava protegendo meu piso laminado, perfeito e chique, o qual me custara praticamente uma fortuna. Havia colocado alguns jornais debaixo e vez ou outra já abaixava com um pano úmido para tirar os respingos nos rodapés. O ambiente precisava ficar em ordem, porque eu não teria muito tempo de ajeitar pela semana.

Eu já estava decorando o apartamento há um mês depois de juntar uma boa graninha. Ainda que amasse a decoração da minha tia por ser nostálgica, não podia ficar com o piso rangendo, as paredes mofadas e riscadas (confesso que eu era uma criança bem criativa), os móveis antigos cheio de cupins. Eu estava mudando aos poucos conforme o dinheiro entrava na conta.

Havia colocado Moderation da Florence and The Machine para tocar na playlist do meu celular. Dançava de um lado para o outro, o rolo pingando sobre os jornais e também sobre os meus pézinhos descalços. Mas eu não me importava tanto assim. Desde que o meu trabalho estivesse terminado antes de escurecer, tudo o que vinha antes seria parte da experiência.

A noitada de ontem ainda martelava na minha cabeça. Trick Hall me acusara de ser "sem graça", e eu não podia negar que concordava. Geralmente não ficava presa em comentários desse tipo, mas algo no meu subconsciente me deixava inquieta. Seria alguma crise antes dos trinta? Eu queria alguma emoção da adolescência, ou até mesmo do início da minha primeira faculdade, porque nada estava fazendo sentido na minha vida.

Toda segunda-feira de manhã eu precisava ouvir meus alunos da University of Calhoun contando suas aventuras do final de semana. Amanhã não seria diferente. Eu chegaria, sentaria no piano Bosendorfer, separaria o material do dia e ficaria de ouvido nas suas histórias. "Eu e meu pai fomos para um cruzeiro", Franklin diria. "Eu toquei em um musical na faculdade do meu irmão", Martha contaria um pouco depois. "Fiz três tatuagens novas em homenagem aos países que visitarei final do ano", Theo, que já era praticamente um gibizinho, mostraria seus braços à turma.

E eu diria o quê? "Ah, fui em uma festa sem gente desconhecida para me mostrar algo novo e meu melhor amigo me ofereceu seu antigo trabalho só porque achou algo melhor." Realmente eu era muito chata e sem novidades.

A música do meu celular parou de repente e, no lugar daquela melodia, começou a tocar o som estridente de alguma chamada. Eu não fazia ideia de quem estava me ligando, mas só de interromper minha música, a pessoa em questão entrava na minha lista negra. Peguei o aparelho e visualizei o nome de Phill na tela, seguido da sua foto descabelado.

— Espero que o seu assunto seja bem urgente, porque você atrapalhou a melhor cantora do mundo — disse assim que atendi.

— Ellie — ele soou meio ofegante. — Estou pegando um ônibus agora. Eu precisava mesmo falar contigo, meu amor.

— Você quer alguma coisa, não é? — adivinhei de cara. O rolo estava suspenso na minha mão. — Diz logo, porque estou ocupada.

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