Devíamos fugir!

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O apertado galpão onde as garotas da ‘boate’ ficavam estava claro. Diferente do usual. O dia finalmente estava ensolarado e pequenos raios de luz entravam pelos buracos das lajotas no alto das paredes.

As garotas dormiam espalhadas pelo chão, com seus colchonetes e cobertas finas — e tão esfarrapadas que mal davam para cobri-las. Mal tampava o frio infernal da ilha.

O grande portão de aço foi aberto por Hunter. Ele bateu a arma neste, fazendo um barulho estrondoso. Muitas delas levantaram assustadas. Outras, como Hwasa, continuaram dormindo. O homem alto e ruivo andou entre as meninas acordando uma por uma. Parou em frente a cama improvisada de Hwasa e deferiu-lhe um chute forte no abdome.

— Acorda, princesa!

Hwasa se contorceu de dor. Apertou os olhos e levou as mãos ao local onde doía. Ela soltou um grunhido e sentou com dificuldade. O homem que observava tudo com um sorriso no canto do lábio se agachou ao seu lado, passou a arma em seu rosto e sorriu sem humor.

— Você não devia ter irritado a chefia, princesa. Quem brinca com fogo, se queima — disse baixinho e se levantou.

— Acordem! A hora de dormir acabou! A ‘boate’ não vai se limpar sozinha! Não me façam voltar aqui.

Ele saiu do espaço apertado. Deixou o portão aberto e ao poucos as meninas começaram a sair em direção a ‘boate’. A maioria ali vivia no piloto automático, não tinham mais esperanças de serem salvas, ou de, um dia, escapar daquele inferno com vida. Viviam monotonamente a mesma rotina havia anos. Não dá para culpá-las, qualquer pessoa perderia a humanidade se submetida a esse tipo de vivência.

O dia estava calmo, a ‘boate’ fora limpa antes do horário de almoço. Hunter e mais dois capangas trouxeram o almoço das garotas: uma marmita do restaurante da frente, cuja comida era tão sem gosto, quanto a servida em hospitais.

— Se você imaginar ser outra coisa conseguirá comer. Com o tempo você se acostuma — disse Solar simpática.

— Acredito que não — retorquiu Hwasa, grosseira.

Hwasa encarou o prato e engoliu o vômito antes que chegasse a boca. Wheein se aproximou rindo sem censura e parou ao lado de Hwasa que estava sentada na escada ao lado do palco acompanhada de Solar.

— O que foi? A comida daqui não é sofisticada o suficiente para você? Poxa! — Wheein debochou. — Já que o almoço não atende suas necessidades, deixa que eu como.

Wheein pegou o recipiente do colo de Hwasa e saiu. Quando passou por uma lixeira despejou-o fazendo questão de encarar Hwasa enquanto o fazia; Solar se levantou, mas Hwasa impediu que ela fizesse alguma besteira em seu nome. Do outro lado da ‘boate’, Wheein e seu grupinho ria.

Hwasa levantou-se e foi — junto de Solar — para o galpão que faziam de quarto.

— Eu não sei como você consegue. Como pode viver aqui? — disse Hwasa indignada entrando no pequeno galpão velho e empoeirado.

Solar deu de ombros e continuou seguindo-a. Ela encostou em um canto e observou Hwasa sentar-se em seu colchonete. A garota pôs a mão sobre o abdome —, provavelmente ainda doía onde ela havia levado um chute.

— Devíamos fugir — concluiu. — Podemos fazer isso. É só planejarmos e…

— E o quê? — Solar suspirou. Você acredita mesmo que ninguém aqui tentou fugir? Poucas saíram vivas dessa aventura. Algumas apanharam até a morte. Não tem como sair daqui, nem se eu quisesse poderia sair e eu fui informada disso quando entrei. Sem favoritismo.

— Vai se foder com esse seu otimismo. Merda! Qual a droga do problema de todo mundo aqui? Nós conseguimos — Retrucou exaltando-se. Hwasa se levantou e pôs-se a andar de um lado para o outro. O semblante pensativo transparente em seu rosto conduziu Solar a questionar-se do que se passava na cabeça da morena. Hwasa por fim parou. Suspirou e colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha deu um meio sorriso. Tinha um plano formado.

— Okay — disse se sentando ao lado de Solar. Tem que ter alguma saída de emergência por aqui. Meu tio é engenheiro e lembro dele me dizer que todo prédio possui uma saída em caso de incêndio. Seja um alçapão, um duto de ar ou qualquer coisa do gênero. Temos que procurar.

— Posso saber o que vocês estão tramando? Procurar o quê, novata? Uh? — especulou Wheein entrando no galpão com a corja de seguidoras logo atrás. O trio parecia sentir prazer em atormentá-la.

— Meu brinco — respondeu Solar, rapidamente.

— Hm… É bom que saibam, que aqui não é o quartinho secreto de vocês. Se eu descobrir que estão tramando algo, irei entregá-las ao Hunter.

— Você é tão suja quanto eles! Acha mesmo que se agradar a chefinha ela vai te tirar daqui? — Hwasa sorriu em deboche. Acorda para vida! Nós só não somos obrigadas a nos prostituirmos porquê receio que aquela nojenta ainda tenha um pouco de dignidade. Isso aqui não é a porra de uma colônia de férias e você foder com a dona do inferno não fará com que você saia dele. Ela só está te usando — retorquiu. A voz carregada de ódio.

Wheein olhou de relance para suas amigas e sorriu sem humor. Seu corpo agora tomado pela raiva de ter sido confrontada pela novata, deixou de ser racional. Ela andou elegantemente — como sempre — até a morena, deu a volta na cadeira em que Hwasa estava sentada e puxou seu cabelo fazendo com que a morena se levantasse. Hwasa se esquivou, mas sem percepção prévia do que viria, sentiu um soco atingir seu abdome que ainda doía desde mais cedo. Solar entrou no meio e empurrou Wheein, puxou Hwasa. As amigas de Wheein se prontificaram para defendê-la, mas esta fez um gesto com a mão recusando.

— Você está ficando louca? Deixa a gente em paz! Você já deixou ela sem a refeição de hoje, quer o quê? Que ela morra? — esbravejou Solar verificando em seguida se a nova amiga estava bem!

— Não seria má ideia. Por enquanto, eu só estou deixando um recado! Não será essa merdinha aí que tomará o lugar que lutei para conseguir aqui dentro. Posso não ser tão importante, mas entre nós, eu mando! Vocês me devem respeito, ou Hunter e a chefinha serão atualizados de algumas fofoquinhas. Espero não ter que avisar novamente! Vamos meninas — elas se viraram e saíram comentando o acontecido.

Hwasa lagrimejava pela forte dor que sentia, e Solar fez o que pode para ajudá-la. Inclusive dar um analgésico que havia na caixinha de primeiros socorros, mas foi o máximo que conseguiu visando que elas mal tinham o básico para um humano sobreviver.

Enquanto isso, não muito longe dali…

— Estou fazendo os balanços e analisando os novos ganhos, não quero dar certeza de nada, mas os resultados têm se mostrado positivos em relação às mudanças que fizemos. Acredito que a tendência seja continuar melhorando. Enfim, quando eu tiver novidade entro em contanto novamente. Até mais.

Moonbyul desligou a ligação e soltou o celular sobre a mesa. Caminhou pela sala pensativa. Sua mente a levara para algum lugar distante. Ela andou até a cozinha onde abriu uma garrafa de vinho. A bebida estava em temperatura ambiente, ideal ao seu gosto.

— Chloe! — gritou.

Alguns segundos depois, uma mulher de aparência latina, baixa e esquelética apareceu. Usava uma roupa toda preta e um avental branco e bordado detalhadamente. No bolso que havia no meio do avental, seu nome gravado em preto: Chloe Sullivan.

— Prepare um banho quente para mim, por favor — ordenou. Levou a taça de encontro aos seus lábios.

A mulher concordou com um aceno de cabeça e saiu.

Between Us || HwabyulOnde histórias criam vida. Descubra agora