II - Suficiente

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Kirishima simplesmente detestava hospitais. Era difícil descrever exatamente o seu ódio por aqueles lugares, mas ele não conseguia se acalmar. Deitado numa maca, com praticamente cada centímetro de seu corpo coberto por bandagens, ele se via mais tenso do que o normal.

Seus amigos haviam o visitado horas antes, mesmo que não fossem autorizados a saber a razão que o levara àquele estado. Kirishima sabia que estavam preocupados, mas fazia parte de seu trabalho manter informações sobre o caso em sigilo, mesmo que seus amigos o olhassem com aqueles semblantes preocupados.

Talvez fosse por aquela razão que ele se via mais e mais deprimido a cada segundo que se passava.

Se seus amigos não soubessem o que tinha acontecido com ele, com Fatgum e Rappa, eles não eram capazes de entender, não eram capazes de simpatizar e compreender os sentimentos do ruivo. Kirishima honestamente não sabia se queria que soubessem, pois quanto mais pensava no ocorrido, mais ridículo e fraco ele parecia aos seus próprios olhos.

Ele quebrara. Unbreakable quebrara. Kirishima se viu numa situação de vida ou morte e ele falhou. Se houvesse sido mais forte, se houvesse aguentado mais um pouco, se não fosse tão covarde e tivesse reagido antes, se não fosse tão fraco, talvez Mirio não tivesse...

Kirishima sabia que era idiotice culpar-se pelo que acontecera com seu senpai, mas não conseguia evitar. Algo no fundo de sua mente carcomia-o por inteiro, insistindo em sussurrar que sim, havia sido culpa dele, pelo menos em parte. Fatgum não teria se machucado tanto, Midoriya não teria se machucado tanto. A situação com Mirio poderia ter sido evitada. Talvez, se eles conseguissem acabar com Rappa mais rapidamente, pudessem ter chegado a Overhaul e a Eri.

Um suspiro escapou dos lábios do ruivo, e ele encarou seus braços enfaixados com os olhos lacrimejando. Fora um grande esforço não chorar quando seus amigos estavam no quarto, mas naquele momento? Ele só queria permitir-se quebrar por dentro, mais uma vez. Mais uma vez entre muitas.

Houveram batidas em sua porta, e ele segurou sua respiração. O horário de visitas estava quase no fim, e a maioria de seus colegas de classe já o haviam visitado. Os únicos que não estiveram lá foram Midoriya, Uraraka, Tsuyu e...

Certo. Bakugou.

A porta logo se abriu, sem que o visitante esperasse uma resposta, e as dúvidas de Kirishima logo foram respondidas quando ele se virou. O loiro estava lá, parado no batente, uma de suas mãos ainda segurando a maçaneta.

Kirishima não disse nada; esperou Bakugou fechar a porta e sentar-se em uma das cadeiras próximas à maca.

O ruivo suspirou, piscando rapidamente para afastar suas lágrimas. De todas as pessoas, não queria que Bakugou fosse aquele que o visse naquele momento de fraqueza. Não queria mostrar-se ainda mais fraco do que o loiro pensava que ele era.

― Antes que você pergunte, eu não posso contar o que aconteceu. ― Ele disse, interrompendo Bakugou, que já havia aberto sua boca para falar. O loiro a fechou novamente, um gesto que indicava que Kirishima deveria continuar o que quer que tinha para dizer. ― Eu já disse isso pros outros, eles vieram em visitar mais cedo. Eu não posso dar nenhum detalhe da missão ou do que exatamente aconteceu. ― Ele disse, finalmente olhando para Bakugou. ― Eu não disse isso para os outros, mas... Eu quebrei.

O loiro arqueou as sobrancelhas, surpreso, incrédulo. Abriu a boca, mas fechou-a logo em seguida, por falta do que dizer. Kirishima sentiu seus olhos marejando novamente, a confissão soando ainda mais como um fracasso quando dita em voz alta.

― Unbreakable... falhou. ― Ele continuou. ― Eu falhei. Se eu tivesse sido mais forte, se eu...

As lágrimas que ameaçavam cair finalmente o fizeram, mas as bandagens no rosto de Kirishima as impediram de correrem por suas bochechas.

O quarto foi preenchido por soluços, Kirishima evitando olhar para Bakugou. Não poderia deixar o loiro vê-lo naquele estado. O silêncio tenso e angustiado permaneceu por mais algum tempo, e o ruivo não se sentia nem um pouco mais tranquilo.

― Você venceu, não venceu? ― Bakugou quebrou o silêncio. ― De que importa se você quebrou no processo? Você venceu. Você ainda está aqui.

Kirishima respirou entrecortado. As lágrimas escorreram com mais determinação. Não disse nada.

― Você praticamente salvou um herói profissional, pelo que eu ouvi. Me disseram que de Fatgum tivesse tentando aguentar por mais um segundo... ― Bakugou continuou. ― Vocês dois estariam num estado muito pior. Mortos, talvez.

Kirishima se recusava a olhar para o loiro. Sua voz, tão incaracteristicamente calma, baixa, quieta. Não conseguiria aguentar os sentimentos estampados nos olhos escarlates do outro, sabia daquilo.

― Você tem uma licença, Kirishima. ― Ele disse. ― É por um motivo. Se você não se acha o suficiente, e você tem uma licença, o que você acha de mim?

Kirishima fechou os olhos, afundando seu corpo na maca. ― São coisas diferentes, Bakugou. ― Ele disse, voz pouco mais quando que um murmúrio. ― Você sabe que é.

A mão de Bakugou entrou no campo de visão do Kirishima, e por um momento ele pensou que levaria uma explosão na cara. Fechou os olhos, endurecendo seu rosto, mas a agressão nunca veio. Pelo contrário; a mão de Bakugou repousou nos cabelos do ruivo.

― Não é, não. ― Ele disse. ― Você venceu, Kirishima. Se você voltou, é o suficiente, não? Você cumpriu a missão.

― Minha missão não era voltar, Bakugou.

― Era, sim. Pra mim.

Kirishima respirou entrecortado, abrindo os olhos lentamente. O rosto de Bakugou esbanjava uma calmaria rara, como se estivesse ali só para o conforto do ruivo.

Ele suspirou, um leve sorriso agraciando seus lábios. ― Obrigado, Bakugou. ― Ele disse. ― Não sabia que você conseguia ser tão....

― Tão o quê, Kirishima? ― Ele perguntou, sua voz já voltando para seu tom raivoso habitual, um pequeno sorriso maníaco surgindo.

― Tão adorável. ― Kirishima disse, alongando a última palavra para tirar sarro do loiro. Se viu capaz de rir novamente ao ver a expressão de Bakugou, grande parte da tensão deixando seu corpo.

Seu peito parecia mais leve, era mais fácil respirar e ele não tinha que se esforçar para segurar as lágrimas.

― Se você não tivesse todo quebrado, eu te daria uma surra. ― Bakugou murmurou.

― Tão considerado, menino explosão. ― Kirishima sorriu. ― Vou até chorar aqui.

― Eu sou considerado. ― Ele cruzou os braços. ― E não vem chorando pra cima de mim.

― Você é alérgico à emoção, biribinha?

Bakugou bufou, desviando seu olhar de Kirishima, que sorria para ele. ― Eu não gosto de te ver se lamentando desse jeito, é irritante e é patético.

Por aquele momento, Kirishima era grato pelas bandagens em seu rosto, que fizeram um ótimo trabalho em esconder a vermelhidão de suas bochechas e orelhas. Sorriu abertamente para Bakugou, mesmo que o loiro não pudesse ver sua boca.

O outro pareceu perceber o gesto, pois revirou os olhos diante da felicidade de Kirishima e não pôde esconder um pequeno sorriso, também.

ÍmpetosWhere stories live. Discover now