III - Incaracterístico

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― Merda. ― Kirishima murmurou, sentando-se no chão, ao lado de Bakugou e Kaminari. Segurava sua "máscara" em suas mãos, o cenho franzido em irritação.

― Cara, não fica assim. ― Disse Kaminari, ajoelhando-se ao seu lado. ― Foi golpe sujo o que eles fizeram.

― E daí que foi golpe sujo, Kaminari? ― Kirishima perguntou, a voz subindo de tom levemente. ― Vilões não jogam limpo. Se fosse real, eu teria sido pego.

Kaminari não disse nada. Ergueu-se, lançado um olhar para Bakugou.

Desde que Kirishima começara seu estágio com Fatgum, o humor geral do garoto havia mudado muito. Até Kaminari, que não se considerava uma pessoa especialmente observadora, havia percebido.

Não eram mudanças drásticas, mas todos os dias, Kirishima parecia um pouco mais cansado, um pouco mais sério, principalmente nas aulas práticas; ele mesmo percebera, mas não conseguia evitar.

― Kirishima. ― A voz de Bakugou chegou a seus ouvidos, e o coração do ruivo acelerou um pouquinho.

Não ergueu a cabeça para olhar para o outro, porém. Não tinha forças para aguentar o que quer que Bakugou tinha a lhe dizer. O loiro sentou-se ao seu lado, mas não disse nada.

Kirishima admitia que estava muito tenso nas últimas semanas. Desde o resgate de Eri, desde o que acontecera no hospital, desde que o que acontecera com o Mirio. Poderia ter sido ele, e talvez, se ele tivesse sido mais forte ao enfrentar o Rappa, se tivesse sido mais rápido... Talvez ele e Fatgum pudessem ter impedido.

Sabia que tinha que parar com os "talvez" e com os "e se", mas ele não conseguia. Tantas coisas que fizera na vida que poderiam ter dado errado. A missão e Kamino eram só alguns dos casos. Quantas vezes Kirishima não se entregara à emoção, quantas vezes ele deixara de pensar numa situação de perigo....

Mas ele estava certo, no final das contas. Vilões não jogavam limpo. Vilões não batiam fraco, não esperavam você resolver seus problemas, não paravam a luta se você hesitasse. Vilões não dão a mínima para o que acontece do outro lado da lei, eles não poderiam se importar menos com o que se passa dentro do coração dos heróis que enfrentam. Por isso, quando você está em uma situação de vida ou morte, quando você está em campo, perfeição é requisito, não opção.

Ele percebera isso, em Kamino. Quando aquele homem assombroso surgiu das trevas, pronto para enfrentar All Might, todos eles sentiram. A sensação de morte, arranhando-os em suas nucas e sussurrando tragédias em suas mentes.

Sentiu os olhos de Bakugou saindo do telão onde passava seus colegas de classe contra a 1-B. Sentiu as duas orbes escarlate fixando-se em seu rosto, mas ele não queria olhar. Bakugou tinha algo a dizer, como sempre, e Kirishima não estava com o humor para ouvir.

Ele sentiu uma mão batendo em suas costas, a força usada era suficiente para que o local ficasse vermelho. Olhou para o loiro ao seu lado, que o encarava com uma expressão séria.

― Você está certo, idiota. ― Ele murmurou. ― Não podemos cometer erros.

Kirishima estava meio contente em ouví-lo concordando com ele, mas sua mente instantaneamente viajou para o acampamento.

Era fato que Bakugou pensava que ele fora sequestrado por sua própria culpa, e Kirishima sabia que ele não poderia estar mais errado, mas mudar as ideias na cabeça de Bakugou não era tarefa fácil, quem dirá possível.

― Não foi por erro seu. ― Ele disse, franzindo o cenho enquanto encarava o loiro. ― Você não deveria ter passado por aquilo, não tinha como estar preparado.

Bakugou sorriu, como se tivesse acabado de ganhar uma longa e calorosa discussão. ― Então pare de se culpar por qualquer coisa que dá errado na sua vida, seu retardado. Pare de ter pena de si mesmo. É irritante pra caralho e esse mau humor não combina com você.

Kirishima tentou franzir o cenho, mas o orgulho infantil de Bakugou era fascinante demais para que ele conseguisse ter uma expressão séria em seu rosto. O loiro ergueu uma de suas mãos para bagunçar os cabelos espetados do ruivo, e levantou logo depois, como se aquele ato não houvesse sido extremamente incaracterístico.

Ele sentiu seu coração acelerando-se em seu peito, e afundou o rosto em suas mãos, querendo evitar que os outros vissem a vermelhidão de suas bochechas diante de um acontecimento tão simples.

Bakugou fazia tudo em ímpetos; momentos precipitados e impulsivos, vezes com força violenta. Kirishima conseguia lidar com a raiva do garoto, conseguia lidar com o fato de que às vezes a língua dele era mais rápida que a cabeça, que ele carregava raiva em forma de pólvora dentro de si, e tudo que precisava era uma minúscula faísca para que ele explodisse em ira. Ele conseguia lidar com o pavio curto, a boca suja e os punhos perpetuamente cerrados. Conseguia lidar com o cenho franzido e os gritos, conseguia lidar com a zanga de seus olhos escarlate, que parecia queimar a todo o tempo.

Bakugou, porém, também era uma pessoa complexa, cheia de nuances e áreas cinzas em sua personalidade, e era aquilo que conseguia ferrar com a vida de Kirishima. O ruivo conseguia lidar com a personificação da raiva, conseguia lidar com uma dinamite ambulante, mas o que ele deveria fazer quando as chamas de Bakugou se reduziam, o que poderia fazer quando o fogo de seu coração tinha o intuito de apenas iluminar e aquecer a vida de Kirishima? O que ele poderia fazer quando o garoto não era pura cólera, o que poderia fazer quando aquele rosto de irritação quase perene se abrandava e emanava somente a beleza de um raio de Sol?

Kirishima estava frustrado, em todos os sentidos da palavra. A existência de Bakugou Katsuki o frustrava fortemente, era injusta e enlouquecedora. Como um ser humano poderia ser a personificação de uma explosão, Kirishima ainda não conseguia compreender.

Suspirou, esfregando o rosto e erguendo os olhos para o telão, tentando se concentrar no teste de seus colegas de classe. Ouviu uma leve risada ao seu lado, e não estava feliz ao encontrar os olhos bicolores de Mina ao erguer seus próprios.

As sobrancelhas da garota dançaram em seu rosto, insinuando algo, como se conseguisse ler Kirishima como um livro aberto. ― Cala a boca, Mina. ― Ele murmurou, sentindo seu rosto esquentar.

A garota riu. ― Eu não disse nada! Por que você está na defensiva, Kiri? ― Ela perguntou, sentando-se ao seu lado e mexendo com as sobrancelhas novamente. Ela ergueu um pouco a voz. ― Por algum acaso esse humor estaria minimamente relacionado com um certo colega de classe? Por um acaso essa pessoa tem olhos ve...

Kirishima rapidamente cobriu a boca de Mina com uma de suas mãos. ― Você sabe que eu te amo, mas eu quero muito te assassinar agora. ― Ele disse, e a garota sorriu com os olhos.

― Ah, Kiri, isso não é muito heroico. ― Ela riu, quando ele finalmente soltou o rosto dela.

Kirishima desesperadamente queria que Mina estivesse fazendo o teste agora, mas ela era parte do último grupo que participaria, e ele teria de aguentá-la por muito tempo, principalmente quando fosse a vez da equipe de Bakugou.

― Você deveria me apreciar mais, Kiri. ― Ela disse, deitando a cabeça no ombro do garoto. ― Mas eu sou uma pessoa incrível, então eu vou te ajudar nessa longa jornada do amor. Você está sendo convocado para uma reunião hoje à noite. Vamos discutir sobre o seu probleminha.

Kirishima revirou os olhos, mas não contrariou a garota. Quem sabe ele realmente precisava de ajuda, pois não sabia quanto tempo mais seria capaz de aguentar os ímpetos misteriosos de Bakugou Katsuki.

ÍmpetosWhere stories live. Discover now