Capítulo 07

5 1 0
                                    

VII
ALEC

JÁ DISSE QUE ACHAVA HARRIET INTROMETIDA? Pois é, ela era muito intrometida. Queria sempre decidir o que fazer na minha vida, mas, no fim, eu acabava concordando com ela. Eu nunca tive muita atitude. Harriet estava tentando me ajudar a ser dono de mim.

Depois que ela entrou em minha vida, eu nunca tinha pensado o que queria fazer depois que terminasse os estudos. Sinceramente, eu havia guardado dinheiro para, no fim, não saber no que investir. E depois que ela deixou minha vida de cabeça para baixo, eu comecei a planejar. De repente, comecei a ver o que aconteceria em minha vida depois de alguns anos.

Não sei dizer como isso aconteceu, mas aconteceu. Transformei-me e, ao mesmo tempo, continuei sendo do mesmo jeito. Tenho os mesmos princípios e os mesmos pensamentos, gostando das mesmas músicas e de fazer as coisas que sempre fazia. Era estranho, mas bom ao mesmo tempo.

A primeira vez que subi ao palco, Harriet estava comigo. Vomitei e ela foi comigo no banheiro para me acalmar. Naquele momento, eu entendia seu nervosismo com a faculdade. Havíamos invertido os papéis. Eu era o ansioso e ela estava me acalmando.

Recordo-me de que seus avós e minha mãe também estavam lá. Quando consegui subir no palco, Harriet me acompanhou e fingiu fazer a segunda voz. Ela não era muito boa cantando, mas estava lá me acalmando. Na segunda música me acalmei um pouco e, na terceira, ela já não estava mais ao meu lado. Depois, não vi mais nada. Só pensava nas notas, nas músicas e em cantá-las. Foi bom demais, pois mesmo me acalmando, a adrenalina ainda dominava meu corpo.

Depois da primeira apresentação, eu não conseguia mais parar de pensar na música. Ela se tornou minha vida e algo que me trazia tudo o que estava faltando sem que eu soubesse o que era. Simplesmente preenchia o que estava vazio.

Tocar se tornou minha terapia. Harriet me mostrou que eu podia tocar para muitas pessoas, e a música me mostrou que eu podia me comunicar com as pessoas sem precisar realmente falar com elas. A forma que tocava e cantava passava a mensagem do que eu estava sentindo.

Harriet, aos poucos, não pode ir às minhas apresentações que aconteciam durante a semana. Ela estava estudando e tinha que se dedicar. Eu não me ressentia por ela não estar indo, mas sentia sua falta enquanto olhava para as pessoas espalhadas pelo bar. Ela sempre chamou atenção. E não era por causa de seu cabelo enferrujado e cheio, mas Harriet cantava muito empolgada todas as músicas, mesmo desafinando o tempo todo.

Ela se tornou meu alicerce, sem se dar conta disso.

Aquele era um dia diferente. Estava completando 13 anos que ele havia morrido. Avisei Harriet que não poderia vê-la, pois teria que sair com a minha mãe. Estar tocando, subindo no palco, me fazia recordar muito dele, e o que eu senti nos primeiros anos depois de sua morte havia voltado com força. Meu pai também tocava e o primeiro violão que toquei tinha sido o dele.

Lembrar-me dele me levava sempre à noite de sua morte, a tristeza de minha mãe e como os anos seguintes foram difíceis. Tanto eu quanto minha mãe precisávamos dele, mas tivemos que nos virar para seguir em frente. Sua vida foi interrompida no meio do caminho, mas a nossa não. O luto demorou muito a desaparecer, até que entendemos que tínhamos que seguir adiante. E seguimos.

Eu tinha poucas recordações dele, mas havia uma em especial que eu nunca esqueci, apenas a escondi em minha mente, quando o vi tocar para minha mãe uma canção. Eu não me recordava qual era a música, mas havia decidido que algum dia tocaria a mesma música e naquele mesmo ritmo para alguém.

Saímos cedo, estava chovendo forte. Vesti meu casaco preto e o coturno, minha mãe usava um sobretudo que Harriet havia lhe dado no dia do seu aniversário. Quando chegamos ao cemitério, havia uma floricultura aberta do lado de fora; minha mãe foi até lá para comprar uma muda de flores e eu a aguardei na entrada, olhando para a rua parada. Chuviscava sobre nós, mas estávamos tão anestesiados com o sentimento que pouco notávamos.

Alriet - Quando o Amor AconteceOnde histórias criam vida. Descubra agora