Relato 001 (1/3) - Chamas da Vida

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Índia, Nova Delhi - 02/01/2020 - 09:47.

A quem for de interesse.

Prezados,

Sou operário da Mão há cerca de 2 anos e embora as experiências providas pelo novo ofício sejam psicologicamente degradantes (o que notavelmente tem afetado meu trato social), ainda assim tenho o sonho de constituir família e me estabelecer em algum lugar calmo para me aposentar com tranquilidade. Foi quando localizei, em busca de uma criança para adoção, uma possível garota extraordinária em um orfanato local de Nova Delhi. Ontem mesmo uma das cuidadoras me informou a respeito do caso no qual esta jovem estava envolvida.

Um de seus colegas (visivelmente perturbado) ateou fogo ao cadáver de um pombo morto. Não se sabe como ou onde ele conseguiu aquela garrafa de álcool. Ao passo que ele dançava com as chamas da fogueira improvisada, a pequena Lisa (nome dado pelas anfitriãs pois ela diz não lembrar) encarava fixamente o garoto e o corpo do pombo a partir da janela de seu quarto, inclusive se recusando a comer para assistir o evento, conforme câmeras de vigilância local. Também foi possível notar que seus labios proferiam palavras rápidas, embora eu não tenha conseguido fazer a leitura labial pelo ângulo de captura. Envio o vídeo em anexo a este e-mail para maiores análises.

Outros meninos desceram de seus aposentos e vieram avaliar a façanha nesse período, mas ao se aproximarem, se deram conta de que o corpo do primeiro estava transpirando em excesso e mesmo sem fôlego, ele continuava dançando e saltando como se estivesse em transe. Foi quando após um mal súbito ele tombou com o peito logo acima da fogueira, extinguindo as chamas. Quando as enfermeiras se aproximaram aos berros desesperados dos infantes, descobriram uma parada cardíaca no rapaz.

Conforme relatos, alguns garotos e mesmo Martha (cuidadora plantonista daquele dia) alegam ter visto o pombo sair voando enquanto o menor era socorrido. As gravações das cameras externas corroboram esta versão, mostrando o cadáver rastejar de forma capenga e ainda em brasa para fora do campo de visão da câmera. Aos fatos: Não localizei o corpo do animal no perímetro da cena, embora eu tenha guardado uma das penas parcialmente incinerada comigo.

Quando questionada a respeito do seu comportamento inusitado, Lisa alega ter feito o que era justo, já que o próprio garoto tinha matado o pássaro, devolvendo a vida a quem era de direito. A garota se encontra agora sob observação e cuidados psicológicos enquanto faço as buscas sobre o histórico da jovem. Os outros garotos preferiram não dizer mais nada sobre o caso. Encerro este relato por aqui, mas creio que a garota não seja uma ameaça, se for realmente a responsável por tal façanha. Fico no aguardo de maiores instruções.

Vigilo Confido

Protocolo: Mão NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora