Relato 001 (3/3) - Estado de Alerta

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Índia, Nova Delhi - 13/01/2020 - 07:43.

A quem for de interesse.

Prezados,

Estive nesses últimos dias junto a uma equipe de resgate, auxiliando as vítimas das explosões a escaparem dos escombros com toda uma brigada de paramédicos, bombeiros e outros voluntários. As equipes foram divididas por zonas, e fiz o possível para ficar naquela do meu maior interesse. E foi quando minhas suspeitas finalmente se confirmaram. O orfanato foi atingido.

Os desabrigados foram levados para uma escola comunitária a cerca de 15km do epicentro da explosão, enquanto os feridos eram encaminhados para hospitais próximos. Busquei em cada uma daquelas crianças, já falecidas ou ainda vivas naquele estado deplorável, a face da jovem, porém sem sucesso. Tal esforço em vão era desolador, mas ao mesmo tempo ainda alimentava a chance dela estar viva. Sem corpo, sem óbito confirmado.

Também fiz questão de avaliar entre os documentos empoeirados a possibilidade da jovem ter sido adotada. Havia uma pasta específica, a qual mostrava a última adoção realizada, cerca de 4 meses atrás. Lisa ainda estaria sob a responsabilidade do orfanato.

Dois dias de buscas infrutíferas se passaram e decidi ontem abandonar a equipe e ir aos abrigos, em minha última esperança de avistar a garota. Imaginei que se não estivesse entre os destroços, estaria nos acampamentos. Barracas se estabeleceram nos pátios dos colégios, e revirei cerca de três ou quatro deles até encontrar alguém que pudesse me ajudar no caso. Foi quando encontrei Martha, viva, porém ainda em estado de choque. Após algum tempo de conversa trivial para tranquilizá-la, transcrevo e comento abaixo um trecho de interesse do nosso diálogo, o áudio da gravação será enviado em anexo a este relatório.

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- Martha, como sabe eu estou em busca de uma criança, a que vocês nomearam Lisa. Sabe me dizer do paradeiro dela? Estive pessoalmente nos destroços do orfanato, revirando o local por dois dias e não vi nem mesmo um pertence dela. - Nesse momento estávamos sentados em um trecho da arquibancada, mais distantes do resto dos desalojados. Era fácil ver muitos olhares curiosos voltados para nós, ainda mais que eu ainda trajava o uniforme dos voluntários nas buscas.

- Não... ela não estava mais conosco... Um homem a adotou... - Seus lábios tremiam e o olhar vazio parecia indicar que ela estava trazendo algo da memória turva, visivelmente abalada. A fala pausada parecia ter cada palavra meticulosamente escolhida.

- Que homem? Pra onde ele a levou? - Nesse momento tentei ao máximo manter a calma e não transparecer meu nervosismo. Imaginei que ela estivesse mentindo, ou tivesse perdido a garota com a confusão. Foi preciso muito esforço para trazê-la até esse assunto, e eu precisava continuar ditando o ritmo da conversa para entender o que estava se passando.

- Eu... eu não lembro muito bem... Ele tinha um sotaque arrastado, parecia ser latino... E ofereceu uma boa doação, além de facilitar todo o processo de adoção. Você sabe que estamos sempre precisando de doações e não podíamos simplesmente recusar... - Ela começou a falar sequencialmente, sem sequer um momento de pausa, e então não consegui mais me controlar.

- Nome, Martha. Eu preciso apenas do nome. - Interrompi ela bruscamente. Admito que minha paciência já estava se esgotando com a mera ideia de que ela podia ter praticamente vendido Lisa, mesmo tendo ideia de sua situação delicada e do meu interesse na menina.

- Ele disse se chamar Alejandro Tadeo... Nos deu os documentos todos, nos assegurou de que cuidaria bem dela, proveria assistência médica, psicológica e tudo o mais

- Que parte do EU ESTAVA LÁ você não entendeu, Martha? Eu não encontrei NENHUM documento que comprove o que está me dizendo. Você quer que eu acredite que você simplesmente largou uma criança nas mãos de um completo desconhecido por dinheiro, é isso? - Resolvi apertar a desgraçada, forçar a mulher a falar. Se isso realmente aconteceu eu precisava saber mais sobre esse homem. - Sabe que tráfico de pessoas é crime, não sabe?

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A mulher entrou em prantos e a conversa precisou ser encerrada. Fomos interrompidos pelos responsáveis que me julgaram importunar "a pobre mulher" e logo fui enxotado da escola.

Aos Operários da Mão, mantenham-se atentos. Não se sabe se esse Alejandro possui completo conhecimento do que a garota é capaz de fazer e quais suas intenções com a pequena. Que nossa sorte nos ajude.

Vigilo Confido.

Protocolo: Mão NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora