Capítulo Um

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Tinha pernas da cor de chocolate enroladas na minha cintura quando vi, pela minha visão periférica, que algo não estava bem. A rapariga de caracóis infinitos agarrava os meus cabelos com força e mordia o meu ombro, mas nem isso me impediu de ver, do outro lado da estrada, uma situação demasiado frequente. Foquei-me, por mais uns segundos, no que estava a fazer, por um lado porque a minha atenção tinha sido roubada de mim e, por outro, porque o frio estava a deixar as minhas pernas fracas. Tinha as calças nos tornozelos, afinal.

Quando ouvi o grito final da rapariga que me rodeava, senti-me também a enfraquecer. Não demorei, então, a pousá-la no chão e a levantar as calças de ganga que decerto se tinham sujado naqueles meros minutos. Admitidamente não era o meu momento mais digno: fazer sexo num beco entre dois bares, na rua mais popular da cidade? Não sabia o que tinha passado pela minha cabeça, além das curvas imensas e dos caracóis escuros da rapariga que agora me sorria desleixadamente e, com um piscar de olhos, se afastava de mim.

Respirei fundo, tentando acalmar a adrenalina que corria pelo meu sangue, e afunilei a minha visão na situação que me tinha distraído ao início. No outro lado da estrada, estava uma rapariga de cabelos que, da distância em que me encontrava, pareciam pretos, a caminhar calmamente pela rua. Atrás dela, no entanto, estava o que me chamou a atenção. O homem que todos os seguranças de todos os bares daquela rua desprezavam, por ser demasiado conhecido em armar confusão com toda gente. Por isso e por ter uma tendência idiota em aproximar-se de raparigas sozinhas.

Estava prestes a perguntar à rapariga se queria companhia, ou ajuda, quando vi tudo a acontecer.

Dan agarrou a rapariga pelo cotovelo e tentou virá-la para trás, preparando um sorriso que certamente ele considerava cativante. Da minha perspetiva – e nem imagino da perspetiva da rapariga – era simplesmente nojento e perturbador. Mordi o meu lábio inferior e dei um passo lento em frente, vendo como tudo iria desencadear numa distância grande o suficiente para que ele não me notasse, mas curta o suficiente para intervir se fosse preciso.

- Olá, menina bonita. – Dan cumprimentou, arrotando alto. A pobre rapariga não conseguiu controlar a sua cara de nojo.

- Desculpe? – ela tentou puxar o seu braço de volta, mas eu sabia que Dan era mais forte do que parecia e por isso dei outro passo.

- O que é que estás a fazer sozinha? – arrotou outra vez e percebi que apertou um pouco o braço dela – Estas ruas são perigosas para uma menina tão bonita como tu.

Revirei os olhos até ao fundo da minha cabeça.

- Ah... - ela olhou para baixo, claramente não sabendo o que responder. No entanto, notei que a sua mão direita, a sua mão livre, estava a enfiar-se na sua mala. Esperava que ela não precisasse da minha ajuda, que se conseguisse defender sozinha. Não porque não teria coragem de intervir, mas porque aumentaria a minha fé no sexo feminino. Far-me-ia acreditar que nem todas eram como ela.

- Vem! – Dan arrotou mais uma vez – Eu pago-te uma bebida.

Mais um olhar nervoso da rapariga levou a que eu desse mais um passo em frente. Estava preparado para avançar e retirar a mão do bêbado da rapariga quando, de repente, a mão direita dela solta-se da mala e algo faz com que Dan cambaleie para trás. Spray pimenta, talvez?

- Estúpida! – Dan gritou, levando as suas mãos aos seus olhos, esfregando inconsolavelmente.

Sorri para mim próprio, sadicamente. Dan devia estar preso.

Infelizmente, a rapariga não conseguiu avançar passos suficientes para fugir completamente de Dan. Ele não demorou a recuperar da dor inicial – um processo acelerado pelo hábito, calculava eu – e a correr atrás dela, pronto para a castigar. Com um olhar à volta, percebi que a rua estava demasiado lotada para alguém querer saber do que se estava a passar. Isso e todos os seguranças estavam demasiado ocupados a lidar com os seus bêbados e as pessoas que regularmente tentavam entrar sem permissão. Com uma respiração profunda e resignante, decidi avançar.

Devagar Se Vai ao LongeOnde histórias criam vida. Descubra agora