Ane Marie (1842~1856)

22 6 9
                                    

Ela estava levemente consciente, sabia que eram seus passos que subiram a cadeira, mas parecia que uma força a empurrava, sua mente estava em branco, seus olhos azuis vazios miravam a corda presa ao lustre no teto, ela passou a corda pelo pescoço e pulou, nesse exato segundo sua consciência despertou e começou a gritar "Não! EU NÃO QUERO MORRER!". Mas já era tarde...

Ela mordeu a língua.*
- Ai!
- Senhorita, você está bem? - pergunta a criada.
- Estou, acho que mastiguei rápido demais o café da manhã.
Ane Marie estava sentada a mesa do café na sala de jantar de sua casa, ela estava divagando sobre alguma coisa... mas realmente agora não se recordava, estava sentindo muita dor em sua língua e tentando realmente entender como aquilo aconteceu.
Sua mãe bufou, ela estava de muito mau humor ultimamente.
- Mastigue como uma dama Ane Marie, tenha bons modos a mesa. - disse severa.

...

Após a refeição, Ane pegou um livro. Normalmente ela não gostava de ler, mas aquele livro era especial. Sua capa descascada e velha impossibilitava a visualização do título. Ela gostou especialmente daquele livro porque imitava um diário, escrito num mundo de fantasia confuso e incrível, e ela queria saber o que aconteceu com o protagonista, seu gênero, idade... ela se imaginava naquele mundo, temendo as criaturas estranhas que rondavam a casa nova que o protagonista se mudou, percebendo que haviam segredos em seu porão, acordando na madrugada com a sombra no quarto, era sombrio e excitante, mas ela sabia que não era real. Não havia nada de novo na casa onde morava, era mais afastada da vila e luxuosa, mas só. Uma garota no campo não possuía passatempo nenhum, enquanto o piano não fosse construído em sua nova casa ela ficaria entediada.
Quando ela achou aquele livro durante a mudança, ela imaginou se fosse um diário em branco e se poderia escrever nele, mas ao começar a lê-lo ficou na dúvida se era mesmo literatura ou os delírios de um louco, a cada página insana, ela teve a certeza que era um livro de literatura sombrio. Começou a lê-lo sem ninguém ter conhecimento pois com certeza iriam considerar uma "literatura adulta" e uma mocinha como ela não deveria ler essas coisas. Ela pegou o livro e continuou a leitura:

"8 de Agosto de 1854
Essa manhã eu vi um gato albino no meu jardim perto da horta, ele era incrivelmente lindo, ao me aproximar percebo que um pássaro em sua boca, eu tento convencê-lo a me dar o pássaro para poder enterrá-lo, mas o animal arisco me arranha a mão e foge. Gostaria de domesticá-lo, mas receio que será difícil
9 de Agosto de 1854, 3 a.m.
O gato está miando fora sem parar, me impedindo de ter uma boa noite de sono, mas o que me intriga além dos sons que arranham meus tímpanos são o fato de serem tão altos, um gato conseguiria miar tão alto assim?
Às vezes tenho o pressentimento de que o mesmo está miando dentro e fora de casa ao mesmo tempo, teria a casa uma rachadura grande na parede que eu ainda não verifiquei?
7:30 p.m.
O gato desapareceu, nem sequer um miado mais pelos arredores, mas ele deixou um pássaro morto na mesa de jantar antes de sumir."

Ane sentiu um arrepio, achava as mini-histórias diárias tão interessantes! Ela esfregou os braços para se aquecer, Embora a capa fosse esfarelada, o ano do livro era de dois anos atrás. Teria sido escrito realmente há dois anos? Era intrigante.
A tarde passou lendo o livro, já estava em mais da metade.
"Como irá acabar?"
Ela ouviu a criada solicitando sua presença na sala de jantar.
"Só mais um capítulo"
Ao virar a página ela percebeu que a caligrafia geralmente impecável estava um garrancho e que havia manchas de tinta na página, como se houvessem sido escritas com pressa:

"(Borrado) de 1854
Tem alguém ao redor da minha casa, e está tentando me matar..."

*Nota: Para quem não entendeu, pessoas enforcadas com o impacto da corda quebram o pescoço e/ou mordem a própria língua.

Contos da Casa Mal-AssombradaOnde histórias criam vida. Descubra agora