Hora certa, lugar errado.

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Eu estava tão ansiosa que mal conseguia me conter. Minha vontade era a de sair gritando e pulando pela casa.
Há doze anos eu nutria um amor absolutamente platônico por aquele homem, que sempre fora casado, mas hoje não era mais.
Quando nos conhecemos eu era muito jovem, nem tinha idade para me relacionar com alguém. Hoje eu estava com 29 anos e não deixaria essa chance escapar.
Depois que recebi a mensagem de sms em que Théo me dizia que estava na cidade ao lado e queria me ver, depois que soube que havia se divorciado e a primeira coisa que fez foi me procurar, não tive dúvidas. Cancelei um compromisso marcado para aquela noite e mudei todo o meu plano de ação.
A roupa que era para ser basiquinha no encontro anterior, agora teria que ser look de diva, nada menos que isso.
Eu já estava de banho tomado e com a maquiagem quase pronta.
Sequei meu cabelo, carreguei um pouco mais na make, aumentei o Black Eyed Peas que tocava no rádio e fui para o quarto me vestir.
Abri meu guarda-roupas e passei a analisar cada peça com cuidado. Eu não queria parecer uma pirigueti, mas também não queria passar a mensagem de desleixada.
Avistei em uma das prateleiras meu vestido favorito. Era curto, mas não indecente. Tinha um decote que valorizava o busto, mas não era vulgar. Era justo, na cor nude, cintura marcada e uma sútil manga curta que ajudava meu braço a parecer mais fino. Era perfeito!
Me vesti, me olhei no espelho de todos os ângulos que se possa imaginar e gostei muito do resultado. Para compor o visual, calcei sandálias de salto fino, em acrílico transparente. No pescoço coloquei minha correntinha de ouro, com o pingente da letra do meu nome, e na orelha um brincão enorme, bem perua.
Passei a mão em minha bolsa e chequei o que estava levando. Carteira, cartão de crédito, dinheiro, cnh, batom, escova de cabelo e escova de dentes.
Estava pronta.
Parei em frente ao espelho e o pânico tomou conta de mim.
-Faz três anos que não nos vemos. O que eu vou dizer?
Fiz uma pausa momentânea, respirei fundo e pensei: é agora ou nunca.
-Vamos lá Duda, seja você! Ele te conhece há mais de 12 anos. Basta ser você!
E foi com esse pensamento positivo que saí do meu quarto, batendo a porta atrás de mim.
Desci as escadas de granito cinza, com cuidado para não tropeçar. Sempre fui muito desastrada.
Abri a porta da garagem e olhei com alegria para o meu Audi Q7 azul, com bancos de couro na cor creme. Me agradeci mentalmente por tê-lo mandado lavar no dia anterior. Se o Théo quisesse dar uma volta, eu não ia passar vergonha com um carro sujo.
Abri a porta do motorista e me sentei. No mesmo instante lembrei que não seria seguro pegar a estrada com um salto tão alto. Deixei meu sapato no chão do carro e calcei um chinelo para dirigir com mais conforto até lá. Aquele chinelo sempre ficava rolando dentro do meu carro para me salvar nestas ocasiões.
Eu estava nervosa, tanto pelo encontro quanto por pegar a estrada. Devido aos meus 19 graus de miopia e do glaucoma, eu evitava dirigir em autoestradas, por pura insegurança, por ter ouvido a vida toda que eu não era capaz de fazer aquilo.
-Duda, não seja ridícula, você tem carteira de motorista, e não foi comprada! Liga já esse carro e vai!
Já na estrada a caminho do meu encontro, eu podia ver o sol se ponto no horizonte. Essa é a hora do dia que eu mais amo! Pedi a Deus, mentalmente, que eu fizesse uma boa viagem e que tudo desse certo.
Liguei o som bem alto e coloquei tocar o cd da banda do Théo. Ele é guitarrista em uma banda famosa de pop rock. Esse é um dos motivos pelos nossos inúmeros encontros e desencontros.
Eu estava tão eufórica que queria abrir os vidros e gritar, mas não podia. Então passei os 120km do trajeto cantando todas as músicas com a voz mais alta que eu conseguia, enquanto batucava minhas unhas vermelhas no volante.
Chegando na entrada da cidade, parei no acostamento e coloquei o endereço do hotel no gps. Aproveitei e mandei uma mensagem para o Théo, avisando que estava chegando. Perguntei se era para eu descer ou se ele queria dar uma volta. Ele disse para eu descer.
Antes de seguir, fiz uma ligação para meu amigo João, que trabalhava com Théo em alguns eventos e que foi o responsável por esse reencontro.
- John, estou quase chegando! Me deseja boa sorte.
João era incrível. Ele riu e apenas disse:
-Ruiva, aproveita! Divirta-se! Mulher bonita não precisa de sorte.
Respirei fundo e, com as duas mãos no volante, segui até meu destino.
Quanto mais eu andava, mais meu estômago embrulhava. Em certo momento pensei que ia vomitar de ansiedade, mas graças a Deus isso não aconteceu.
Avistei o hotel no fim da rua. O lugar parecia um castelo enorme, com um jardim muito bem cuidado na parte da frente.. Liguei o pisca alerta e dobrei à esquerda para acessar o estacionamento. Parei meu carro em uma vaga bem perto da entrada. Quando ia saindo um funcionário do hotel veio correndo e abriu a minha porta. Ele usava um daqueles uniformes com luvas brancas. Muito chique!
-A senhorita precisa de um carrinho para carregar suas bagagens?
Respondi prontamente que não iria me hospedar, que uma pessoa estava me esperando.
O rapaz fechou a porta do meu carro e eu percebi que ele olhou rápida e disfarçadamente para os meus pés. Só então lembrei que eu estava usando havaianas.
Pedi licença e voltei para dentro do carro para colocar minha sandália. Aproveitei para espiar no retrovisor se meu cabelo estava em ordem.
Com tudo nos conformes, apanhei minha bolsa, fechei o carro e segui em direção ao saguão do hotel.
Subi alguns degraus de pedra, passei por uma vertente de água que saía do meio de algumas plantas e rodei na porta giratória. Me vi dentro de um salão enorme, cheio de tapetes e muito bem decorado com quadros e peças de arte que deveriam custar uma fortuna. Reparei que, no canto esquerdo, ao fundo, tinha um piano maravilhoso. Eu amo piano!
Caminhei até o balcão olhando para os lados na tentativa encontrar um rosto conhecido por ali.
A atendente estava no telefone. Era uma moça jovem, loira de olhos azuis e usava um terninho preto. Ficou me olhando dos pés à cabeça enquanto encerrava a ligação. Ao desligar, ela disse, mal olhando para mim:
-Que era para ti?
Respondi que o hóspede Theodoro Branch estava me esperando.
A recepcionista arqueou as sobrancelhas, verificou o número do quarto na tela do computador e fez a ligação enquanto, agora, me analisava com mais cuidado. Lógico que ela sabia quem era Théo Branch e estava pensando que aquilo era golpe de fã para entrar no quarto de um pop star.
-É para você subir. Quarto 902. O elevador fica naquele corredor, à esquerda.
Agradeci, virei as costas e segui andando, na certeza de que ela ainda estava olhando para mim.
Enquanto eu procurava o elevador, reparei no corredor muito bem decorado, iluminado e com um tapete tão fofo que meu salto afundava quase que por completo.
Parei em frente a grande porta de aço, apertei o botão e ela imediatamente se abriu. Entrei, toquei o número 9 e, assim que a porta se fechou, virei para o espelho e comecei a me arrumar. Abri a bolsa, desesperada, revirando tudo o que tinha dentro em busca do que eu precisava naquele momento. Eu estava com pressa. Não queria que a porta se abrisse e o Théo me pegasse escovando o cabelo.
Retoquei o batom, passei mais perfume e ajeitei minha franja. Me olhei, virei de lado, de costas.
-Puta que o pariu Duda, você é muito gata!
Após repetir essa frase, mentalmente, por diversas vezes, a porta do elevador se abriu. Veio o pânico e a ânsia de vômito outra vez.
-Calma, calma, calma. Tá tudo bem. Seja você mesma.
Saí do elevador repetindo essas palavras em voz baixa, como uma louca que fala sozinha.
O 902 era bem no fim de um enorme corredor um tanto quanto sombrio.
Fui andando, como se flutuasse. Era difícil até para raciocinar. Eu não acreditava que estava ali, há poucos metros da pessoa que amei sozinha, por mais de doze anos.
Parei em frente a uma enorme porta na cor bege, com uma maçaneta dourada tão linda que dava vontade de enfiar na bolsa e levar para casa. O número 902 estava lá, estampado e brilhante.
Por trás da porta eu conseguia escutar um leve barulho de uma televisão ligada. Exitei por alguns segundos.
-Vamos lá Duda, não seja um rato. Bata logo nessa droga de porta!
A voz que vem de dentro da minha cabeça é muito crítica comigo e passa o tempo todo gritando coisas que devo fazer.
Arrumei o cabelo mais uma vez, puxei o vestido para baixo, ajeitei meus peitos dentro do sutiã e passei as duas mãos na minha bunda para ver se a calcinha não estava marcando. Estava tudo em ordem.
Dei três batidas leves na porta e dois segundos depois me arrependi. A vontade era de sair correndo e gritando.
Não pude.
Ouvi passos e o barulho de alguém girando uma chave, do outro lado.
Recostei meu corpo no marco da porta, fazendo um certo charme e esperando pelo que viria.
A porta se abriu e, em uma fração de segundos eu vi o sorriso mais lindo do mundo, acompanhado dos olhos mais verdes e de uma mão que me puxou pela cintura. Foi tudo muito rápido e, quando percebi, eu já estava do lado de dentro do quarto.
Eu estava no meio de um abraço tão apertado que mal conseguia respirar. Queria parar, queria olhar para aquele rosto, com calma. Queria ver suas feições, se haviam rugas, se ainda usava os mesmos óculos de grau para ler e ver televisão. Eu queria congelar o tempo, só para poder olhar aquele rosto pelo tempo que eu quisesse..
Ouvi batidas na porta, e achei estranho. Em seguida, mais e mais batidas. Algo estava errado.
De repente comecei a ouvir meu nome e aquela figura linda começou a se apagar, como se virasse fumaça enquanto eu tentava segurá-lo.
-Acorda Duda, vai perder a hora.
Sentei na cama com os olhos arregalados. Minha mãe ali. A boca dela mexia, mas eu não ouvia nada.
Foi tão real que eu ainda podia sentir o cheiro do sonho que tive. O mesmo sonho, mais uma vez.

-> Continua na próxima terça-feira, 21/01.


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