O dia seguinte.

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Enquanto eu tentava assimilar o que estava acontecendo, minha mãe abriu a janela do meu quarto para estender algumas toalhas de banho na sacada.
A luz entrou. Minha cachorrinha, Lisa, deu um rasante de bom dia em cima de mim; Só então acordei definitivamente.
Olhei para o relógio, na mesa de cabeceira. Eram nove horas da manhã de um sábado frio e eu tinha, naquele dia, minha primeira sessão de terapia.
Tomei um banho rápido e tentei me arrumar da melhor maneira que consegui, já que estava com tanto sono.
Quando abri o guarda-roupas para pegar qualquer coisa que pudesse vestir, avistei o vestido nude do sonho da noite passada. Tive um breve impulso de jogar ele no chão e sapatear em cima, mas não fiz.
Caí para dentro de um jeans velho, uma básica cinza e um casaco branco por cima de tudo. Nos pés, o bom e velho All Star preto de sempre. Nada de brincos, nada de maquiagem.
Desci as escadas, passei pela mesa da copa, roubei um pedaço de bolo e desci outro lance para a garagem. Gritei um sonoro “TCHAU” para minha mãe.
Abri a porta da garagem e avistei meu Fusca rosa, ano 82. Ri enquanto lembrava que, no sonho, eu era dona de um Audi Q7 azul (meu sonho de consumo).
Entrei no Fusca, que se chama Babaloo, dei a partida fazendo o maior barulho e saí rumo à minha consulta.
Liguei o rádio durante o trajeto e comecei a passar, uma a uma, todas as músicas gravadas na memória. Eu estava em busca de alguma que me agradasse. Quando começaram a tocar as músicas da Banda-X, apertei duas vezes a tecla “pular de 10 e 10”, o que fez todas elas desaparecerem momentaneamente.
Cheguei no local indicado, um prédio no centro da cidade. Ao lado havia um estacionamento rotativo onde deixei meu carro.
Enquanto eu andava pela calçada até o local da consulta, notei que saía vapor pela minha boca e nariz. Isso era sinal de que estava muito frio e eu estava com pouca roupa.
-Duda, Duda, você deveria ter ficado dormindo!
Uma amiga havia me indicado essa terapeuta. Disse que ela é ótima e poderia me ajudar com meu quadro de aparente depressão por conta de tantos acontecimentos conturbados nos últimos tempos.
Entrei no prédio indicado no endereço e peguei o elevador. Quando a porta fechou, imediatamente virei para o espelho para ver se estava tudo ok com meu cabelo e minha roupa. Eu e minha necessidade ridícula de querer causar boa impressão em pessoas que nem conheço. Tudo isso é fruto de crenças adquiridas na infância, e eu estava feliz em ter a opção de me livrar de todas elas
Quando cheguei no local do atendimento, não havia ninguém na sala de espera. A porta de entrada estava escancarada e, lá dentro, havia outra porta fechada com uma placa que dizia “Bata e aguarde”. Foi o que fiz.
Depois disso me sentei em uma das poltronas da sala de espera e peguei uma revista só para folhear, sem o menor interesse em ler nada do que estava escrito ali. Era uma Caras, com a foto de alguém que desconheço na capa, em algum lugar da Europa.
Após cerca de cinco minutos a porta se abriu e uma mulher de uns quarenta anos colocou a cara para fora.
-Oi! Você é a Eduarda?
Assenti coma cabeça e ela me pediu para entrar. Já comecei a me sentir estranha afinal, quase ninguém no mundo me chama de Eduarda. Acho que só minha mãe, quando está muito irritada comigo.
Do lado de dentro do consultório era muito mais legal. Eu nunca havia feito terapia na vida. Imaginava uma sala cinza, com uma poltrona e um divã.
Tinha sim um divã, e ele era cor de laranja. Tinham duas poltronas na cor creme, um sofá amarelo de dois lugares e uma rede azul. Havia velas cheirosas espalhadas por toda a parte, e enfeites que faziam barulho de água.
Isso fez com que eu me sentisse a vontade naquele lugar estranho. Mesmo assim, ainda não estava muito de acordo em falar sobre os meus problemas para uma completa desconhecida.
A terapeuta sentou em uma das poltronas e disse para eu escolher onde queria me sentar. Minha vontade era deitar na rede, mas achei muito sem cerimônia da minha parte. Sentei na outra poltrona, e assim ficamos frente a frente.
Com um caderno e uma caneta na mão ela pediu que eu lhe contasse minha história desde o início, desde quando julgava importante que ela começasse a entender. Assim eu fiz, já sabendo que recordar seria triste e doloroso.

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