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 A chegada de vários reis e rainhas em Artena, e também de comerciantes e visitantes para o torneio trouxe consigo uma onda de animação gigante para o povo. As pessoas de Artena já eram alegres e prósperas, mas o torneio da Cália pareceu aumentar em dez vezes os ânimos das pessoas em saírem para as ruas e para os negócios.

 No castelo todos os criados corriam de um lado para o outro - nenhum querendo ser a razão de vergonha para o rei Augusto quanto ao atendimento aos convidados. Na cozinha o movimento parecia ainda maior, com as mulheres trabalhando em meio a risos e sorrisos empolgados. Havia tantos nobres! E os visitantes no vilarejo? De certo uma receita maravilhosa para um romance. As mais novas riam e suspiravam, sonhadoras, enquanto as mais velhas tentavam manter uma postura mais séria mas acabavam por deixar um riso ou outro escapar. A animação era contagiante.

 O rei Augusto e a princesa Catarina recebiam a todos os nobres que chegavam no castelo na porta principal, como mandava o protocolo. Alguns reis vinham acompanhados de seus filhos, príncipes mimados mas que Catarina conhecia a vida toda e, por isso, tinha de ao menos sorrir diplomaticamente para cada um que elogiava sua beleza e que parecia ser incapaz de enxergar algo além disso. Ela estava acostumada à esse jogo.

 "Altezas." disse Augusto diante da chegada do rei Rodolfo e da rainha Lucrécia. Catarina sorriu para a rainha, fazendo uma breve mesura.

 "Sejam bem vindos a Artena e ao nosso castelo." disse Catarina. "Espero que a viagem tenha sido agradável."

 "Foi um horror." exclamou Lucrécia, ignorando o puxão do marido em seu braço. "Muita poeira. Misericórdia. Melhorou quando saímos de Montemor, mas ainda assim foi bastante cansativo. Meus pés estão me matando nesse sapato e eu não vou nem falar sobre a minha bun... bem... ér... sobre minhas costas, por ter ficado tanto tempo sentada."

 Costas não era bem o que a rainha iria dizer, supôs Catarina, não com ela massageando levemente a parte traseira de seu vestido. Prendendo o riso que queria lhe escapar a princesa mostrou-se solidária com as queixas da rainha de Montemor e pediu que Lucíola acompanhasse os monarcas de até seus aposentos.

 "Ficarão em uma das melhores acomodações do castelo, isso posso garantir." disse a princesa e diante do prospecto de uma cama a rainha Lucrécia não pensou duas vezes antes de agarrar-se ao braço de Lucíola e adentrar o castelo - nem mesmo se importou de deixar o esposo para trás.

 "Vossa majestade recebeu minha carta, eu presumo?" questionou Rodolfo, enfim desviando os olhos da princesa e voltando-se para o rei Augusto, que assentiu.

 "Mas é claro. E assim que todos os membros do conselho estiverem presentes eu deixo meu castelo a sua disposição." respondeu, adotando um pequeno sorriso. "Confesso estar curioso, sua carta não foi muito clara quanto ao assunto."

 A carta não foi clara de forma alguma
, pensou Catarina prensando os lábios para conter o riso. Havia pego a carta para ler tão logo o pai saiu de sua sala e a única coisa que Rodolfo deixou claro - depois de muita, muita enrolação - era que precisava de uma reunião com o conselho da Cália tão logo fosse possível.

"Logo tudo será revelado." disse o rei de Montemor, virando-se para a princesa que não pode evitar torcer os lábios para a rudeza de Rodolfo com o pai. "Princesa Catarina! Fico feliz em ver que está bem; realmente quando recebi notícias de seu sequestro meu primeiro impulso foi de marchar imediatamente para cá... Não fosse meus conselheiros terem dito que já estava em segurança, lhe asseguro que ao amanhecer vosso pai teria contado com mais uma espada em batalha pelo vosso resgate, a minha!"

 Covarde do jeito que é, eu duvido muito - pensou Catarina.

"Eu agradeço muito a consideração majestade, mas felizmente não foi necessário. Meu sequestro não durou muito, e os responsáveis ou estão mortos ou na masmorra."

"Uma punição mais do que justa. Se estivesse estado presente em seu resgate, não sei se teria a mesma graça que vosso pai em poupar uma vida sequer desses bandidos." elaborou Rodolfo, a voz então assumindo um tom galante. "Claro, consigo entender a tentação de capturar tão bela dama, a mais bela das damas se me permite dizer, mas concretizar tal feito é ir longe demais."

 O rei Augusto pigarreou alto ao ouvir tais palavras, palavras impróprias para um rei casado dizer para uma princesa em idade de matrimônio e Catarina estreitou os olhos brevemente pelo atrevimento, tentando ao máximo não deixar o sorriso diplomático se desfazer por completo e ofender o rei de Montemor - muito embora ele a tenha ofendido primeiro.

"Confio no julgamento de meu pai; todos foram punidos de acordo." disse, de repente sorrindo mais largamente antes de prosseguir. "Além disso, o homem diretamente responsável pelo meu sequestro pagou com sua vida. Constantino era uma ameaça que não percebemos a tempo mas que agora não teremos mais que nos preocupar. Algo que não apenas eu, mas também o rei legítimo de Vicenza temos apenas o vosso irmão para agradecer alteza! Afonso salvou minha vida."

 O sorriso galante sumiu dos lábios do rei de Montemor, e Catarina encontrou certa diversão em ver todas as emoções raivosas assumirem o rosto de Rodolfo. Ciúmes, raiva, um brilho rancoroso no olhar. Ele não era bom em mascarar suas emoções, algo perigoso para um rei.

"Ah sim, claro, Afonso." disse ele e era óbvio que tentava forçar certo apreço pelo irmão mas este era devorado pelo rancor e rispidez em sua voz. "Sempre o herói." finalizou com amargura.

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 "Pela euforia que sinto vir das ruas aposto que os nobres já começaram a chegar. Não deveria estar no castelo Afonso?" indagou Oséias, sentado na soleira da porta da ferraria.

 "O rei Augusto me concedeu algum tempo livre antes que eu precise retomar meu posto junto a guarda real." respondeu o Monferrato, analisando atentamente uma espada que acabava de terminar com satisfação. "Pensei em passá-las aqui, com o torneio os pedidos por boas espadas aumentaram. Temos muito serviço atrasado."

 Rindo baixo o velho balançou a cabeça. "Está é a ferraria de um velho cego Afonso, eu temo que serviço atrasado é algo inevitável." Afonso riu junto, aproximando-se do amigo e lhe entregando a espada que terminará. "Huum... muito bom, muito bom. Você aprendeu como confeccionar uma ótima espada." Oseias sorriu, sentindo a espada com dedos cuidadosos. Apesar de cego, seus muito anos como ferreiro o ajudavam a identificar uma boa espada apenas com o toque de suas mãos calejadas.

 "Aprendi com o melhor." disse Afonso, colocando a espada junto a outros trabalhos finalizados e secando o suor da testa com um pano velho.

 Conversaram amenidades enquanto trabalhavam, o som de crianças animadas na rua servindo como música de fundo quando Oséias mudou a direção da conversa para Amália.

 "Eu não sei." respondeu Afonso, abandonando o trabalho para sentar-se ao lado do amigo, observando a rua. "A verdade é que com a quantidade de tempo que tenho passado no castelo e aqui, eu não tenho estado muito com Amália. E todas as vezes em que fui até a feira... As palavras se perdem e acabamos conversando apenas amenidades. É como se existisse um muro entre nós agora e eu não consigo quebrá-lo."

 "Já lhe ocorreu que o muro está lá por que você o construiu meu amigo?" apesar das palavras o tom de Oséias não era rude, mas gentil. Suas palavras podiam parecer duras mas eram apenas verdadeiras. "E que você não precisa quebrá-lo mas apenas atravessar se assim o desejar?"

 Observando um casal passar na rua Afonso nada disse por alguns momentos. Eles conversavam animadamente e o Monferrato se pegou perguntando quando ele e Amália perderam aquele tipo de facilidade, de intimidade um com o outro. Sabia a resposta, claro. Perdeu aquilo com Amália quando passou a imaginar outra mulher em seu lugar.

 Catarina.

 "Acho que o problema é justamente esse. Talvez eu não deseje mais atravessar." confessou por fim, sentindo um misto de pesar e alívio em finalmente admitir aquilo. Sentia uma vergonha imensa em dizê-lo, em sentir aquilo, sentia que estava falhando com Amália, que estava sendo exatamente o tipo de homem que jurou á ela que não seria quando abdicou de ser rei.

 Oséias, sentindo o conflito em seu amigo, tateou o ar até que sua mão enfim encontrou o ombro de Afonso e deu-lhe um aperto de conforto.

 "Não se culpe por sentir algo além do seu controle, Afonso." aconselhou. "Apenas seja honesto com Amália. É a coisa mais honrada e certa que pode fazer por ela. E por você mesmo."

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 Catarina andava calmamente pelos corredores do castelo, sempre fazendo pausas para passar alguma orientação a um criado ou outro que se movimentava por ali. A maioria dos monarcas que aceitaram o convite para o torneio da Cália já se encontravam no castelo e era imprescindível para a princesa que tudo ocorresse tranquilamente. Não deixaria nenhuma vergonha cair sobre Artena quanto a qualquer aspecto do torneio, seja por entre os monarcas ou plebeus que chegavam ao seu amado reino.

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