Angústias

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Chichi remexeu-se no futton, inquieta, tentando descobrir em que momento entre aquela noite e o seu agora ela se tornara tão raivosa e irritada, quando as preocupações com o futuro haviam finalmente vencido a alegria de viver o presente. Talvez fosse a forma como Goku encarava a vida, tão diferente da dela, praticamente irresponsável. Mas o mais provável que tivesse acontecido ao longo do ano em ele estivera morto, o filho desaparecido e ela ali, sozinha, só conseguindo pensar, com raiva, que se Goku não tivesse sido encontrado por seu irmão extraterrestre desconhecido ela não estaria só, preocupada e infeliz.

Talvez por conta do discurso de todos: Bulma, Mestre Kame, seu pai e Kuririn, dizendo que tudo bem, que Gohan estava bem mesmo tendo sido sequestrado por aquele demônio verde do Piccolo e Goku estava morto mas voltaria à vida; que, ao longo daquele ano, ela acabara com mais raiva ainda do marido e menos disposição para perdoá-lo quando voltasse à vida. Sequer conseguia sentir a morte dele, parecia que ele havia, na verdade, a abandonado. Por isso, depois que ele voltou a vida e lutou com os sayajins, o primeiro pensamento dela ao vê-lo caído no chão foi que era bem feito para ele por ter posto o filho dos dois em perigo. Naquele momento, ela só se importava com seu pequeno Gohan.

Só no hospital, quando o médico disse a ela que Goku tinha 87 fraturas em 56 ossos e que ele não sabia como ele havia sobrevivido que ela teve um tiquinho de pena dele. O fato de Gohan ter deixado bem claro que o pai o protegera o máximo que pudera e a devoção dele por Goku que a fez refletir sobre o quanto ele havia se arriscado e o perigo que ele, afinal, afastara da Terra. Ao longo dos dias, conforme Gohan deixava claro que queria ir para o tal planeta do Piccolo com Kuririn e Bulma e com a serenidade que Goku exibia mesmo depois de quase ter morrido pela segunda vez que seu coração foi amolecendo e, principalmente quando Gohan partiu, que ela decidiu cuidar melhor do marido, que, afinal, parecia pedir desculpas a ela por tudo a cada minuto.

Não que fosse fácil. E ele não ajudava nada querendo fugir do hospital e dizendo que não podia deixar de treinar. A vontade dela era pedir um remédio que o prostrasse e deixasse que ela cuidasse dele, e à medida que ele melhorava, ia ficando mais difícil aturar o discurso dele de precisar treinar e se manter forte. Na véspera da sua fuga do hospital ela estava meio adormecida no pequeno sofá de acompanhante quando ele a chamou, com a voz rouca. Ela levantou de um salto, apavorada, achando que ele estava com alguma dor, mas deparou-se aquele sorriso inexplicável que ele conseguia sustentar mesmo em momentos difíceis.

- O que foi, Goku? – ela perguntou, assustada.

- Ainda está zangada comigo?

- Não muito – ela disse contrariada – mas não vou me sentir sossegada enquanto Gohan estiver no espaço. Ele está perdendo tempo de estudo e está em perigo, Goku!

- Se eu tivesse uma semente dos deuses naquele dia não teria acabado dessa forma. Eu que deveria estar a caminho de Namekusein.

- É mesmo? E eu, Son Goku? E eu? Você por acaso se perguntou como eu estava no último ano? Com você morto, Gohan sequestrado e todos dizendo para eu não me preocupar? Você por acaso pensou em mim algum dia enquanto esteve morto? No seu filho?

Goku ficou em silêncio, e engoliu em seco, uma expressão dolorida no rosto, então suspirou e disse:

- O que te faz pensar que eu nunca penso em você?

Ela não soube responder. Ele prosseguiu:

- Claro que eu gostaria de ter feito tudo sem morrer ou colocar você, Gohan ou a Terra em risco. Mas eu precisei agir como agi... e eu preferiria morrer pela segunda vez a ver você ou Gohan em perigo.

Ela sentiu o coração amolecer. Talvez estivesse sendo dura com ele. Mas insistiu:

- Você precisa se curar antes de se meter em outra luta, em outra aventura.

Ele baixou os olhos e disse, bem sério:

- Mas se houver uma única chance, Chichi, e eu estou dizendo isso logo para que você não me odeie quando acontecer, se houver uma chance de ficar curado mais depressa e ajudar Gohan, Kuririn e Bulma... eu vou sem pestanejar. Eu demorei a entender o que era ser um sayajin, e não espero que você entenda, é duro para você, eu sei... mas lutar me move mais que tudo. Era assim antes de você e é algo que eu não posso mudar. É parte do que eu sou.

Ela segurava as cobertas dele com força, sentindo uma pontada raiva e já ia explodir com ele quando ele disse:

- Mas isso não significa que eu não te ame. Eu não sou como aqueles outros sayajins que eu enfrentei. Eu tenho você, Gohan... e eu morreria por vocês. Morreria mil vezes antes de te colocar em perigo.

Ela o encarou, reconhecendo a verdade em cada palavra que ele dizia e então, debruçou-se sobre a cama e deu nele o primeiro beijo desde o dia em que ele e Gohan haviam desaparecido, sabendo que ele a amava e que era a capacidade de amar dele que o fazia diferente dos demais sayajins, que o fazia tão especial e humano. Sem querer, ela pressionou uma parte machucada do braço dele, que disse:

- Ai – ela se afastou com uma cara culpada mas ele prosseguiu – ei, não precisa também parar! Tem noção de como eu senti falta de um beijo?

- Não havia garotas para beijar no outro mundo? – ela brincou, achando que ele não ia responder, mas ele disse:

- Para beijar não, mas teve umas mulheres lá da corte da rainha serpente que eu acho que iam me devorar se eu não tivesse fugido...

- Do que você está FALANDO, Son Goku? – a voz dela já estava bem alta para quem estava dentro de um hospital.

- Ahm, - ele percebeu a fúria dela e disse – no caminho da serpente umas mulheres me deram comida e ofereceram um banho, mas acho que elas queriaaaaiai Chichi, isso machuca – ele gritou quando ela beliscou um naco de carne no único pedaço de seu braço livre de ataduras – elas queriam me matar!

- Você já estava morto, Son Goku!

- Eu sei, também não entendi nada, mas consegui fugir e – ei, onde você vai...

- Não fale mais comigo, seu sem vergonha! – ela se refugiu no sofá de acompanhante e pegou um livro que estava ao seu lado, ignorando-o completamente. Não se dirigiu mais a ele até a manhã seguinte, e quando o fez foi de forma fria e distante. Quando ele fugiu, sem se importar em despedir-se dela, ficou ainda mais furiosa, mas teve certeza que não adiantava falar nada. Ele a havia avisado que seria exatamente como foi.

Ela pensava no tempo que se seguiu como um misto de raiva, apreensão e vontade de agir, afinal, percebeu que Gohan ainda corria perigo e, por ela, queria ir atrás dele, o que acabou não sendo possível. Quando teve o filho de volta ainda estava cheia de raiva de Goku, mas a raiva virou tristeza quando achou que ele havia morrido e apreensão quando soube que, de alguma forma, ele havia sobrevivido e estava longe, fora de alcance. Pensou se algum dia voltaria a vê-lo e, mesmo concentrada em fazer Gohan voltar a estudar e viver uma vida normal, todas as noites, em segredo, olhava o céu se perguntando onde estaria aquele maldito Sayajin que, afinal, ela não conseguia deixar de amar.

O FuttonWhere stories live. Discover now