Choveu

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Faltavam alguns meses ainda para o período chuvoso começar a encharcar as ruas da Ilha do Amor.* Mas no domingo de manhã, depois do sábado narrado, caiu uma densa chuva.

O céu amanheceu escuro. Por volta das 10 da manhã, as nuvens não conseguiram mais segurar, choraram, como uma criança inconsolável exigindo o colo de sua mãe. No meu quarto, eu estava deitado na minha cama. Com fones no ouvido, ouvindo uma música qualquer.

Dias chuvosos dão preguiça. São cinzas. São tristes. A produção de serotonina fica baixa. Tudo parece menos agitado. Tudo parece meio morto.

Se no sábado eu ri, no domingo de chuva eu chorei. A vida é debochada.

Não aconteceu nada demais, mas eu estava triste. Tipo como Thiago ficou quando ejaculou dentro de mim naquele sábado. Acho que ele ejaculou tristeza.

Então, passei o dia no quarto. Rolando para um lado da cama, senti o perfume de Thiago na colcha. Lembrei daquele dia em que nos beijamos e ele ficou estranho.

A música no meu ouvido mesclava com o som que as lágrimas das nuvéns, amparadas pelas telhas de barro da minha casa, faziam.

A música, em inglês, falava algo do tipo: quando eu era jovem, vi meu pai chorar e amaldiçoar o vento... Eu jurei para mim mesmo que nunca mais cantaria sobre o amor, se ele não existisse, mas você é minha única exceção.**

Desde que nasci, eu me reprimia. No ensino fundamental me reprimia de reagir ao bullying. No primeiro e segundo ano também. No começo do terceiro também. Mas quando conheci Thiago, passei a me reprimir menos e a sonhar, portanto, menos. O meu inconsciente não me tornava mais um refém.

Eu havia me fechado para a vida. Só vivia dentro de casa. Com medo de sair à rua e me julgarem pelo o que não fiz.

Thiago havia sido a minha exceção em odiar pessoas. Desde que vi, amei-o. Mesmo que de longe, no começo.

Eu tentei lutar contra aquilo, mas perdi a batalha.

Eu não sabia o que estaria por vir. Mas tal como os sonhos também são proféticos, a chuva anuncia coisas. Anuncia para o agricultor que é hora de cultivar. Anuncia para os cogumelos que é hora de brotarem nos cantos dos quintais das casas, nos paus das cercas. Anuncia para as flores que é hora de desabrocharem e exalar perfume.

A chuva daquele domingo veio anunciar, pelo menos para mim, que os dias tristes voltariam. Que os dias de má sorte retornaram.

Depois do domingo de chuva, chovi pelo resto da minha vida. Os dias posteriores foram os piores. A chuva veio para anunciar minha decadência.

Na segunda-feira, o dia de nossa apresentação, ocorreu tudo bem. Eu travei em alguns momentos, mas nada assustador.

O que me assustou mesmo foi a forma que Thiago passou a agir comigo depois dali. Evitava-me, hesitava em olhar para mim.

Dias depois, eu tentei me aproximar dele, mas ele não deixou.

-- Iai, man, vamos conversar?

-- Não, cara... Não tô afim de falar com ninguém.

Acho que o ninguém ali era só eu. Ele, ao contrário da última vez, não se isolou. Isolou-se apenas de mim. Conversava normalmente com o restante da sala. Não sentava mais atrás de mim, voltou a sentar com o grupinho que ele sentava no começo do ano.

Eu também não insisti. Nunca fui corajoso e muito menos insistente. Eu aceitava coisas demais. Eu aceitava palavras tortas, eu aceitava olhares me julgando. Eu aceitei a distância que ele impôs a nós, depois de tudo que rolou. Eu aceitei novamente a solidão. Eu aceitei mesmo doendo. Eu aceitava tudo que me era imposto.

Depois de renascer em dois meses, voltei a morrer. Aqueles foram os momentos que eu mais me permitir, que eu mais vivi, que eu mais me senti vivo. O amor é triste. Ou eu que era triste demais.

Os dias andavam, desde daquela segunda-feira, como os velhinhos, após desgasterem suas pernas dançando a dança da vida, andam. Devagarzinhos.

A partir de então, todas as noites eu voltei a dormir chorando, com dores no estômago e no coração. No começo da paixão, o estômago é tomado por borboletas voando alegres, o incômodo é bom. O coração parece bombear sangue com a alegria que falta aos palhaços quando estão sós. Mas no fim da paixão, as borboletas no estômago parecem querer perfura-lo e saírem por aí, e o coração bobea sangue com a tristeza de um palhaço quando está só, sem sua máscara e sem fazer os outros rirem.

Os dias de má sorte foram anunciados.

Ele nunca mais me procurou, nós nunca mais cruzamos os olhares. Ele nunca mais sequer dirigiu o olhar para mim. Eu apenas aceitei e chorava em casa, antes de dormir. O meu único amigo era um estranho agora.

Nesses dias tristes, eu deitava na cama sozinho e ficava relembrando as nossas conversas, os nossos passeios, as nossas masturbações, o nosso sexo, naquele dia. Lembrei do dia que fomos à praia. Escolhemos um lugar bem deserto. Ficamos lá até o sol se pôr. Por um momento eu levantei e fiquei de pé, de frente para o sol poente. Ele se levantou e chegou por trás de mim e abraçou-me. E ficou apreciando o sol descer comigo, com o queixo apoiado no meu ombro.

-- Você sabe para onde o sol vai quando cruza a linha do horizonte?

-- Vai iluminar o outro lado do mundo após uma noite de escuridão.

E ficamos ali até a última chama do sol ir iluminar e alegrar o outro lado do mundo. Do nosso lado escureceu. O céu não estava de luto, pois as estrelas brilhavam. O sol vai, mas as estrelas vêm, junto com a lua quando é tempo de lua.

Os dias pareceram para mim, a partir daquele dia, estarem sempre escuros. Mesmo no sol, eu via tudo escuro. Eu pensei que eu não fosse suportar tudo aquilo, mas como tudo eu suportava e aceitava, suportei. Já era quase julho. As férias foram anunciadas. As aulas votaram. E os dias continuaram tristes, mais tristes, na verdade.

A vida é debochada. A felicidade foi ontem, a tristeza é hoje e amanhã pode ser mais um dia triste ou mais triste. Eu pensava que tudo fosse melhorar quando chegasse a formatura. Ela chegou, mas a vida não colaborou. Um dia de extrema má sorte é o que posso resumir aqui.

Todo mundo passa por dias de má sorte. Mas aquele dia foi de muita má sorte. Eu nunca tive sorte. Mas por ironia tive sortilégio no amor por aquele curto período. Mas como eu disse, o amor não é feito só de tragédias, mas de coincidências. A sorte prepara o terreno para a tragédia. E eu acho que foi o que aconteceu quando me aproximei de Thiago através da sorte. Quando a professora nos sorteou para fazermos o trabalho juntos.

*Como a Cidade de São Luís, onde se passa essa primeira parte da narrativa, também é chamada. Tem outros codinomes, como Jamaica brasileira, Atenas brasileira etc.

**The Only you exception, Paramore.

A Vingança de RúbelOnde histórias criam vida. Descubra agora