Era a quarta noite de Lua Nova e Menandro prestava suas modestas homenagens à sua deusa grega favorita: Afrodite, a mãe da Harmonia. Na religião grega antiga, todo quarto dia do mês lunar era consagrado a essa grande deusa, senhora do eros (atração,amor, desejo), força responsável por manter as coisas unidas, desde as partículas do cosmos até o corpo cívico. Menandro queria ter se empenhado em algo mais elaborado, porém o trabalho e os estudos forçaram-no a permanecer afastado de casa até tarde.
Ele tinha uma bela estátua de Afrodite na parte mais alta do quarto e logo abaixo uma mesa coberta por uma toalha da cor azul-turquesa servia de altar. Um vaso de rosas vermelhas, um incenso da mesma flor e uma tigela decorada eram suas oferendas naquela noite.
Menandro tinha 14 anos de idade e há um ano descobrira e vinha estudando acerca da antiga religião grega, especialmente no que diz respeito a Rainha de Chipre. Movimentos religiosos modernos têm surgido com o objetivo de revitalizar o culto aos deuses Olimpianos assim como o de deidades de outras culturas.
O jovem, então, encheu uma das mãos com grãos de cevada e ergueu os braços na direção da imagem sagrada e orou em alto e bom som:
- Eu oro á Afrodite, bela e coroada de violetas, filha do Céu estrelado e das águas do Mar salgado, a Rainha de Chipre, senhora do amor que tudo une, do desejo que a tudo movimenta, antiga protetora dos navegantes e deusa da guerra. Ao pôr do sol começaste seu dia e venho honrá-la, com mente sagrada e reverente!
Baixou calmamente o punho com a cevada e depositou uma parte na tigela, e o restante polvilhou a si mesmo, o altar e o chão, produzindo um agradável ruído, marcando o início do rito.
Acendeu o incenso de rosas vermelhas e rapidamente a fumaça perfumada serpenteou por toda a casa, enchendo o ar. Felizmente sua mãe e o padrasto resmungão só chegariam mais tarde.
Menandro prosseguiu recitando os hinos antigos e alguns criados por ele mesmo. Libou uma porção do mel dourado sobre outras duas tigelinhas - uma era de Héstia, deusa que recebia uma parte das ofertas em qualquer rito, no início e no fim- enquanto dizia diferentes epítetos da deusa celeste.
Após ler alguns mitos, realizou uma libação final. dizendo:
- Dessa forma encerro este rito, minha deusa. Continue sendo-me propícia! E principalmente... – seu humor tornou-se obscuro -... Principalmente ajude-me a remover aquele daqui, pelo meu bem, de seu culto e de minha mãe. Boa noite!
Contente e exausto, foi dormir.
Horas antes...
Diálogo entre Menandro e sua mãe:
-Meu filho, posso te perguntar uma coisa? – ela parecia meio sem graça.
-Claro, mãe. Até por que , faz um tempinho que não paramos para conversar, só você e eu, não é?
-Pois é... Bem, eu queria saber por que você escolheu essa seita ...esses deuses... por que desviou, digo, se afastou de Cristo? Tudo bem que eu parei de ir á igreja, mas mesmo assim continuei com Ele.
Menandro cerrou as sobrancelhas, seu corpo afastou-se automaticamente. Que pergunta estranha. Sua mãe nunca havia feito esses questionamentos.
Ele pigarreou e tentou organizar sua mente para responder adequadamente.
-Bem, mãe...primeiro que não é seita alguma. Segundo que ainda não escolhi uma religião especifica, mas estou me aprofundando no Politeísmo Helênico e gostando muito. Eu nunca simpatizei com o cristianismo, desde que me interessei por História. Tem pontos positivos, mas os negativos são gritantes. Os cristãos são mais incentivados a serem intolerantes com sua "Verdade Absoluta e Deus Verdadeiro" do que realmente amar o próximo, como diz seu Cristo. O Helenismo não tem um credo, uma Bíblia, e sim uma tradição sempre em atualização, apesar de um tanto conservadora quanto aos rituais. E os gregos eram tão afeitos às artes, apreciavam a beleza da vida, corporificada nos deuses. Tudo tem um ser divino por trás. Isso nos faz pensar com mais respeito em tanto coisa.
-Mas seus deuses parecem pessoas, vingativos, safados, machistas... Como podem inspirar devoção?
-Os deuses são retratados em forma humana e atitudes humanas, mas não são humanos. Os deuses gregos são Potências que podem controlar tanto a vida na natureza quanto a humana em todos os seus aspectos. Os mitos não podem ser entendidos literalmente. São muito antigos, possuem procedência e objetivos diversos. Pode-se entender qualquer coisa deles, se você analisar bem. O que acontece é que muitos tentam explicar nossos mitos e deuses sob a ótica cristã ou judaica. Acho que as características mais certas de nossos Deuses são: bem-aventurança, imortalidade e grande poder. Fora isso, pouco mais podemos definir.
- E se você tentasse voltar comigo para a igreja, a do Leonardo. Parece bem boa...
- E para que? Para eu servir de decoração lá? Não tenho qualquer motivo para procurar o cristianismo. Se eu me decidir, provavelmente será pelo Helenismo, que é bem completo espiritualmente, até mesmo antecipou muitos conceitos da religião cristã. Sem contar o tanto que os filósofos cristãos se inspiraram na filosofia grega. Os gregos nos deram a democracia, o teatro, vários conceitos matemáticos importantíssimos, filosofias das mais diferentes, e uma religião fantástica. Sempre tentaram definir e aperfeiçoar o conhecimento sobre as Virtudes ou Excelências que devemos nutrir e nos tornarmos melhores.
-Bem... – ela baixou o rosto, um tanto enrubescida.
-Nada contra a sua curiosidade, mas tenho certeza que Leonardo deve estar colocando minhocas em sua mente sobre mim. Ele detesta meus deuses, mesmo mal os conhecendo. Espero que ele não consiga te manipular ainda mais.
-Não é bem assim... eu nunca havia me aprofundado em seus assuntos e descobertas, só isso.
-Bom, pergunta respondida? – Menandro estava sério, embora furioso por dentro.
-Creio que sim. Desculpa qualquer coisa, não foi mi há intenção te magoar, meu filho.
-Ok, sem problemas.
-E não implique com o Leo, ele só quer o seu bem, te trata como filho.
Menandro se riu por dentro :
"Ah se ela soubesse o quanto aquele cara me odeia"
-Tá, mãe, não exagera. Contudo, por você tentarei pegar mais leve. E se tiver mais dúvidas, venha esclarecer COMIGO, e não com aqueles pastores ignorantes. E nem com o Leonardo. Ele não sabe nada sobre o que pratico.
-Tá bom, ta bom. – concluiu ela com um sorriso tímido e um abraço no filho.
Sua mãe, Sabrina, 35 anos, era gerente de uma grande e famosa loja de roupas; cristã não-praticante, não entendia bem sobre sua religião, mas confiava nele e em suas escolhas, ou melhor, pelo menos até pouco tempo, antes de conhecer e apaixonar-se perdidamente por Leonardo, 40 anos, supervisor num hipermercado, evangélico praticante. Menandro não gostara nenhum pouco dessa idéia, mas pela felicidade da mãe, separada de seu pai há 10 anos, aceitou sem cara feia.
Contudo, logo Leonardo começou a mostrar as suas garras. Questionava freqüentemente Sabrina sobre o filho dela, assuntos como sexualidade e principalmente sobre "aquele ídolo no quarto do garoto". E ainda assim, sem ela saber, o homem encontrava tempo para encher a paciência de Menandro por causa de suas praticas religiosas. Mesmo sob essa pressão, o menino evitava levar à mãe essas situações para não estragar o momento feliz dela. DELA.
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Menandro - um conto neo-pagão
General FictionMenandro é um jovem neo-pagão iniciante e devoto da deusa grega Afrodite e estudioso aplicado das antigas religiões. Sua vida seguia bem até sua mãe, Sabrina, se apaixonar por Leonardo, um homem que mais tarde se revela um perigoso fanático cristão...