Capítulo 9

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Menandro estava mais aliviado, e relativamente contente, nos dias que transcorreram aquele episodio trágico. Sua mãe parecia mais preocupada do que triste, intrigando o filho. Ele tentava compreender, afinal ela sofrera penosa desilusão amorosa e voltava á sua solitária solteirice.

         -Ela ficará bem. Encontrará um homem melhor, com certeza. Tudo o que aconteceu foi pelo nosso bem.

         Porém , na manhã do segundo fim de semana após os acontecimentos , Sabrina o chamou para conversar. Ela o levou a sentar-se no grande e belo jardim florido nos fundos da casa, sob o limpo e brilhante céu azul.

-E então, mãe? Por que tanto mistério?

-Bem...primeiro gostaria de saber como está se sentindo com aquela história toda que enfrentamos. – era a primeira vez que paravam para falar sobre o assunto, e ela parecia receosa.

-Ah – respondeu Menandro, com um sorriso a se abrir – Muito melhor, mãe! Ainda mais porque tudo vai voltar a ser como era antes, né. Só você e eu, ao menos enquanto não descobre um novo e mais feliz amor, certo?

         Sabrina olhou para baixo e começou a esfregar as mãos uma na outra. O filho percebeu e estranhou.

         -Como deve saber, sofri muito com tudo isso, você foi o principal agente para que a verdade se manifestasse e sei que foi pelo meu bem.Sabe que te amo demais...Contudo, fiquei muito mal com a queda do Leonardo, aquela noite chamei a ambulância, o acompanhei até o hospital. Nos outros dias o visitei também e conversamos bastante...

         De repente, Menandro sentiu uma ponta de dor de cabeça a brotar e levou uma das mãos à testa. O coração se agitou e acelerou suas batidas.

         Sabrina prosseguiu, após um longo suspiro:

-Conversamos bastante, ele confessou tudo e mais um pouco. Disse também que realmente me amava, apesar de ter se formado um sentimento verdadeiro bem depois de nos conhecermos. Ele tinha um plano, mas já num certo ponto havia desistido. 

     Pressentindo o que estava por ouvir, Menandro virou o rosto e cerrou os dentes. Os olhos se enchiam de água.

-Enfim, sei que não vai ser facil para você, mas juntos iremos superar essa história. Leonardo sai hoje do hospital e virá para cá novamente.

-Ha! Por isso que não queria que eu o denunciasse, dizendo que faria isso você mesma! – soltou Menandro.

- Eu amo ele, meu filho. Tente entender... aliás, não é sua deusa principal a senhora do amor? Vou dá-lo uma segunda chance. Acredito que todos merecem novas oportunidades para mudar.

-Claro... só deve ser uma piada de mal gosto de Afrodite! – ele golpeou o chão com um dos punhos, fechou os olhos e uma lágrima rolou. Engoliu em seco. Uma ânsia acometeu-lhe e Menandro levantou-se bruscamente, em silêncio, sem olhar para trás. E Sabrina  achou melhor não tentar impedir-lo.

Chocado até o último fio de cabelo, correu desesperado para o quarto e bateu a porta, causando um estrondo capaz de ser ouvido do lado de fora.

-Isso só pode ser um pesadelo!!!

Sem pensar duas vezes, pegou tudo o que viu pela frente e lançou contra as paredes, estilhaçando quadros, peças de porcelana. Chorava e urrava de ódio enquanto destruía tudo. Sabrina ouvia a barulheira e chorava no jardim.

Finalmente, exaurido, o garoto terminou sentado no chão, encostado na cama, a fitar a estátua de sua deusa no alto da parede. Por um bom tempo assim permaneceu, imóvel e ofegante.

Perto do meio-dia Sabrina saiu para pegar Leonardo do hospital. Menandro estava estirado sobre a cama desarrumada quando ouviu o ruído do automóvel.

Em torno das cinco da tarde o casal retornou, aos risos e conversinhas descontraídas. Lembravam um casal de adolescentes apaixonados em início de namoro. Sabrina ajudou-o a subir para o quarto deles e depois resolveu, mesmo receosa, de ver como estava seu filho revoltado.

Ela bateu na porta. E bateu. E bateu outra vez. Chamou o garoto carinhosamente e nada. Preocupada, respirou fundo e girou a maçaneta. A porta estava aberta. O caos reinava no quarto dele, o chão repleto de cacos espalhados. Mas um detalhe a colocou em alerta.

-         A estátua... onde está?!

     Ela procurou por todos os cantos. Isso podia ser um péssimo sinal.  Ela sabia o que significava. Até que encontrou uma folha de caderno, com o seguinte bilhete :

     “Ok, mãe, viva sua vida como desejar. Mas não queira que eu aceite de bom grado e participe disso como se fosse uma situação cotidiana qualquer. Não tente me ligar, ficarei bem, em breve mandarei notícias. Preciso me afastar. Fique bem. Te amo...”

     Desnorteada, saiu correndo chorando e ligou para os amigos dele. Ninguém sabia de Menandro, nem mesmo Lucas.

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     Era tarde da noite, Menandro caminhava por uma avenida agitada da cidade grande. Ele carregava uma mala com sua estátua enrolada cuidadosamente e alguns pertences. A brisa fria causava-lhe calafrios, embora estivesse bem agasalhado. No rosto óculos escuros disfarçavam suas olheiras e inchaço por tanto chorar.

     Uma imensa praça arborizada surgiu pelo caminho e ele parou e sentou num dos bancos solitários. Podia perceber alguns movimentos por entre as árvores ali perto.

     Soltou um longo e resignado suspiro e começou a pensar:

     -Nem sempre temos que vencer, certo? Podemos mudar de religião, de deuses, ou sistema filosófico, porém a realidade permanece a mesma para todos: complexa e quase sempre hostil. Tudo bem... enquanto eu estiver vivo, poderei desafiar a realidade e tentar. E sei que, de uma forma ou de outra, Ela está me apoiando. 

Menandro - um conto neo-pagãoOnde histórias criam vida. Descubra agora