Capítulo 8

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        Lucas sentiu uma vontade enorme de fazer xixi e despertou. Levantou-se cambaleando e sem querer enrolou as pernas e caiu sobre o garoto.

         -Desculpa,  Menandro! Desculpa... Epa! Menandro???

         Imediatamente acendeu a luz e deparou-se com a cama vazia e também não encontrou a mochila do amigo em canto algum. Apenas uma folha pequena de caderno mostrava-se sobre as cobertas desarrumadas. Antes de ler, praguejou:

         “Perdão, tive que fazer isso. Mas fazemos o seguinte: se eu não ligar até as dez da manhã é porque deu tudo errado. Então chame a polícia. Muito obrigado pelo apoio, mas sabe como sou muito teimoso (rsrsrs).”

         -Teimoso feito uma mula empacada! Que os Deuses lhe guiem se ainda houver tempo...

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         De volta á mansão, Leonardo pergunta:

          -Quem é?           

         -Sou eu, o Menandro!

         Leonardo virou os olhos para cima e destrancou a porta enquanto pensava em algum motivo plausível para aquele menino chegar ali em altas horas.

         -Uau! Mas que coragem a sua de atravessar a cidade essa hora! – disse, fazendo uma careta que só Menandro pôde ver.

         -Filho! – exclamou Sabrina, transbordando de alegria, descendo as escadas indo ao seu encontro, mas logo seu semblante obscureceu ao se deparar com o aspecto doente do garoto.

         Então se abraçaram e Sabrina falou:

         -Ai, meu filho! Que saudades! Fiquei tão triste com sua ausência, não faça mais isso, por favor. – e afastando-se para olhar novamente em seu rosto, continuou – Você não parece bem, tem se alimentado? Devia ter permanecido em casa para que eu pudesse cuidar de ti.

         -Sabe muito bem que as coisas mudaram bastante por aqui nos últimos dias, aliás, meses. Suba comigo, tenho que te mostrar um negócio... – sussurrou.

         - Entre sua mãe e eu não há segredos! – Leonardo conseguiu ouvir, para desgosto de Menandro.

         - Olha como fala com ele, Leonardo! É assunto nosso, não se meta! – diante da posição da mãe, o garoto se surpreendeu.

         Confiante e impulsionado por forte emoções, Menandro decidiu dar a cartada final. Apertou os punhos e em seguida retirou da mochila a reportagem.

         -Mãe, sinto muito ter que destruir seu momento aparentemente especial. Porém, esse cara é um golpista procurado pela polícia. Assume diversas identidades, conquistas mulheres carentes para no final roubar seus bens e sumir no mundo.

         O casal sentiu um forte embrulho no estômago com as palavras de Menandro, cujo coração batia a mil. As pernas de Sabrina amoleceram assim que viu a foto e leu o conteúdo da publicação. Lentamente subiu alguns passos, procurando não cambalear e quem sabe rolar degraus abaixo, tamanho seu choque. Enfim cedeu, prostrou-se e caiu aos prantos.

         Leonardo engoliu em seco, assistia paralisado. Não esperava por isso. Seus planos sempre deram certo.  Logo nesse caso, que lhe garantiria o embolso mais “gordo” que já teve. Ele ofegava, sua mente girava e buscava engendrar algum plano de emergência.

         Próximo de sua mãe, Menandro olha com desdém para o padrasto. Sentia-se envolto de uma aura triunfante:

         -Você já era, filho da p*¨¨*!

         Percebendo-se encurralado, Leonardo saiu de si, mas a idéia que lhe surgiu não era a de fugir. Soltou um urro pavoroso e correu como um touro na direção de Menandro. O garoto , quando deu-se por conta, já estava sendo puxado pelo tornozelo, prestes a tombar de joelhos sobre os degraus. Enfurecido, passou um de seus grandes braços pelo pescoço do menino, ao que Sabrina começou a gritar de desespero, mandando soltar o seu filho. A faca que portava agora ameaça terminar com a vida de Menandro, que mesmo assim, não sentia arrependimento por não ter escutado o amigo.

         -Deixa meu filho em paz! Solte-o! Solte-o! Dou tudo o que quiser, mas não machuque! Não o machuque!

         -Foge, mãe! Aproveita! Não se preocupe!Fuja! Fuja!

         -Corajoso ou retardado?! – disse o homem – Seja como for, faço questão de acabar com você, não sabe o quanto sonhei com esse dia!

         Alheio a qualquer reflexão, sem medo algum, Menandro deu um sorriso, abriu a boca e cravou os dentes no braço do ogro, que soltou outro urro de ódio. Sem pestanejar, ergueu a faca no ar. Menandro não pensou em mais nada, fechou os olhos e esperou a morte certa. Porém, pior era a consciência do fracasso e o medo acerca do futuro da mãe nas mãos daquele bandido. O que aquele monstro faria com ela? O ato impulsivo levava ao fim qualquer tentativa.

         Subitamente todos os vidros das janelas se estilhaçaram com violência, causando grande ruído e espanto. Pombos negros voaram ordenados para dentro da mansão, enquanto os três assistiam paralisados. E num misterioso movimento, as aves começaram a circular pelo alto teto.

         Mas o mais surpreendente ainda estava por ocorrer, uma presença não imaginada. Ao lado de Sabrina, penas de pombos giraram em espiral, brotando intensa luminosidade azul-celeste do centro do pequeno redemoinho, surgindo uma alta e belíssima forma humana feminina. Ela exalava um fragrante perfume de rosas, mirra e maçãs, mas portava uma peitoral e uma lança e aos poucos suas vestes escureciam como a noite. Os cabelos cacheados esvoaçavam, seu corpo era envolto de um brilho especial, seu porte emanava superioridade e autoridade. Menandro jurava estar sonhando, pouco ouvira falar desse aspecto de sua deusa.

         Majestosa, Afrodite caminhou calmamente na direção do dois, cercada por suas aves sagradas. O Medo e o Pavor, demones terríveis se apossaram de Leonardo, fazendo-o experimentar sentimentos profundos e auto-destrutivos. Sem conseguir pensar direito, soltou Menandro e virou às cegas sobre os calcanhares para correr. Rolou escada abaixo, violentamente, pagando por cada falcatrua sua e por cada crime não descoberto ainda.

         Menandro caiu de joelhos, atônito e destituído de qualquer ação diante de sua Rainha. Sabrina desmaiara com a visão, jazia imóvel no chão. E logo seu filho teve o mesmo destino, mas não antes de vislumbrar um terno sorriso da elegante divindade. E os pombos, por sua vez, desapareceram com sua senhora.

Menandro - um conto neo-pagãoOnde histórias criam vida. Descubra agora