A Academia

9 0 0
                                    

Já era tarde quando Lucas e Carla foram conduzidos junto com os outros presos para perto de um ônibus na praça Costa Pereira, os passos eram dados com muito esforço pois eles estavam acorrentados pelos pés e mãos. As correntes eram tão pesadas que os ombros de Carla estavam deixando a menina curvada, a dor era notada no semblante de todos os que estavam algemados.

Um a um, os acorrentados tinham que se identificar na entrada do ônibus para um soldado com bigodes longos e curvos, em seguida se direcionaram para um segundo soldado que os aplicava um chip de identificação sob a pele da mão, entre os dedos polegar e indicador, só depois disso que um terceiro soldado os tirou as algemas e os orientava onde deveriam sentar.

Não demorou mais que vinte minutos para que todos os capturados estivessem chipados e acomodados nos lugares. Lucas e Carla foram separados no ônibus, havia separação bem definida onde as pessoas do sexo masculino ficavam na parte da frente e as do sexo feminino na parte de trás do veículo. Eles se olharam como quem quisesse ter certeza que o outro estava bem, para os gêmeos era estranho ficar longe de alguém que praticamente não se separava.

-- Recrutas, prestem atenção! -- Lucas se virou imediatamente para não ter problemas, afinal era o General Victor que estava ordenando e ele tinha deixado bem claro a sua intolerância. Quando todos estavam em silêncio e olhando nos olhos dele, continuou:

-- É exatamente isso que eu disse. De agora em diante vocês são recrutas das forças militares do governo. Cada um aqui foi devidamente identificado e chipado, por isso não ousem tentar fugir que as consequências serão severas.

Nesse momento Carla baixou a cabeça e sussurrou um choro. O soldado permaneceu em silêncio, com um olhar fulminante para a menina, ele a aguardava para continuar. Quando Carla levantou a cabeça, viu que a maioria das pessoas do ônibus estavam olhando para ela, no mesmo instante enxugou suas lágrimas com a camisa e engoliu o choro, só então Victor continuou:

-- O próximo que me interromper, farei questão de apresentar intimamente meu braço biônico. -- O soldado levantou o braço com a metralhadora, exibindo-a aos recrutas como ameaça.

-- Como eu estava dizendo, nós estamos levando vocês para a academia para iniciantes das forças militares. Lá vocês aprenderão a se comportar como verdadeiros soldados do grande líder. Não esperem piedade. Não esperem misericórdia. Não vacilem pois não receberão compaixão. Esqueçam suas vidas, daqui para frente tudo começa para vocês, e sua vida só depende do seu desempenho. Fui claro? -- Todos ficaram atônitos e calados.

-- Quando eu solicitar uma confirmação quero ouvir todos dizendo "Sim senhor". Vou repetir a pergunta: Eu fui claro recrutas?

-- Sim senhor! -- Todos falaram em alto e bom tom. Então o soldado se virou, desceu do ônibus e foi para um jipe que o aguardava. O ônibus deu a partida e começou a se direcionar para a Avenida Beira Mar, seguido por um comboio de carros incluindo o de Victor.

Lucas olhava pela janela, tentando entender o caminho pelo qual passava. Ele nunca tinha saído do perímetro que era demarcado para a escória e todos aqueles locais eram novidade para todos ali. Ele se deu conta do quanto a cidade era bonita, era extremamente o oposto do antigo centro da cidade onde eles viviam. Haviam praias paradisíacas nessa parte da cidade, calçadas enormes com pessoas se exercitando, na areia as crianças brincavam de algo que parecia uma batalha de paintball com drones, as crianças controlavam os drones tentando abater o drone adversário.

-- Nossa, que maneiro! -- Lucas estava entusiasmado com o que via.

Depois de presenciar tantas coisas novas e bonitas, Lucas notou que a paisagem ia mudando novamente, o cenário voltava a ficar mais escuro, o barro vermelho virava poeira com ajuda do sol quente, não se via mais ninguém na rua. Eles passaram por mais uma barreira que separava as regiões dos escolhidos. Logo notou-se soldados por toda a parte, eram centenas deles enfileirados marchando e cantando coisas sobre o líder e seu governo. O ônibus fez mais uma curva, e pela janela notava-se algo que parecia uma antiga grande praça, algo que um dia já foi um lugar muito bonito, mas que naquele momento era usado para treinamento de trincheiras. O ônibus fez mais uma curva, e logo uma construção suspensa se mostrou, com grades de fora a fora cheias de arames farpados circulares, parecia um antigo terminal rodoviário. O ônibus estacionou dentro da construção, e logo a porta que separava os passageiros do motorista se abriu. Era o motorista, um homem franzino vestido com roupas peculiares e meio corcunda, que ao abrir a porta os orientou:

-- Atenção recrutas! Aguardem a chegada do soldado que vai chamar em ordem. Não se levantem enquanto não forem chamados, eu não tentaria fugir se fosse vocês.

Lucas e Carla trocaram olhares mais uma vez, ambos pareciam tranquilos. Não demorou muito e a porta novamente se abriu, agora era um soldado com farda igual a do General Victor, ele era mais magro, esguio e usava um quepe militar sobre seus cabelos loiros que sombreava seus olhos. Mais uma vez, um a um foi chamado na ordem em que estavam sentados. Ao descerem do ônibus encontravam um homem sem uniforme, vestido todo de branco com aparelho que parecia um gravador e que questionava:

-- Me responda rapidamente sua altura, peso e número do sapato.

Quando Lucas respondeu, sem entender o porquê das perguntas respondeu e notou que em seguida aquele senhor apertou um botão no aparelho que fez um barulho e imprimiu uma etiqueta. O homem colou essa etiqueta na camisa dos passageiros e os orientava a enfileirar atrás dele.

Quando todos estavam enfileirados o soldado que tinha entrado no ônibus se aproximou e acendeu um charuto olhando para os recrutas com ajuda do homem de branco que lhe acendeu o isqueiro. Cada vez que o soldado puxava a fumaça do charuto, seus olhos eram exibidos com um brilho vermelho fogo, parecia que seus olhos queimavam em sincronia com as tragadas.

-- Recrutas! -- Iniciou o soldado seguindo com mais uma tragada.

-- Vocês devem ir até a portaria da construção que fica atrás de vocês na saída desse antigo terminal. Lá receberão uma mochila e nela vocês receberão um cantil, um facão, um calçado e um uniforme. Amanhã, quando acordarem receberão uma segunda mochila com mais um sapato e mais três uniformes. No total vocês terão quatro uniformes. Sua obrigação será cuidar desses uniformes, assim como mantê-los limpos. Aqui temos as seguintes orientações sobre esses itens: Número 1, mantenha sempre seu cantil com água, nunca se sabe quando precisaremos. Número 2, mantenha sempre seu facão amolado, ele servirá inclusive para dar cabo à própria vida caso não se sinta preparado. Número 3 e última, mantenha seu calçado e uniforme impecáveis, o uso desleixado desses materiais pode te prejudicar.

Em seguida o soldado se retirou e os recrutas iniciaram o percurso para entrarem naquela construção bizarra. Parecia uma antiga escola, mas poderia ter sido também um presídio. A construção era toda protegida por arames farpados, exceto a entrada que era um grande portão de aço. E lá se foram os recrutas, entrando para esse novo mundo. 

EscóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora